Abel planejou tudo com muita antecedência e com toda a
precisão. Quando se aposentasse iria morar em Portugal, pelo menos durante a
metade do ano. Com quarenta anos viajou pelo interior do país lusitano. Foi até
uma pequena cidade para conseguir a certidão de nascimento do seu avô. Era
necessário para que ele tirasse a Cidadania Portuguesa. Depois de alguns meses,
através de um imenso trabalho burocrático, conseguiu ser um cidadão português.
Finalmente aposentou-se. Sua esposa já estava aposentada há
algum tempo. Lembrou-se de seu plano.
Alugou, pela internet, um pequeno apartamento mobiliado no centro de
Lisboa e para lá foram. Abel ficou impressionado com a qualidade de vida da
capital lusitana, ainda mais que saía de um Brasil afundado na crise.
Sem terem obrigação nenhuma ele e
sua esposa passeavam todos os dias pela cidade comiam, em geral, num dos
maravilhosos restaurantes do Rocio e voltavam para a calma do pequeno
apartamento. Vida tranquila e sem nenhum sobressalto.
Num belo dia, Abel levantou-se mais cedo. Andou por
toda a Lisboa e finalmente chegou á Torre de Belém.
Ali se sentou em um banco e ficou olhando o mar, de
onde saíram as caravelas de Pedro Álvares Cabral a origem do Brasil e
imediatamente lembrou-se de uma história de sua família contada por seu
pai. A origem de sua existência.
“Madrugada fria no norte de
Portugal”. Uma charrete voa pela estrada conduzida por um jovem português. Pára
em frente a um sobrado. Os cavalos relincham. Uma porta se abre e dela sai uma
maravilhosa donzela coberta com um xale. Sem olhar para os lados ela corre até
a charrete e pula no banco dianteiro ao lado do jovem. Os dois se beijam. Da
janela do segundo andar um velho aparece. Ouve-se o seu grito: - Minha filha
não vá embora! Fique comigo!
O jovem olha bem nos olhos da
linda donzela. Ela sorri toma-lhe o chicote a bate com toda força no dorso do
cavalo. “A charrete voa em direção ao porto.”
Estava frente ao mar das origens
de seu país e de si próprio. De repente começou a sentir certa angústia. Uma
espécie de vazio em seu coração. Tudo o que ele via e ouvia remetia aos seus
amores que estavam muito longe dos seus braços. Um pássaro lembrava sua neta
uma onda seu neto. Quase morria de saudades. Quem olhava para aquele senhor
sentado num banco, quase, chorando silenciosamente sentia pena pela sua
postura. Abel engoliu as lágrimas, repirou fundo e tomou uma decisão... Voltar
ao Brasil... Pensou: - Vou ver se convenço a minha mulher! Rapidamente
levantou-se e correu em direção ao seu pequeno apartamento.
Lá encontrou sua mulher sentada
em uma poltrona. Um pouco inseguro confessou-lhe. – Estou pensando em voltar.
A mulher sorriu e lhe disse: Veja
a surpresa que eu lhe preparei. Abriu as portas do guarda-roupa e ali estavam
todas as malas arrumadas... Aquilo foi como o chicote de sua avó. Tomou-a nos braços, beijou-lhe ternamente. Os
dois voaram em direção ao aeroporto. No avião ficaram de mãos dadas o tempo
todo. Ele disse - Chegando lá vamos chamar um taxi.
Ela (sorrindo) – Enquanto você comprava
as passagens, liguei para o Brasil. Todos nossos filhos e netos vão nos esperar
no aeroporto.
Ficou impressionado com a
competência de sua esposa querida.
Na saída já ouviram os gritinhos
dos netos: - Vovó... Vovô...
As netas maiores já vieram beijar
e, de tão grandes, quase os pegaram no colo. Os filhos os abraçaram
calorosamente. Os netos vieram correndo para um abraço apertadíssimo. Uma das
netas, de um ano, para surpresa, veio andando na direção deles. Nunca a tinham
visto andar. A mais nova, que antes não os reconhecia, do colo da mãe, deu um
enorme sorriso. Aos poucos foram formando uma cena maravilhosa... Todos os
filhos, genros e noras os abraçando. Foi dando um calor no coração dos avós.
Uma confusa felicidade. Uma alegria extasiante. Os dois eram, novamente,
amados. Ele e sua mulher, de repente, começaram a chorar de alegria. Pensaram
em não largar mais os descendentes de seus colos e braços. Era uma foto
maravilhosa de uma felicidade encontrada.
No dia seguinte foi ao clube e
sentou-se com seus amigos. Todos o abraçaram e disseram ter tido saudades da
sua ausência.
Perguntaram: - E daí como foi?
De pronto ele respondeu: - O melhor lugar do mundo fica onde estão
seus familiares, seus amigos!
Tomara que tenham aprendido essa
óbvia lição!
Armando Sérgio da Silva
Outono de 2016