terça-feira, 1 de dezembro de 2015

RETROSPECTIVA



                         -Em um curso para jovens empreendedores os mestres disseram o seguinte: - “Se vocês quiserem ser empreendedores não assistam televisão. Os jornais só falam de desgraça. Desanimam qualquer pessoa que quer progredir!” Estou até pensando na retrospectiva que vão fazer de 2015. Vai ser um mar de lama, sangue e miséria.
                            Lembrei-me então de um trecho de uma peça que escrevi nos anos 70 chamada “Reportagem Especial”. Anos de ditadura ferrenha quando a função da televisão era justamente alienar as pessoas.
                            Na cena, um dos chefes da emissora de televisão fala sobre o seu ofício:
                            Essa coisa que nós fazemos não é brincadeira é uma sujeira de muita responsabilidade. Isso entra na casa das pessoas. É só você andar de noite nas ruas e você vai ver as janelas todas azuis, somente as janelas, nenhuma pessoa nela. Todos estão olhando para uma janelinha pequena, cerca de vinte e poucas polegadas, que reproduz imagens ininterruptamente. São trinta milhões de pessoas recebendo a mesma informação. E se a janela não está ligada... Ela fica ali na sala, onde a família se reúne... Provocativa... Bonita... Mesmo desligada, ela dialoga com a família. Você não está fazendo nada, e eu também... Pode me ligar. Eu não vou lhe aborrecer. Você vai gostar de ir passear. Vou lhe mostrar somente coisas bonitas... É uma janela privilegiada... O que? O mundo que você deixou no trabalho? Não tem perigo. Esse eu garanto que você não vai ver. Vou lhe mostrar um mundo colorido. Você não irá ao supermercado mais bonito do país... Bebidas, cigarros, dinheiro que rende juros, os automóveis mais bonitos. Depois, virá a novela que vai continuar falando de tudo isso... E os filmes policiais então. Uns tirinhos que você gostaria de dar nos bandidos, afinal eles são a única coisa que perturba o seu sossego, dar socos em marginais, pontapés no estômago de assaltantes, vai cuspir na cara de assassinos e depois... Que felicidade! Vai prender todos numa cela muito escura... É o suficiente para que você durma em paz. Você acabou de prender todos os bandidos... As bebidas, as jóias, os automóveis, as poupanças... Estão tranquilamente seguras nos melhores cofres do país. Mas não durma ainda, temos o jornal que também é uma gracinha. Tudo muito colorido, uns moços e moças muito bonitos mostrando um mundo maravilhoso, para você não perder o sono, o qual, aliás, você tem todo direito... Algumas coisinhas desagradáveis, mas que acontecem longe, muito longe de onde você está... Afinal, você amanhã vai ter algum assunto excitante para comentar no trabalho... Você viu que horrível? E todo mundo vai sorrir pra você... Que rapaz preocupado.
                             Se você estiver com sono pode me desligar. Antes passe no quarto das crianças, veja se o gás está desligado... Se o cachorro está acordado... A porta, não se esqueça das portas duas voltas na chave, o trinco de segurança. Está calor, eu sei mais é bom fechar as janelas... O mundo está no lugar... Você pode dormir o sono dos justos... As luzes azuis maravilhosas das janelas se apagam... O mundo está feio todo cinza e negro, mas você já está dormindo... Ainda bem... Por isso é que eu digo que essa coisa que nós fazemos não é brincadeira. É uma sujeira de muita responsabilidade.  Agora eu pergunto - Qual das janelas é a mais verdadeira? Por aquela que eles olham, ou pelas outras que não são usadas... ... Nós estamos criando... Ou melhor... Já criamos outro mundo ao lado desse. Uma espécie de outra dimensão... A dimensão da nova janela... Então qual dos dois é o real? “Que me desculpem, mas é o meu, o da televisão.”
                          Caro leitor cabe agora uma pergunta irônica para sua reflexão:
                          - Nestes últimos quarenta anos... É a televisão que está diferente?
                            Ou é o mundo que mudou radicalmente?
                                                                       Armando Sérgio da Silva
                                                                                   Verão de 2015



terça-feira, 10 de novembro de 2015

LINDA!



AMOROSO estava sentado e num relance, numa fração de segundo a viu... Linda, maravilhosa, magnífica. Jamais tinha visto um corpo assim, ao mesmo tempo tão longilíneo e tão sinuoso! Ficou completamente apaixonado à primeira vista. Ela estava deitada sobre um tapete aveludado de verde intenso. Completamente relaxada como se quisesse deixar ser vista. Parecia até um pouco despudorada com sua nudez escancarada aos quatro cantos. Indiscutivelmente sentia prazer em se mostrar, como se convidasse a todos a se aproximarem. Não era possível definir sua idade, como se a beleza fosse atemporal. A parte ondulante ficava por conta dos seus seios redondos e fartos. Quando se virava de costas suas coxas roliças e suas nádegas volumosas e não menos redondas se evidenciavam. Suas pernas longilíneas quase que sumiam de seu olhar e faziam com que ele fizesse uma panorâmica para enxergá-las por inteiro. Seus olhos tinham um brilho tão intenso que pareciam dois holofotes cravados no seu rosto.
AMOROSO estava completamente tonto, extasiado com tanta beleza... Escurecia. Ela pegou um véu semitransparente e, aos poucos, cobriu suavemente o seu corpo. AMOROSO, em transe, dormiu sem sair da sua cadeira. Quando raiou o sol ele assustado pensou que ela não estivesse mais ali. Qual nada continuava deitada mostrando-se ainda mais exuberante para ele.
Ventava... Estava tão apaixonado que, talvez por uma ilusão de ótica, a viu chamar-lhe com as mãos. Sem pensar, sem pestanejar começou a caminhar em sua direção. Quanto mais andava parece que mais distante ela ficava... Chegou a ficar com medo de que se tratasse de uma visão. Que estivesse doente. Assim mesmo continuou e continuou... Gritava - Meu amor, meu amor não vá embora!
Seus pedidos foram ouvidos. Ele estava bem perto dela. Tímido esperou daquela beleza algum gesto. Quase chorou de emoção e alegria quando ela suavemente lhe abriu os braços.
Emocionado ele mergulhou naquele corpo maravilhoso. No primeiro contato todos os seus sentiram se aguçaram. Sentiu sua pele macia. Não era seca nem molhada... Tinha uma umidade que facilitava o deslizar de suas mãos. Conforme seus dedos deslizavam ouvia um murmúrio de prazer que vinha dela e que parecia por vezes o correr das águas de um riacho e outras o suave som de uma brisa passando através das folhas de uma árvore. Olhou para a sua cabeça e viu alguns pássaros envolvendo os seus cabelos que ela movimentava como se estivesse seduzindo os animais para que continuassem ao seu lado. Continuou acariciando o seu corpo e ouvindo os seus murmúrios. Excitado ele foi ficando cada vez mais atrevido. Começou a cheirar e lamber cada detalhe daquele monumento. Em cada detalhe sentia o gosto e o cheiro que lembravam flores e frutas do campo. Nos braços morangos silvestres e rosas, nos seios pitangas maduras e jasmim, no ventre amoras maduras e orquídeas, nas coxas pêssegos rosa e cravos. A cada investida ele sentia os murmúrios da beldade aumentarem de volume. Eram tão intensos que ele achou que em volta estavam muitos pássaros e animais ferozes. Abraçado com seu amor via luzes ao longe que se assemelhavam a uma cidade. Resolveu mapear pontos mais recônditos, mais escondidos, daquele corpo. Subiu pelas coxas e procurou sua gruta do amor...  Achou! Era de uma umidade quente e tinha um cheiro de todas as flores de todas as árvores do mundo. Aos poucos sentiu o véu transparente cobrir- lhe o corpo. Não enxergava mais nada... Estava cego de amor...  Não aguentou mais... Sentiu um orgasmo  tão violento que desfaleceu... Desmaiou... A noite caiu profunda e AMOROSO dormiu nos braços daquela beldade inigualável.
O sol bateu-lhe nos olhos. No meio das folhagens apareceu-lhe um rosto. Um lavrador com o rosto queimado e cheio de rugas.
Ainda meio tonto perguntou – Onde eu estou? Quem é essa coisa maravilhosa?
O homem respondeu – O seu moço o senhor não sabe? Essa é a SERRA DO ITAPETY e aquela cidade lá em baixo chama-se Mogi das Cruzes!
AMOROSO pensou consigo mesmo. Não vou contar para ninguém que fiz amor com a SERRA DO ITAPETY... Vão me chamar de louco.
Daquele momento em diante AMOROSO senta-se todos os dias em sua cadeira e fica horas e horas, admirando o seu grande amor.. LINDA!!!
                                                           ARMANDO SÉRGIO DA SILVA
                                                              PRIMAVERA DE 2015

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

WASHINGTON LUIS - JOGO DE FOTOS...



Senhores, todos sessentões, sentados em volta de uma mesa com pano verde. É o dia da semana reservado para a “caxeta”.
Seria um dia comum, entretanto um deles sugeriu que, em vez de cartas, naquele dia jogassem fotos. A tarefa já tinha sido definida na semana anterior. Deveriam buscar nas suas gavetas. Ganharia pontos quem escolhesse as melhores fotografias dos tempos de escola. Todos haviam estudado no Instituto de Educação Dr. Washington Luis.
Cada um, com suas fotos devidamente escondidas sob a mão, iniciaram o jogo.
Foto na mesa. Sala de aula, classe mista, os meninos de terno cáqui e as meninas de saia plissada azul marinho e blusa branca.
Senhor levanta a mão.
- O IEWL transformou minha adolescência em um vendaval de prazeres. Para começar, havia o dificílimo exame de admissão. A tradição confirmava que, dali em diante, podíamos aposentar as calças curtas e usar as compridas. Com terno cáqui, camisa branca e gravata preta, parecíamos pequenos adultos.
 Os professores eram muito rígidos e tradicionais e a filosofia reinante era a do ensino intelectualizado e elitista. O currículo incluía duas línguas vivas (o francês e o inglês) e uma língua morta (o latim).
Foto na mesa. Palco iluminado alunos sentados em carteiras com gestos caricaturais.
Outro senhor mais que depressa... Dessa eu me lembro muito bem.
- "Bolávamos" e executávamos, aos sábados, um espetáculo de variedades (quantas variedades, desde monólogos até números instrumentais), chamado de “Programa Estudantil”. Eu participava da criação, era um dos alunos da “Escolinha de Grupo” e gostava de dublar o Elvis Presley. Ai foi o início do TEM – Teatro Experimental Mogiano que tantas glórias trouxe à cidade.
Foto de um baile no Itapety Clube
Um senhor que se mantivera calado pede a palavra
- Bailinho do Instituto... Ali aconteciam os namoros, tudo ao som dos “The Platers”, do Paul Anka, da Bossa Nova, do Elvis, do Nat King Cole e da Banda Hi-Fi Mogiana. Não sabíamos ainda que no futuro estaríamos quase todos, casados e ainda habitaríamos a nossa cidade.
Uma foto pequena, em preto e branco. Um time de basquetebol muito jovem atrás arquibancadas apinhadas de outros jovens que parecem ovacionar os primeiros.
Um senhor sorrindo...
-Esta foto nem precisa ser comentada afinal nós aqui nos reunimos por mais de vinte anos por causa dessa foto... Somos a Turma do Basket.
Foto enorme, em preto e branco. Vale do Anhangabaú. Os garotos, garbosamente, desfilam vestidos “à La West-Point”. As moças graciosamente desfilam “à lá escocesas”. Elas estão maravilhosas com as pernas de fora... No segundo plano da foto vê-se nitidamente o povo e, no meio do povo, os pais aplaudindo freneticamente seus meninos.
Senhor faz um ligeiro comentário
- Tenho a honra de ter sido um corneteiro da maior fanfarra do Brasil.
Duas fotos uma de uma placa Grêmio Estudantil Ubaldo Pereira a outra dezenas de garotos olham de maneira esperançosa para a câmera. Estão felizes, vejam-se os largos sorrisos...
O mesmo senhor emocionado: - Época sombria, por volta de 1964, a polícia invadia o Washington Luís e retirava alunos de dentro da sala de aula, na frente de seus professores, para levá-los para a cadeia. Época da ditadura. O GEUP é extirpado. Cortam todas as nossas raízes. Cortam a iniciativa e a criatividade de toda uma juventude.  
Tem mais fotos?
Um dos presentes, que estava de pé ao lado da mesa, disse;
- Sim eu tenho mais uma.
Todos – Joga então.
- Antes eu queria fazer meu comentário. O Instituto foi o fato mais importante de nossa juventude. Aliás, foi uma das coisas mais importantes que aconteceram em Mogi das Cruzes. Aí está minha foto.  Um palco com muitos jovens, uma professora e um professor posando para a câmera.
Ninguém levantou a mão.
O senhor que estava de pé – Eu sabia que ninguém ia comentar. Esta foto foi tirada há uns meses atrás. São os atuais alunos do Washington que montaram “A Exceção e a Regra” de Bertolt Brecht. Uma homenagem aos antigos alunos que fundaram o Teatro Experimental Mogiano. Como podem ver continuam sendo professores dedicados e alunos idealistas. Graças a Deus que o Instituto de Educação Dr. Washington Luis continua sendo um dos principais centros de irradiação cultural de Mogi das Cruzes.
O jogo continuou noite adentro. Aqueles senhores, naquela noite, reviveram tempos em que eram independentes, esperançosos e principalmente... Felizes!
                                                                  ARMANDO SERGIO DA SILVA
                                                                                 INVERNO DE 2015

sábado, 8 de agosto de 2015

A PERSONAGEM



A PERSONAGEM
                                                                         
Um dos principais motivos que estão levando as pessoas saírem em manifestações pelas ruas destes pais, acredito estar ligado à história que agora começo a contar:
O despertador toca as sete, em ponto.  No cabide está seu terno, impecável. Veste-se calmamente, senta-se na copa e enquanto saboreia o desjejum, lê as principais manchetes do jornal. A base de sua profissão é a informação. Sai a pé pela rua. Seu salário permitiu que comprasse uma boa casa, tão perto que, em cinco minutos, pode chegar ao trabalho. Enquanto caminha, ele pensa na importância de seu ofício. Passa pela casa do juiz, a do promotor publico. São casas muito semelhantes à sua. Logo após, a casa da professorinha de piano que executa Vila Lobos. Ele sente, através das janelas entreabertas, os olhares de admiração de seus vizinhos. Na quitanda, os proprietários orientais, ao vê-lo, saem à porta e sorridentes o reverenciam. Pensa. Eu sou útil para a minha comunidade. Lembra-se de que no Japão o imperador somente se inclina para os professores... País adiantado.
Chega ao seu local de trabalho. Na sua sala recebe os cumprimentos, respeitosos, de mais ou menos trinta jovens. Conversa tranquilamente com eles sobre a intolerância... Cita o trecho final de Romeu e Julieta... E, muitos outros selecionados, a dedo, durante suas horas e horas de leitura. A plateia da pequena sala se emociona... Todos saem motivados para lerem as indicações e, principalmente, buscando caminhos para evitar a intolerância. Na área externa, antes de sair, ainda ouve os afinados tons de cornetas e o repicar dos tambores...é a fanfarra da escola, a melhor do estado, ensaiando. Depois do almoço, lê atentamente os papéis escritos pelos jovens e anota comentários em cada um deles. São seis da tarde, passa pelo Ginásio de Esportes entulhado de jovens, que torcem pelos seus ídolos do Basquete. Aplaude, com entusiasmo, vencedores e vencidos.  Oito horas... Caminha até o local onde hoje é o Teatro Municipal, para assistir a um debate sobre a História Universal... Tema: “Napoleão Revolucionário ou Contra Revolucionário?”. Alguns dos jovens com os quais havia se encontrado, pela manhã, são brilhantes em suas argumentações. Sente-se orgulhoso. Terminado o debate faz seus comentários e depois vai andando para sua casa. Antes de dormir, lê alguns trechos dos Lusíadas de Camões. Amanhã vai conversar com seus queridos jovens sobre a formação da raça brasileira. Fecha os olhos e dorme tranquilo.
Vocês podem imaginar de quem eu estou falando? Pois é, caros leitores. Falo de meus professores.  Estou falando do perfil de um professor do ensino público deste Brasil há mais cinquenta anos.
Daí me perguntam: Porque a educação anda tão ruim, neste país?
E eu respondo: Porque, aos poucos, ela foi sendo destruída. O penúltimo lugar do mundo no quesito educação, que vergonha! E o principal motivo foi a derrocada de uma personagem que, naqueles tempos, como vocês puderem observar, exercia com dignidade o seu ofício... Porque o professor, sem condições mínimas, não consegue se instruir e preparar, adequadamente, as suas aulas.
Aos poucos, uma profissão que era reverenciada passou a ser pisoteada por aqueles que nortearam os destinos deste país. A tal ponto, que ouvi, certa vez, uma professora dizer que tinha medo de entrar em uma sala de aula. Disse-me um professor que não tinha dinheiro suficiente, para ter um imóvel decente perto de seu trabalho e precisou  mudar para um, barraco na periferia. Hoje um professor deste país, ao andar pela rua, passa despercebido pela comunidade. A tal ponto, que ao solicitar crédito entrega ao vendedor, tremendo de medo, o seu contracheque porque sabe que seu salário não será garantia de quase nada. O professor perdeu seu grande valor, porque neste Brasil, onde as grandes estrelas são os corruptos, PARA APRENDER A ROUBAR... NINGUÉM PRECISA ESTUDAR! Então... VAMOS PARA AS RUAS!                  
ARMANDO SÉRGIO DA SILVA/ Inverno de 2013