-Em um curso para jovens empreendedores os
mestres disseram o seguinte: - “Se vocês quiserem ser empreendedores não
assistam televisão. Os jornais só falam de desgraça. Desanimam qualquer pessoa
que quer progredir!” Estou até pensando na retrospectiva que vão fazer de 2015.
Vai ser um mar de lama, sangue e miséria.
Lembrei-me então de um trecho de uma peça que
escrevi nos anos 70 chamada “Reportagem Especial”. Anos de ditadura ferrenha
quando a função da televisão era justamente alienar as pessoas.
Na
cena, um dos chefes da emissora de televisão fala sobre o seu ofício:
Essa
coisa que nós fazemos não é brincadeira é uma sujeira de muita
responsabilidade. Isso entra na casa das pessoas. É só você andar de noite nas
ruas e você vai ver as janelas todas azuis, somente as janelas, nenhuma pessoa
nela. Todos estão olhando para uma janelinha pequena, cerca de vinte e poucas
polegadas, que reproduz imagens ininterruptamente. São trinta milhões de
pessoas recebendo a mesma informação. E se a janela não está ligada... Ela fica
ali na sala, onde a família se reúne... Provocativa... Bonita... Mesmo
desligada, ela dialoga com a família. Você não está fazendo nada, e eu
também... Pode me ligar. Eu não vou lhe aborrecer. Você vai gostar de ir
passear. Vou lhe mostrar somente coisas bonitas... É uma janela privilegiada...
O que? O mundo que você deixou no trabalho? Não tem perigo. Esse eu garanto que
você não vai ver. Vou lhe mostrar um mundo colorido. Você não irá ao supermercado
mais bonito do país... Bebidas, cigarros, dinheiro que rende juros, os
automóveis mais bonitos. Depois, virá a novela que vai continuar falando de
tudo isso... E os filmes policiais então. Uns tirinhos que você gostaria de dar
nos bandidos, afinal eles são a única coisa que perturba o seu sossego, dar
socos em marginais, pontapés no estômago de assaltantes, vai cuspir na cara de
assassinos e depois... Que felicidade! Vai prender todos numa cela muito
escura... É o suficiente para que você durma em paz. Você acabou de prender
todos os bandidos... As bebidas, as jóias, os automóveis, as poupanças... Estão
tranquilamente seguras nos melhores cofres do país. Mas não durma ainda, temos
o jornal que também é uma gracinha. Tudo muito colorido, uns moços e moças
muito bonitos mostrando um mundo maravilhoso, para você não perder o sono, o
qual, aliás, você tem todo direito... Algumas coisinhas desagradáveis, mas que
acontecem longe, muito longe de onde você está... Afinal, você amanhã vai ter
algum assunto excitante para comentar no trabalho... Você viu que horrível? E
todo mundo vai sorrir pra você... Que rapaz preocupado.
Se você estiver com sono pode me desligar.
Antes passe no quarto das crianças, veja se o gás está desligado... Se o
cachorro está acordado... A porta, não se esqueça das portas duas voltas na
chave, o trinco de segurança. Está calor, eu sei mais é bom fechar as
janelas... O mundo está no lugar... Você pode dormir o sono dos justos... As
luzes azuis maravilhosas das janelas se apagam... O mundo está feio todo cinza
e negro, mas você já está dormindo... Ainda bem... Por isso é que eu digo que essa
coisa que nós fazemos não é brincadeira. É uma sujeira de muita
responsabilidade. Agora eu pergunto -
Qual das janelas é a mais verdadeira? Por aquela que eles olham, ou pelas
outras que não são usadas... ... Nós estamos criando... Ou melhor... Já criamos
outro mundo ao lado desse. Uma espécie de outra dimensão... A dimensão da nova
janela... Então qual dos dois é o real? “Que me desculpem, mas é o meu, o da
televisão.”
Caro
leitor cabe agora uma pergunta irônica para sua reflexão:
-
Nestes últimos quarenta anos... É a televisão que está diferente?
Ou
é o mundo que mudou radicalmente?
Armando
Sérgio da Silva
Verão
de 2015