Quando a editoria da revista “Cidade Viva” comunicou-me de
que o assunto principal desta tiragem seria copa do Mundo fiquei um tanto
apreensivo. Atualmente não ando muito ligado em futebol. Os jogadores, em
geral, são mercenários, transformaram-se em super atletas, quase que,
científicamente construídos e a violência das torcidas empanam, via de regra,
os espetáculos.
Resolvi, então, escrever sobre as minhas, muito minhas
recordações sobre alguns finais de Copa, quando aconteceram alguns fatos
marcantes na minha vida. Tive a sorte, durante a minha vida, de c presenciar
cinco campeonatos mundiais vencidos pelo Brasil. Entretanto também vivi
vários momentos de decepção. É sobre
esses dias , sem qualquer tentativa de relatar todas as Copas que passo a escrever.
Nesse relato pularei muitas derrotas e algumas vitórias das quais não me lembro de nada marcante para compartilhar.
Meu intuito é de que essas recordações possam ativar, nos leitores, suas
próprias lembranças.
1950: Tinha quatro anos e não fazia ideia do que estava acontecendo
naquele domingo na casa de meus avós portugueses. Toda a família estava na sala
em volta de um rádio de válvula que emitia um som cheio de ruídos. Por vezes
alguém gritava outras levantavam e rolavam no chão. Eu, em entender nada, me
divertia e me distraia com essas manifestações de loucura de meus tios. De
repente meu avô desligou o rádio. Todos permaneceram estáticos, um silêncio
sepulcral. Com meus quatro anos senti
que algo terrível tinha acontecido. O clima era tão pesado que fui ficando
assustado e, com medo, comecei a chorar. Olhei para o meu pai e vi algumas
lágrimas no caindo dos seu olhos. Aos poucos todos foram se retirando da sala.
Fui até o meu pai, ele me pegou no colo
e me abraçou em silêncio. Dormi e não me lembro de mais nada.
1958: Meus pais foram visitar alguns amigos no Rio de
Janeiro. Com doze anos eu já entendia que estava havendo uma Copa do Mundo e
que o Brasil estava na final. Desta vez, quando acabou o jogo, meu pai pegou-me
novamente no colo. Agora, entretanto, me jogou para cima e dançou comigo na
sala dos amigos.
Que sorte a minha estar no Rio de Janeiro naqueles dias.
Fomos para a rua esperar a chegada dos jogadores que haviam trazido a primeira
copa para o Brasil. Eles chegaram em cima de um caminhão do corpo de bombeiros.
Nós gritávamos e pulávamos de alegria. Acompanhamos os jogadores até o Maracanã. Adivinhem o que
aconteceu? Os jogadores vestiram os uniformes e fizeram um jogo demonstração.
Lembro-me de que o Pelé jogou no gol e o Gilmar de ponta esquerda. Quem mais me
impressionou foi o capitão Belini. Jogou como se disputasse a final da Copa. Um
leão em campo. Que sorte! Que humildade e generosidade daqueles jogadores!
Hoje, isso seria impossível com os nossos mercenários.
1962: Plena adolescência... A vida cheia de alegria no
Washington Luis. Ano de início de meu namoro com minha querida esposa Rose.
Naqueles tempos eu era fanático por futebol. Depois do show
da final fomos para a escola fazer uma pelada de futebol de salão. Aí aconteceu
algo que se sucede uma só vez na vida. Fiz uma jogada completamente fora dos
padrões de meu futebol mediano.
Passaram-me a bola na saída. Fui levando pela esquerda.
Passei um e passei o outro. Acho que o zagueiro era o Diogo Domingues. Quando
percebi estava no canto esquerdo da quadra. O goleiro saiu para abafar. Como eu
não chutava com o pé esquerdo, bati na bola, de chaleira, com o pé direito.
Pasmem! A bola encobriu o goleiro e entrou.... Sorte! Sorte! Sorte! Foi neste
instante que ouvi um grito... Amarildo! Amarildo! Era o Ary Dirceu quem eu
considerava o melhor jogador de futsal de Mogi.
Caro leitor se você não quiser acreditar, fique a vontade...
Nem eu mesmo sei se foi realidade ou um sonho !
1970: Recém casado, pela primeira vez a TV colorida. O
Brasil deu um show de bola. Um amigo que esteve no México disse-me que no
quarto gol, quando o Pelé segurou a bola e rolou para o Carlos Alberto marcar,
ouviu-se no estádio inteiro o grito no rei: Vai com tudo!!!
O lado triste é que foi uma Copa muita explorada pela
terrível ditadura militar instalada no país.
1978: Minha esposa mandou tricotar uns agasalhos verde e
amarelo para meus filhos. O que me ficou desta copa foi o rosto triste os olhos lacrimejantes de meu filho que na
época tinha sete anos. Talvez porque no dia seguinte foi publicada uma enorme
foto no Jornal da Tarde de um menino , muito parecido com o meu filho, que
também vestia o uniforme e chorava.
1994: Outra feliz coincidência, eu estava nos Estados
Unidos. Estava assistindo uma das partidas da eliminatória num hotel da
Philadelfia e estava havendo uma convenção qualquer. Um dos americanos se
aproximou e disse : - Quais são as regras desse esporte? Rapidamente eu resumi:
- Cada time tem que colocar a bola dentro do gol do adversário. Instintivamente
ele começou a torcer do meu lado. Em virtude desse diálogo eu imaginei que a
copa nos EUA seira um fracasso... Ledo engano! Em cada rua, em cada posto, nas
estradas, as lojas estavam lotadas com artigos da copa. Tinha me esquecido do
tino comercial dos americanos. No dia em que fomos campeões vesti a camisa verde e amarela e, orgulhosamente, desfilei
por Nova York. Eu era aplaudido e cumprimentado pelos americanos.
1998: Outra, não tão feliz, coincidência. Não imaginava que
o Brasil iria para a final e marquei um voo para o leste europeu com escala em
Paris, justamente na hora da final entre o Brasil e a França. O comandante, vez
ou outra, anunciava um gola da França e nós pensávamos vamos ganhar de virada.
Descemos em Paris no dia seguinte. O aeroporto estava em festa. A primeira
imagem que vi foi a da página principal do “Le Monde” com uma foto do Zidane
comemorando com um salto e a mão levantada, com a manchete “ La vie en bleu”.
Alguns funcionários do aeroporto tentaram brincar comigo. A
eles eu disse: - Nós já ganhamos quatro!
Para que se tenha ideia de como Paris estava em festa louca,
sequer pediram nossos passaportes. Voltei do leste Europeu por Portugal. Os
portugueses estavam revoltados conosco. Torceram pela seleção brasileira e
insinuavam que nós tínhamos entregue o jogo para a França. Como não tinham
carimbado nossos passapotes em Paris, quando deixei Portugal, o funcionário da
alfândega disse: Ora tu não entrastes na Europa como que estás saindo? Eu sorri
e voltei para o Brasil!
2014: Confesso que estou preocupado. O país atravessa uma
crise institucional muito grande. As manifestações certamente vão acontecer.
Pode ser que a violência empane qualquer possibilidade de brilho. Como
brasileiro, entretanto, agora com meu netinho, com os mesmos quatro anos que eu
tinha em 1950, espero sinceramente que aquela cena do abraço triste que tive
com meu pai não se repita. Espero que eu possa, junto com ele, vestindo a
gloriosa camisa verde e amarela, dançar cantar e gargalhar sonhando, quem sabe,
com um futuro melhor para este querido Brasil!!!
Armando
Sérgio da Silva
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