terça-feira, 10 de junho de 2014

Armando Sérgio, o semeador de grupos teatrais




Vanice Assaz entrevista o decano apaixonado pelo teatro 
Armando Sérgio da Silva sabe muito bem de onde surgiu a teatralidade que sempre fez parte de sua vida e continua levando-o mundo afora. Ela vem da vontade e da característica incontrolável que sempre o acompanhou de se sobressair, de aparecer, de mostrar seu talento. E não entendam isso como algo que o incomoda e ele tenta disfarçar, esconder ou resolver. Ele já era assim na adolescência e juventude e continua o mesmo na maturidade, o que lhe confere muito mais autenticidade do que esnobismo ou superioridade.
“Eu gostava de aparecer. Jogava basquete, participava da fanfarra do Washington Luís, do Grêmio Ubaldo Pereira e até cheguei a ser presidente do Clube dos Narcisos, uma entidade imaginária que agregava os que se consideravam os mais talentosos e brilhantes da época como o Milton Feliciano, o Lauro Juk, o Kunio e o Koshiba”, conta ele entre divertido e consciente do papel que o teatro desempenharia até hoje em sua carreira pessoal e profissional.
armando com uniforme fanfarra
Um orgulho vestir o blusão da fanfarra do IEWL
Era esse perfil especial que já o deixava muito a vontade para participar com muita dedicação do chamado Programa Estudantil, criado e organizado por uma turma composta por Milton e Diógenes de Oliveira, Toshio Kawamura, o Lua, José Cardoso, Norma Moretti, Antonio Benetazzo, Sérgio Correa entre outros, para apresentar shows de variedades no palco do tradicional Instituto de Educação Dr. Washington Luís, então no prédio da rua Coronel Souza Franco, onde todos estudavam e passavam a maior parte do tempo.
“Tinha de tudo até uma espécie de Escolinha do Professor Raimundo, na qual eu fazia um personagem chamado Soneca, que dormia o tempo todo. Eram esquetes divertidos que nós mesmos escrevíamos. Tínhamos também um conjunto de dublagem formado pelo Zé Cardoso, Jonas Cardoso e eu, que fazia coro. Dublávamos os The Platters. Como eu gostava muito do Elvis Presley também o dublei como o Cowboy Solitário. E fiz um dueto com a Norma Moretti, cantando Do Ré Mi.”
Armando garante não saber porque ou quando esse pessoal se juntou e criou o TEM (Teatro Experimental Mogiano), mas acredita que ele se solidificou em função do show TEM Poesia e Bossa, que apresentava trechos de poemas e música popular brasileira. “Participaram Miguel Colella Neto, Marco Nahum, Odair, Beni, o Mecha Branca, o Tabajara, que era de Poá, o Serginho Correa na bateria e o Odilon da Cunha Melo no violão. A apresentação foi no Instituo Placidina”, lembra.
Segundo ele, logo em seguida Milton Feliciano escreveu ‘Tiradentes em Tempo de Inconfidência’, inspirado no estilo do legendário Teatro de Arena, grupo fundado em São Paulo, em 1953, do qual os mogianos eram fãs incondicionais. “O Milton escreveu esse texto antes do Boal escrever o Arena Conta Tiradentes”, reforça Armando, confirmando o fato narrado por Feliciano, neste mesmo blog, em post de 3 de maio de 2014, intitulado ‘Eu, Tiradentes em Tempo de Inconfidência e o Dops’. No texto, ele conta que “no final de 1.965 ou início de 1966, antes da proibição pelo Dops, levamos a peça ao Teatro de Arena e a deixamos com o Gianfrancesco Guarnieri para que nos desse a sua opinião sobre o texto e suas possibilidades. Jamais recebemos a opinião do Guarnieri ou do Augusto Boal, mas em junho de 1.967 foi lançada a peça ‘Arena Conta Tiradentes’… Talvez apenas uma coincidência”.
Armando tinha uma voz forte, tanto que ganhou o apelido de seu Lima, uma referência ao ator Lima Duarte, e estava na ‘Tiradentes’, dirigida por Alberto Perotti. “Aí a peça foi proibida, ficamos desarvorados, mas tínhamos que fazer alguma coisa. Foi quando o Antonio Benetazzo nos deu uma tradução portuguesa e indicou A Exceção e a Regra. Ninguém sabia quem era Brecht.”

armando jovem
Voz forte lhe deu o apelido de seu Lima
OLHO NOS OUTROS
Armando tinha o costume inconsciente de representar de olho na atuação de seus companheiros, observando de maneira especial como trabalhavam e isso acabou rendendo-lhe a indicação de dirigir o texto brechtiniano. “Eu estava indo para a praia com o Odilonzinho e resolvi levar o texto. Lá, comecei a colocar no papel, usando o sistema Arena, as ideias especialmente do cenário. Eu não sabia dirigir atores, então minha direção foi mais uma concepção cênica, a montagem de um cenário com humanos. Como era moda a op arte (da expressão inglesa optical art e que defendia menos expressão e mais visualização) e suas abstrações em preto e branco, usei isso. A concepção se solidificou com músicas do Miguel Colella e virou um musical.” A primeira apresentação de A Exceção e a Regra foi no salão do Itapety Club, nos altos do cine Urupena, na praça Firmina Santana, depois de exaustivos ensaios na garagem do comerciante Orlando Signorini, segundo as lembranças de Armando.
A montagem do TEM foi premiada e classificada em primeiro lugar na eliminatória do 4º Festival de Teatro Amador de São Paulo, em 1966. Na final, em São Carlos, ficou em segundo lugar, com Armando indicado como o melhor diretor. Como prêmio, ele recebeu uma bolsa de estudos em teatro na EAD (Escola de Artes Dramáticas), uma das mais importantes escolas de formação de atores do país, e que mudaria sua vida.
“Na EAD não havia curso de direção, só de interpretação, mas a Maria Thereza Vargas (teórica e pesquisadora teatral) me disse que estava abrindo uma escola na USP (Universidade de São Paulo) e que teria teatro. Era a ECC (Escola de Comunicações Culturais), a atual ECA (Escola de Comunicações e Artes). Prestei vestibular em 1966 e fiquei na lista de espera. Entrei em 67 e estou lá até hoje”, conta ele, dizendo que fez o curso de Direito, na PUC (Pontifícia Universidade Católica) com o último ano na UBC (Universidade Braz Cubas), “só para constar”.
A boa colocação no festival deu ao grupo a oportunidade de se apresentar no Teatro Maria Della Costa. “Estávamos para começar a peça quando vi batedores encostando na porta do teatro, anunciando a chegada do governador Laudo Natel. Ele e mais o Augusto Boal, o Gianfrancesco Guarnieri e o Décio de Almeida Prado assistiram nossa apresentação.”
Depois disso, Armando dirigiu o grupo no show Porta Estandarte, com músicas de Fernando Lona e Geraldo Vandré, que teve a presença do primeiro em uma das apresentações, e a peça Canudos, em 1967, também escrita por Milton Feliciano.
No ano seguinte, o TEM apresentou A Exceção e a Regra no Rio de Janeiro, onde ganharam vários prêmios também. “Lembro-me do Paschoal Carlos Magno (ator, teatrólogo e diplomata brasileiro) assistindo a peça. Eles deu umas cochiladas, mas assistiu.”
Depois de algumas montagens frustradas, inclusive a quase finalizada O Espião, também de Brecht, que tinha no elenco Miguel Colella como o pai, Amair Campos como a mãe e Marco Namura como o filho, Armando se afastou do TEM em 1968 por causa da dedicação que queria e precisava dar à USP. Um pouco antes, ele havia montado o Tege (Teatro do Ginásio Industrial) onde dava aulas e de onde só saiu em 1974 depois de trabalhar de graça só para fazer teatro aos domingos com os alunos. “Um dia, a diretora da escola me chamou e disse que eu dava muito trabalho. Dei até logo e fui para as duas universidades de Mogi, onde criei o Tumc (Teatro da Universidade de Mogi) e o Tebec (Teatro Experimental Braz Cubas).”
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Próximo projeto terá textos inspirados em Chico Buarque
DECANO ENTUSIASMADO
Autor de inúmeros artigos, capítulos e quatro livros ligados ao teatro (Oficina: do Teatro ao Te-ato; Uma Oficina de Atores: A Escola de Arte Dramática de Alfredo Mesquita; J. Guinsburg: Diálogos sobre Teatro e Cepeca: Uma Oficina de Pesquisadores), atualmente, Armando trabalha só na ECA-USP, onde coordena o Cepeca (Centro de Pesquisa em Experimentação Cênica do Ator), formado por um grupo de 25 pessoas que tem dado grande prazer ao diretor.
O Cepeca surgiu a partir de um curso de pós-graduação em que ele tratava da preparação do ator por meio de fundamentos específicos para a realização de cenas, com desenvolvimento de pesquisas na área de interpretação, além da aplicação de ações, procedimentos e exercícios visando trabalhos práticos e preparação para monografias que contextualizassem os espetáculos.
“Foi assim que alinhavei e dirigi, em 2006, um conjunto de textos curtos de alunos sobre a capital paulista, sob o título Um ônibus chamado S…P”, em que a plateia assistia a peça disposta como se fosse em um ônibus. Satisfeito com os resultados, ele não hesitou em criar, no ano seguinte, o Cepeca, o mesmo que apresentou uma mostra de artes cênicas em Mogi, durante quatro dias do início de maio deste ano, e que já levou vários de seus 12 espetáculos a vários países da America Latina.
Hoje, é o grupo do Cepeca que mantém este decano (sim, ele é o professor mais antigo da ECA) trabalhando, mesmo já podendo ter se aposentado há tempos. Entusiasmado como na época do TEM, ele acarinha um novo projeto: vai costurar e dirigir textos de cada integrante, inspirados em composições de Chico Buarque de Holanda.


sábado, 7 de junho de 2014

EU ESTAVA LÁ



Quando a editoria da revista “Cidade Viva” comunicou-me de que o assunto principal desta tiragem seria copa do Mundo fiquei um tanto apreensivo. Atualmente não ando muito ligado em futebol. Os jogadores, em geral, são mercenários, transformaram-se em super atletas, quase que, científicamente construídos e a violência das torcidas empanam, via de regra, os espetáculos.
Resolvi, então, escrever sobre as minhas, muito minhas recordações sobre alguns finais de Copa, quando aconteceram alguns fatos marcantes na minha vida. Tive a sorte, durante a minha vida, de c presenciar cinco campeonatos mundiais vencidos pelo Brasil. Entretanto também vivi vários  momentos de decepção. É sobre esses dias , sem qualquer tentativa de relatar todas as Copas que passo a escrever. Nesse relato pularei muitas derrotas e algumas vitórias das quais não  me lembro de nada marcante para compartilhar. Meu intuito é de que essas recordações possam ativar, nos leitores, suas próprias lembranças.
1950: Tinha quatro anos e não fazia ideia do que estava acontecendo naquele domingo na casa de meus avós portugueses. Toda a família estava na sala em volta de um rádio de válvula que emitia um som cheio de ruídos. Por vezes alguém gritava outras levantavam e rolavam no chão. Eu, em entender nada, me divertia e me distraia com essas manifestações de loucura de meus tios. De repente meu avô desligou o rádio. Todos permaneceram estáticos, um silêncio sepulcral.  Com meus quatro anos senti que algo terrível tinha acontecido. O clima era tão pesado que fui ficando assustado e, com medo, comecei a chorar. Olhei para o meu pai e vi algumas lágrimas no caindo dos seu olhos. Aos poucos todos foram se retirando da sala. Fui até o meu pai,  ele me pegou no colo e me abraçou em silêncio. Dormi e não me lembro de mais nada.
1958: Meus pais foram visitar alguns amigos no Rio de Janeiro. Com doze anos eu já entendia que estava havendo uma Copa do Mundo e que o Brasil estava na final. Desta vez, quando acabou o jogo, meu pai pegou-me novamente no colo. Agora, entretanto, me jogou para cima e dançou comigo na sala dos amigos.
Que sorte a minha estar no Rio de Janeiro naqueles dias. Fomos para a rua esperar a chegada dos jogadores que haviam trazido a primeira copa para o Brasil. Eles chegaram em cima de um caminhão do corpo de bombeiros. Nós gritávamos e pulávamos de alegria. Acompanhamos  os jogadores até o Maracanã. Adivinhem o que aconteceu? Os jogadores vestiram os uniformes e fizeram um jogo demonstração. Lembro-me de que o Pelé jogou no gol e o Gilmar de ponta esquerda. Quem mais me impressionou foi o capitão Belini. Jogou como se disputasse a final da Copa. Um leão em campo. Que sorte! Que humildade e generosidade daqueles jogadores!
Hoje, isso seria impossível com os nossos mercenários.
1962: Plena adolescência... A vida cheia de alegria no Washington Luis. Ano de início de meu namoro com minha querida esposa Rose.
Naqueles tempos eu era fanático por futebol. Depois do show da final fomos para a escola fazer uma pelada de futebol de salão. Aí aconteceu algo que se sucede uma só vez na vida. Fiz uma jogada completamente fora dos padrões de meu futebol mediano.
Passaram-me a bola na saída. Fui levando pela esquerda. Passei um e passei o outro. Acho que o zagueiro era o Diogo Domingues. Quando percebi estava no canto esquerdo da quadra. O goleiro saiu para abafar. Como eu não chutava com o pé esquerdo, bati na bola, de chaleira, com o pé direito. Pasmem! A bola encobriu o goleiro e entrou.... Sorte! Sorte! Sorte! Foi neste instante que ouvi um grito... Amarildo! Amarildo! Era o Ary Dirceu quem eu considerava o melhor jogador de futsal de Mogi.
Caro leitor se você não quiser acreditar, fique a vontade... Nem eu mesmo sei se foi realidade ou um sonho !
1970: Recém casado, pela primeira vez a TV colorida. O Brasil deu um show de bola. Um amigo que esteve no México disse-me que no quarto gol, quando o Pelé segurou a bola e rolou para o Carlos Alberto marcar, ouviu-se no estádio inteiro o grito no rei: Vai com tudo!!!
O lado triste é que foi uma Copa muita explorada pela terrível ditadura militar instalada no país.
1978: Minha esposa mandou tricotar uns agasalhos verde e amarelo para meus filhos. O que me ficou desta copa foi o rosto triste  os olhos lacrimejantes de meu filho que na época tinha sete anos. Talvez porque no dia seguinte foi publicada uma enorme foto no Jornal da Tarde de um menino , muito parecido com o meu filho, que também vestia o uniforme e chorava.
1994: Outra feliz coincidência, eu estava nos Estados Unidos. Estava assistindo uma das partidas da eliminatória num hotel da Philadelfia e estava havendo uma convenção qualquer. Um dos americanos se aproximou e disse : - Quais são as regras desse esporte? Rapidamente eu resumi: - Cada time tem que colocar a bola dentro do gol do adversário. Instintivamente ele começou a torcer do meu lado. Em virtude desse diálogo eu imaginei que a copa nos EUA seira um fracasso... Ledo engano! Em cada rua, em cada posto, nas estradas, as lojas estavam lotadas com artigos da copa. Tinha me esquecido do tino comercial dos americanos. No dia em que fomos campeões vesti a camisa  verde e amarela e, orgulhosamente, desfilei por Nova York. Eu era aplaudido e cumprimentado pelos americanos.
1998: Outra, não tão feliz, coincidência. Não imaginava que o Brasil iria para a final e marquei um voo para o leste europeu com escala em Paris, justamente na hora da final entre o Brasil e a França. O comandante, vez ou outra, anunciava um gola da França e nós pensávamos vamos ganhar de virada. Descemos em Paris no dia seguinte. O aeroporto estava em festa. A primeira imagem que vi foi a da página principal do “Le Monde” com uma foto do Zidane comemorando com um salto e a mão levantada, com a manchete “ La vie en bleu”.
Alguns funcionários do aeroporto tentaram brincar comigo. A eles eu disse: - Nós já ganhamos quatro!
Para que se tenha ideia de como Paris estava em festa louca, sequer pediram nossos passaportes. Voltei do leste Europeu por Portugal. Os portugueses estavam revoltados conosco. Torceram pela seleção brasileira e insinuavam que nós tínhamos entregue o jogo para a França. Como não tinham carimbado nossos passapotes em Paris, quando deixei Portugal, o funcionário da alfândega disse: Ora tu não entrastes na Europa como que estás saindo? Eu sorri e voltei para o Brasil!
2014: Confesso que estou preocupado. O país atravessa uma crise institucional muito grande. As manifestações certamente vão acontecer. Pode ser que a violência empane qualquer possibilidade de brilho. Como brasileiro, entretanto, agora com meu netinho, com os mesmos quatro anos que eu tinha em 1950, espero sinceramente que aquela cena do abraço triste que tive com meu pai não se repita. Espero que eu possa, junto com ele, vestindo a gloriosa camisa verde e amarela, dançar cantar e gargalhar sonhando, quem sabe, com um futuro melhor para este querido Brasil!!!
                                                                          Armando Sérgio da Silva