terça-feira, 29 de julho de 2014

NOSSO PAI DE TODOS OS DIAS...



Nosso pai maior é Deus. A parábola que Ele escolheu para o início do cristianismo, enviando seu filho para salvar a humanidade é exatamente o que os pais tentam fazer com seus filhos, ou seja, trazê ao mundo criá-los e educá-los de maneira que possam melhorar um pouco o lugar em que vivem.
Falemos então de um “Pai Nosso” terreno...
Meu pai que está aqui junto de mim...
- Quantas noites, quando era bebê não gritei na solidão do meu berço e a minha mãe, junto com meu pai, vieram me abraçar e beijar. Quantas noites adoentado meu pai passou em claro medicando me, tirando minha febre o tempo todo. Brincamos muito de circo, de espada, de futebol, de subir em árvores. Lutamos com os travesseiros, pulamos em cima da cama. Nessa fase, na infância, ele é o nosso herói. Observamos atentos cada atitude, cada gesto. Essa observação aguda vai formar o nosso futuro caráter. Todas as vezes quando eu tinha algum probleminha lá estava ele, ponderando, aconselhando e me deixando tranquilo. Na adolescência seu sono era atrapalhado por outras coisas. Levar-me na balada, quando eu pedia para me deixar longe da porta, para parecer aos meus amigos que eu ia sozinho. Depois ir me buscar de madrugada. Quando chegávamos em casa invariavelmente encontravamos minha mãe sentada na sala à minha espera.
Dignificado seja o seu nome em qualquer lugar deste vasto mundo...
Quando fiquei adulto senti no seu olhar a satisfação por ter cumprido a sua tarefa, que era tornar-me um homem de bem. Todos os seus sacrifícios, eu percebia por seus olhares, que não tinham sido em vão. Era o que ele queria que o nome do seu filho fosse respeitado assim como o seu havia sido.
Que nos seja dado hoje e sempre o prazer da sua companhia... E que a gente possa satisfazer suas vontades...
Aos poucos fui sentindo que você era menos herói, mas muito mais humano e compreensível, mais humilde, menos dono da verdade e fui sentindo a necessidade de retribuir todo o seu carinho e sua proteção do passado. Era preciso agora alguns cuidados para manter a sua presença. Insistir para você ir ao médico, tomar agora os seus remédios, da mesma forma que você  deu quando eu era criança. Às vezes chamar a sua atenção e até repreendê-lo.
Peço perdão por ter sido às vezes tão irreverente, tão impaciente...
Por não ter ouvido alguns de seus conselhos. Insistir em dirigir o carro sendo menor de idade. Trançar-me no quarto e ficar sem falar com você por dias. Achar que você estava ficando “por fora”. Por não entender a lentidão da velhice. Assisti a um vídeo que me mandaram por email que demonstra muito bem essa impaciência. O pai já bem idoso sentado num banco de jardim, ao lado do filho adulto que lê um jornal. Um pássaro pousa perto e o pai pergunta umas três ou quatro vezes para o filho – O que é aquilo? O filho acaba perdendo a cabeça e grita com o pai para ele parar de perguntar. O pai levanta-se vai até a casa e trás um diário aberto. Pede ao filho - Leia em voz alta! O filho então lê: Meu filho tinha três anos. Estávamos no jardim, quando um pássaro pousou.  Meu filho perguntou o que era aquilo por vinte e três vezes... Eu respondi por todas as vezes e em cada resposta o abracei carinhosamente. O filho chora e abraça com força o pai idoso. 
Assim como eu te perdoo por algumas injustiças que você fez comigo...
As suas broncas na hora errada, palmadas sem necessidade, falta de tempo para ficar junto.
Não me deixe ir para caminhos errados e...  Que Deus me livre da sua ausência...
Agora que você resolveu ir embora... Agora que você me deixou sozinho... De onde você estiver, por favor, continue a cuidar de mim como sempre...
Agora que eu sou pai estou querendo ser como você me ensinou. Não é fácil! No mundo violento de hoje, sinto que está cada vez mais difícil, proteger os nossos filhos. Temos que deixa-los fazer seu próprio caminho, conforme nossa orientação. Sinto-me, mais ou menos, como a águia que, num determinado momento empurra seu filhote do alto da montanha para que aprenda a voar. Acho que eu consegui, modéstia a parte. Por isso, tomo a liberdade, caro leitor, de transcrever um trecho de um texto dedicado a mim há alguns anos atrás.
“Meu pai é um exemplo para mim. Guio-me por ele com a segurança de que estou no caminho certo (...). A cada conversa sua serenidade me acalma como um abraço gostoso (...). Desde pequeno foi assim, mesmo sem eu saber... Por isso meu pai é meu professor. E por isso acho que o professor é uma pessoa que vive dentro da gente... Obrigado pai, meu professor mais importante!”
Obrigado vocês, meu filhos... Leandro...Sandro e... Ana Cândida!
Amém!
Armando Sérgio da Silva
   Inverno de 2014

segunda-feira, 14 de julho de 2014

O QUE É QUE EU VOU DIZER PARA OS MEUS NETOS?




Anos 50. Mogi das Cruzes...
Sábado seis horas... Serginho olha para sua cama e vê o terninho, azul marinho, de calças curtas limpinho estendido ao lado da camisa e meias brancas que sua mãe separara durante a tarde. Destino: Praça Oswaldo Cruz... Os pais e seus amigos vão bebericar alguma coisa no bar do Lanche ou no bar Cruzeiro. Serginho espera sentado num banco do jardim observando a grande tradição de Mogi das Cruzes... O “footing” dos jovens. Quando chegava a hora do cinema, aos sábados, Serginho e seus pais iam ao Cine Avenida. Iniciava-se o grande desfile pela Avenida Voluntario Pinheiro Franco. Quase todos se conheciam, vizinhos, parentes, amigos, colegas de escola.
Interessante é que o dono do cinema morava ao lado do mesmo e ficava sempre entretido vendo seus espectadores chegarem.
Era um cinema luxuoso, muito grande. Lá a festa continuava... Como todos se conheciam, na fila da bilheteria se cumprimentavam e na sala de espera, conversavam.
Os meninos sentavam-se sempre na primeira fileira e se deixavam levar pela magia do cinema.
Naquele dia o cinema inteiro chorou... O filme... “Imitação da Vida”. Enredo... Uma filha que renega sua mãe negra. Foi a maior lição de antirracismo que Serginho teve em sua vida. Serginho aquela noite demorou em pegar no sono... Antes de dormir jurou... Jamais vou discriminar alguém de outra cor. Depois fechou seus olhinhos e continuou sonhando como fizera no cinema.
ANOS 60. Mesma cidade
Domingo: Mais uma vez, tudo organizado sem ninguém organizar... As roupas eram as mesmas, os sorrisos e os flertes também, entretanto agora, como num corso, os rapazes e as moças iam a vinham na Dr. Deodato. Tudo isso acontecia antes do sagrado cinema.  O cine Urupema, que era deslumbrante, dizem que tinha mais de mil poltronas. Seu salão de espera, enorme, mais parecia um salão de baile com fotos dos artistas da época: Elizabeth Taylor, Montgomery Clift, Clark Gable, Kim Novak, Marlon Brando, etc. Entretanto cinema também era lugar para se namorar. Sergio e sua namorada brincaram muito de serem a... Deborah Querr que o Gregory Peck. No final da sessão, muito engraçado, as pessoas demoravam certo tempo para se desligar das personagens. Os rapazes com um andar inequívoco de “Cow Boy” ou dançando qual Gene Kelly, além de realçarem seus topetes de Tony Curtis. As moças com boquinhas de Kim Novak ou postura de Ingrid Bergman.
2014... Aqui mesmo.
Sr. Sérgio está sentado em uma poltrona confortável na sua mesa de trabalho. Lembra-se dos tempos em que a cidade vivia a cultura dos cinemas Eles, em Mogi das Cruzes, eram templos iluminados num tempo em que aqueles que os contemplaram jamais esqueceram. Lado a lado os mogianos desfilavam pelas ruas da cidade... Todos moravam no centro ou muito perto... Eram ternos gravatas, tecidos que mais pareciam para festas de gala. Não havia grande diferença de poder aquisitivo. Mesmo os mais pobres tinham ternos e vestidos dignos de fim de semana. Carros, quase, não se via. Observa fotos antigas: O cine Odeon com suas sessões somente para a criançada aos domingos pela manhã. O cine Parque com seus portões maravilhosos de ferro. O cine Vera Cruz, pequeno, mas muito confortável...  Sua esposa, ao lado lê um livro. Seus três netos digitam em tablets.
Um dos netos pergunta: Vovó, podemos ir passear na Dr. Deodato?
A avó abaixa o livro responde de pronto: Não. É muito perigoso. Está cheio de marginais lá à noite.
Outro neto: Então podemos ir ao cinema?
Sr. Sérgio: Não existem mais cinemas por aqui.
Neto: O que? Não acredito.
Sr. Sérgio: Infelizmente é verdade meus netos! Só se formos para Suzano ou Guarulhos.
O outro neto deixa o tablet e liga a TV no “Zorra Total”.
     Sr. Sergio e sua esposa, envergonhados, sorriem com tristeza, para os netos.                                                       THE END
Armando Sérgio da Silva
    Junho de 2014

PS: No momento em que estou escrevendo esta crônica leio nos jornais que o Cine Belas Artes vai ser reativado. Parabéns São Paulo!

terça-feira, 10 de junho de 2014

Armando Sérgio, o semeador de grupos teatrais




Vanice Assaz entrevista o decano apaixonado pelo teatro 
Armando Sérgio da Silva sabe muito bem de onde surgiu a teatralidade que sempre fez parte de sua vida e continua levando-o mundo afora. Ela vem da vontade e da característica incontrolável que sempre o acompanhou de se sobressair, de aparecer, de mostrar seu talento. E não entendam isso como algo que o incomoda e ele tenta disfarçar, esconder ou resolver. Ele já era assim na adolescência e juventude e continua o mesmo na maturidade, o que lhe confere muito mais autenticidade do que esnobismo ou superioridade.
“Eu gostava de aparecer. Jogava basquete, participava da fanfarra do Washington Luís, do Grêmio Ubaldo Pereira e até cheguei a ser presidente do Clube dos Narcisos, uma entidade imaginária que agregava os que se consideravam os mais talentosos e brilhantes da época como o Milton Feliciano, o Lauro Juk, o Kunio e o Koshiba”, conta ele entre divertido e consciente do papel que o teatro desempenharia até hoje em sua carreira pessoal e profissional.
armando com uniforme fanfarra
Um orgulho vestir o blusão da fanfarra do IEWL
Era esse perfil especial que já o deixava muito a vontade para participar com muita dedicação do chamado Programa Estudantil, criado e organizado por uma turma composta por Milton e Diógenes de Oliveira, Toshio Kawamura, o Lua, José Cardoso, Norma Moretti, Antonio Benetazzo, Sérgio Correa entre outros, para apresentar shows de variedades no palco do tradicional Instituto de Educação Dr. Washington Luís, então no prédio da rua Coronel Souza Franco, onde todos estudavam e passavam a maior parte do tempo.
“Tinha de tudo até uma espécie de Escolinha do Professor Raimundo, na qual eu fazia um personagem chamado Soneca, que dormia o tempo todo. Eram esquetes divertidos que nós mesmos escrevíamos. Tínhamos também um conjunto de dublagem formado pelo Zé Cardoso, Jonas Cardoso e eu, que fazia coro. Dublávamos os The Platters. Como eu gostava muito do Elvis Presley também o dublei como o Cowboy Solitário. E fiz um dueto com a Norma Moretti, cantando Do Ré Mi.”
Armando garante não saber porque ou quando esse pessoal se juntou e criou o TEM (Teatro Experimental Mogiano), mas acredita que ele se solidificou em função do show TEM Poesia e Bossa, que apresentava trechos de poemas e música popular brasileira. “Participaram Miguel Colella Neto, Marco Nahum, Odair, Beni, o Mecha Branca, o Tabajara, que era de Poá, o Serginho Correa na bateria e o Odilon da Cunha Melo no violão. A apresentação foi no Instituo Placidina”, lembra.
Segundo ele, logo em seguida Milton Feliciano escreveu ‘Tiradentes em Tempo de Inconfidência’, inspirado no estilo do legendário Teatro de Arena, grupo fundado em São Paulo, em 1953, do qual os mogianos eram fãs incondicionais. “O Milton escreveu esse texto antes do Boal escrever o Arena Conta Tiradentes”, reforça Armando, confirmando o fato narrado por Feliciano, neste mesmo blog, em post de 3 de maio de 2014, intitulado ‘Eu, Tiradentes em Tempo de Inconfidência e o Dops’. No texto, ele conta que “no final de 1.965 ou início de 1966, antes da proibição pelo Dops, levamos a peça ao Teatro de Arena e a deixamos com o Gianfrancesco Guarnieri para que nos desse a sua opinião sobre o texto e suas possibilidades. Jamais recebemos a opinião do Guarnieri ou do Augusto Boal, mas em junho de 1.967 foi lançada a peça ‘Arena Conta Tiradentes’… Talvez apenas uma coincidência”.
Armando tinha uma voz forte, tanto que ganhou o apelido de seu Lima, uma referência ao ator Lima Duarte, e estava na ‘Tiradentes’, dirigida por Alberto Perotti. “Aí a peça foi proibida, ficamos desarvorados, mas tínhamos que fazer alguma coisa. Foi quando o Antonio Benetazzo nos deu uma tradução portuguesa e indicou A Exceção e a Regra. Ninguém sabia quem era Brecht.”

armando jovem
Voz forte lhe deu o apelido de seu Lima
OLHO NOS OUTROS
Armando tinha o costume inconsciente de representar de olho na atuação de seus companheiros, observando de maneira especial como trabalhavam e isso acabou rendendo-lhe a indicação de dirigir o texto brechtiniano. “Eu estava indo para a praia com o Odilonzinho e resolvi levar o texto. Lá, comecei a colocar no papel, usando o sistema Arena, as ideias especialmente do cenário. Eu não sabia dirigir atores, então minha direção foi mais uma concepção cênica, a montagem de um cenário com humanos. Como era moda a op arte (da expressão inglesa optical art e que defendia menos expressão e mais visualização) e suas abstrações em preto e branco, usei isso. A concepção se solidificou com músicas do Miguel Colella e virou um musical.” A primeira apresentação de A Exceção e a Regra foi no salão do Itapety Club, nos altos do cine Urupena, na praça Firmina Santana, depois de exaustivos ensaios na garagem do comerciante Orlando Signorini, segundo as lembranças de Armando.
A montagem do TEM foi premiada e classificada em primeiro lugar na eliminatória do 4º Festival de Teatro Amador de São Paulo, em 1966. Na final, em São Carlos, ficou em segundo lugar, com Armando indicado como o melhor diretor. Como prêmio, ele recebeu uma bolsa de estudos em teatro na EAD (Escola de Artes Dramáticas), uma das mais importantes escolas de formação de atores do país, e que mudaria sua vida.
“Na EAD não havia curso de direção, só de interpretação, mas a Maria Thereza Vargas (teórica e pesquisadora teatral) me disse que estava abrindo uma escola na USP (Universidade de São Paulo) e que teria teatro. Era a ECC (Escola de Comunicações Culturais), a atual ECA (Escola de Comunicações e Artes). Prestei vestibular em 1966 e fiquei na lista de espera. Entrei em 67 e estou lá até hoje”, conta ele, dizendo que fez o curso de Direito, na PUC (Pontifícia Universidade Católica) com o último ano na UBC (Universidade Braz Cubas), “só para constar”.
A boa colocação no festival deu ao grupo a oportunidade de se apresentar no Teatro Maria Della Costa. “Estávamos para começar a peça quando vi batedores encostando na porta do teatro, anunciando a chegada do governador Laudo Natel. Ele e mais o Augusto Boal, o Gianfrancesco Guarnieri e o Décio de Almeida Prado assistiram nossa apresentação.”
Depois disso, Armando dirigiu o grupo no show Porta Estandarte, com músicas de Fernando Lona e Geraldo Vandré, que teve a presença do primeiro em uma das apresentações, e a peça Canudos, em 1967, também escrita por Milton Feliciano.
No ano seguinte, o TEM apresentou A Exceção e a Regra no Rio de Janeiro, onde ganharam vários prêmios também. “Lembro-me do Paschoal Carlos Magno (ator, teatrólogo e diplomata brasileiro) assistindo a peça. Eles deu umas cochiladas, mas assistiu.”
Depois de algumas montagens frustradas, inclusive a quase finalizada O Espião, também de Brecht, que tinha no elenco Miguel Colella como o pai, Amair Campos como a mãe e Marco Namura como o filho, Armando se afastou do TEM em 1968 por causa da dedicação que queria e precisava dar à USP. Um pouco antes, ele havia montado o Tege (Teatro do Ginásio Industrial) onde dava aulas e de onde só saiu em 1974 depois de trabalhar de graça só para fazer teatro aos domingos com os alunos. “Um dia, a diretora da escola me chamou e disse que eu dava muito trabalho. Dei até logo e fui para as duas universidades de Mogi, onde criei o Tumc (Teatro da Universidade de Mogi) e o Tebec (Teatro Experimental Braz Cubas).”
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Próximo projeto terá textos inspirados em Chico Buarque
DECANO ENTUSIASMADO
Autor de inúmeros artigos, capítulos e quatro livros ligados ao teatro (Oficina: do Teatro ao Te-ato; Uma Oficina de Atores: A Escola de Arte Dramática de Alfredo Mesquita; J. Guinsburg: Diálogos sobre Teatro e Cepeca: Uma Oficina de Pesquisadores), atualmente, Armando trabalha só na ECA-USP, onde coordena o Cepeca (Centro de Pesquisa em Experimentação Cênica do Ator), formado por um grupo de 25 pessoas que tem dado grande prazer ao diretor.
O Cepeca surgiu a partir de um curso de pós-graduação em que ele tratava da preparação do ator por meio de fundamentos específicos para a realização de cenas, com desenvolvimento de pesquisas na área de interpretação, além da aplicação de ações, procedimentos e exercícios visando trabalhos práticos e preparação para monografias que contextualizassem os espetáculos.
“Foi assim que alinhavei e dirigi, em 2006, um conjunto de textos curtos de alunos sobre a capital paulista, sob o título Um ônibus chamado S…P”, em que a plateia assistia a peça disposta como se fosse em um ônibus. Satisfeito com os resultados, ele não hesitou em criar, no ano seguinte, o Cepeca, o mesmo que apresentou uma mostra de artes cênicas em Mogi, durante quatro dias do início de maio deste ano, e que já levou vários de seus 12 espetáculos a vários países da America Latina.
Hoje, é o grupo do Cepeca que mantém este decano (sim, ele é o professor mais antigo da ECA) trabalhando, mesmo já podendo ter se aposentado há tempos. Entusiasmado como na época do TEM, ele acarinha um novo projeto: vai costurar e dirigir textos de cada integrante, inspirados em composições de Chico Buarque de Holanda.


sábado, 7 de junho de 2014

EU ESTAVA LÁ



Quando a editoria da revista “Cidade Viva” comunicou-me de que o assunto principal desta tiragem seria copa do Mundo fiquei um tanto apreensivo. Atualmente não ando muito ligado em futebol. Os jogadores, em geral, são mercenários, transformaram-se em super atletas, quase que, científicamente construídos e a violência das torcidas empanam, via de regra, os espetáculos.
Resolvi, então, escrever sobre as minhas, muito minhas recordações sobre alguns finais de Copa, quando aconteceram alguns fatos marcantes na minha vida. Tive a sorte, durante a minha vida, de c presenciar cinco campeonatos mundiais vencidos pelo Brasil. Entretanto também vivi vários  momentos de decepção. É sobre esses dias , sem qualquer tentativa de relatar todas as Copas que passo a escrever. Nesse relato pularei muitas derrotas e algumas vitórias das quais não  me lembro de nada marcante para compartilhar. Meu intuito é de que essas recordações possam ativar, nos leitores, suas próprias lembranças.
1950: Tinha quatro anos e não fazia ideia do que estava acontecendo naquele domingo na casa de meus avós portugueses. Toda a família estava na sala em volta de um rádio de válvula que emitia um som cheio de ruídos. Por vezes alguém gritava outras levantavam e rolavam no chão. Eu, em entender nada, me divertia e me distraia com essas manifestações de loucura de meus tios. De repente meu avô desligou o rádio. Todos permaneceram estáticos, um silêncio sepulcral.  Com meus quatro anos senti que algo terrível tinha acontecido. O clima era tão pesado que fui ficando assustado e, com medo, comecei a chorar. Olhei para o meu pai e vi algumas lágrimas no caindo dos seu olhos. Aos poucos todos foram se retirando da sala. Fui até o meu pai,  ele me pegou no colo e me abraçou em silêncio. Dormi e não me lembro de mais nada.
1958: Meus pais foram visitar alguns amigos no Rio de Janeiro. Com doze anos eu já entendia que estava havendo uma Copa do Mundo e que o Brasil estava na final. Desta vez, quando acabou o jogo, meu pai pegou-me novamente no colo. Agora, entretanto, me jogou para cima e dançou comigo na sala dos amigos.
Que sorte a minha estar no Rio de Janeiro naqueles dias. Fomos para a rua esperar a chegada dos jogadores que haviam trazido a primeira copa para o Brasil. Eles chegaram em cima de um caminhão do corpo de bombeiros. Nós gritávamos e pulávamos de alegria. Acompanhamos  os jogadores até o Maracanã. Adivinhem o que aconteceu? Os jogadores vestiram os uniformes e fizeram um jogo demonstração. Lembro-me de que o Pelé jogou no gol e o Gilmar de ponta esquerda. Quem mais me impressionou foi o capitão Belini. Jogou como se disputasse a final da Copa. Um leão em campo. Que sorte! Que humildade e generosidade daqueles jogadores!
Hoje, isso seria impossível com os nossos mercenários.
1962: Plena adolescência... A vida cheia de alegria no Washington Luis. Ano de início de meu namoro com minha querida esposa Rose.
Naqueles tempos eu era fanático por futebol. Depois do show da final fomos para a escola fazer uma pelada de futebol de salão. Aí aconteceu algo que se sucede uma só vez na vida. Fiz uma jogada completamente fora dos padrões de meu futebol mediano.
Passaram-me a bola na saída. Fui levando pela esquerda. Passei um e passei o outro. Acho que o zagueiro era o Diogo Domingues. Quando percebi estava no canto esquerdo da quadra. O goleiro saiu para abafar. Como eu não chutava com o pé esquerdo, bati na bola, de chaleira, com o pé direito. Pasmem! A bola encobriu o goleiro e entrou.... Sorte! Sorte! Sorte! Foi neste instante que ouvi um grito... Amarildo! Amarildo! Era o Ary Dirceu quem eu considerava o melhor jogador de futsal de Mogi.
Caro leitor se você não quiser acreditar, fique a vontade... Nem eu mesmo sei se foi realidade ou um sonho !
1970: Recém casado, pela primeira vez a TV colorida. O Brasil deu um show de bola. Um amigo que esteve no México disse-me que no quarto gol, quando o Pelé segurou a bola e rolou para o Carlos Alberto marcar, ouviu-se no estádio inteiro o grito no rei: Vai com tudo!!!
O lado triste é que foi uma Copa muita explorada pela terrível ditadura militar instalada no país.
1978: Minha esposa mandou tricotar uns agasalhos verde e amarelo para meus filhos. O que me ficou desta copa foi o rosto triste  os olhos lacrimejantes de meu filho que na época tinha sete anos. Talvez porque no dia seguinte foi publicada uma enorme foto no Jornal da Tarde de um menino , muito parecido com o meu filho, que também vestia o uniforme e chorava.
1994: Outra feliz coincidência, eu estava nos Estados Unidos. Estava assistindo uma das partidas da eliminatória num hotel da Philadelfia e estava havendo uma convenção qualquer. Um dos americanos se aproximou e disse : - Quais são as regras desse esporte? Rapidamente eu resumi: - Cada time tem que colocar a bola dentro do gol do adversário. Instintivamente ele começou a torcer do meu lado. Em virtude desse diálogo eu imaginei que a copa nos EUA seira um fracasso... Ledo engano! Em cada rua, em cada posto, nas estradas, as lojas estavam lotadas com artigos da copa. Tinha me esquecido do tino comercial dos americanos. No dia em que fomos campeões vesti a camisa  verde e amarela e, orgulhosamente, desfilei por Nova York. Eu era aplaudido e cumprimentado pelos americanos.
1998: Outra, não tão feliz, coincidência. Não imaginava que o Brasil iria para a final e marquei um voo para o leste europeu com escala em Paris, justamente na hora da final entre o Brasil e a França. O comandante, vez ou outra, anunciava um gola da França e nós pensávamos vamos ganhar de virada. Descemos em Paris no dia seguinte. O aeroporto estava em festa. A primeira imagem que vi foi a da página principal do “Le Monde” com uma foto do Zidane comemorando com um salto e a mão levantada, com a manchete “ La vie en bleu”.
Alguns funcionários do aeroporto tentaram brincar comigo. A eles eu disse: - Nós já ganhamos quatro!
Para que se tenha ideia de como Paris estava em festa louca, sequer pediram nossos passaportes. Voltei do leste Europeu por Portugal. Os portugueses estavam revoltados conosco. Torceram pela seleção brasileira e insinuavam que nós tínhamos entregue o jogo para a França. Como não tinham carimbado nossos passapotes em Paris, quando deixei Portugal, o funcionário da alfândega disse: Ora tu não entrastes na Europa como que estás saindo? Eu sorri e voltei para o Brasil!
2014: Confesso que estou preocupado. O país atravessa uma crise institucional muito grande. As manifestações certamente vão acontecer. Pode ser que a violência empane qualquer possibilidade de brilho. Como brasileiro, entretanto, agora com meu netinho, com os mesmos quatro anos que eu tinha em 1950, espero sinceramente que aquela cena do abraço triste que tive com meu pai não se repita. Espero que eu possa, junto com ele, vestindo a gloriosa camisa verde e amarela, dançar cantar e gargalhar sonhando, quem sabe, com um futuro melhor para este querido Brasil!!!
                                                                          Armando Sérgio da Silva