sábado, 8 de agosto de 2015

A PERSONAGEM



A PERSONAGEM
                                                                         
Um dos principais motivos que estão levando as pessoas saírem em manifestações pelas ruas destes pais, acredito estar ligado à história que agora começo a contar:
O despertador toca as sete, em ponto.  No cabide está seu terno, impecável. Veste-se calmamente, senta-se na copa e enquanto saboreia o desjejum, lê as principais manchetes do jornal. A base de sua profissão é a informação. Sai a pé pela rua. Seu salário permitiu que comprasse uma boa casa, tão perto que, em cinco minutos, pode chegar ao trabalho. Enquanto caminha, ele pensa na importância de seu ofício. Passa pela casa do juiz, a do promotor publico. São casas muito semelhantes à sua. Logo após, a casa da professorinha de piano que executa Vila Lobos. Ele sente, através das janelas entreabertas, os olhares de admiração de seus vizinhos. Na quitanda, os proprietários orientais, ao vê-lo, saem à porta e sorridentes o reverenciam. Pensa. Eu sou útil para a minha comunidade. Lembra-se de que no Japão o imperador somente se inclina para os professores... País adiantado.
Chega ao seu local de trabalho. Na sua sala recebe os cumprimentos, respeitosos, de mais ou menos trinta jovens. Conversa tranquilamente com eles sobre a intolerância... Cita o trecho final de Romeu e Julieta... E, muitos outros selecionados, a dedo, durante suas horas e horas de leitura. A plateia da pequena sala se emociona... Todos saem motivados para lerem as indicações e, principalmente, buscando caminhos para evitar a intolerância. Na área externa, antes de sair, ainda ouve os afinados tons de cornetas e o repicar dos tambores...é a fanfarra da escola, a melhor do estado, ensaiando. Depois do almoço, lê atentamente os papéis escritos pelos jovens e anota comentários em cada um deles. São seis da tarde, passa pelo Ginásio de Esportes entulhado de jovens, que torcem pelos seus ídolos do Basquete. Aplaude, com entusiasmo, vencedores e vencidos.  Oito horas... Caminha até o local onde hoje é o Teatro Municipal, para assistir a um debate sobre a História Universal... Tema: “Napoleão Revolucionário ou Contra Revolucionário?”. Alguns dos jovens com os quais havia se encontrado, pela manhã, são brilhantes em suas argumentações. Sente-se orgulhoso. Terminado o debate faz seus comentários e depois vai andando para sua casa. Antes de dormir, lê alguns trechos dos Lusíadas de Camões. Amanhã vai conversar com seus queridos jovens sobre a formação da raça brasileira. Fecha os olhos e dorme tranquilo.
Vocês podem imaginar de quem eu estou falando? Pois é, caros leitores. Falo de meus professores.  Estou falando do perfil de um professor do ensino público deste Brasil há mais cinquenta anos.
Daí me perguntam: Porque a educação anda tão ruim, neste país?
E eu respondo: Porque, aos poucos, ela foi sendo destruída. O penúltimo lugar do mundo no quesito educação, que vergonha! E o principal motivo foi a derrocada de uma personagem que, naqueles tempos, como vocês puderem observar, exercia com dignidade o seu ofício... Porque o professor, sem condições mínimas, não consegue se instruir e preparar, adequadamente, as suas aulas.
Aos poucos, uma profissão que era reverenciada passou a ser pisoteada por aqueles que nortearam os destinos deste país. A tal ponto, que ouvi, certa vez, uma professora dizer que tinha medo de entrar em uma sala de aula. Disse-me um professor que não tinha dinheiro suficiente, para ter um imóvel decente perto de seu trabalho e precisou  mudar para um, barraco na periferia. Hoje um professor deste país, ao andar pela rua, passa despercebido pela comunidade. A tal ponto, que ao solicitar crédito entrega ao vendedor, tremendo de medo, o seu contracheque porque sabe que seu salário não será garantia de quase nada. O professor perdeu seu grande valor, porque neste Brasil, onde as grandes estrelas são os corruptos, PARA APRENDER A ROUBAR... NINGUÉM PRECISA ESTUDAR! Então... VAMOS PARA AS RUAS!                  
ARMANDO SÉRGIO DA SILVA/ Inverno de 2013
                                                                      
                                                          

                                                          



TUDO COMEÇOU COM O T.E.M.



TUDO COMEÇOU COM O T.E.M.
O Teatro Experimental Mogiano (TEM) comemora os seus 50 anos. Escrevo esta crônica como tributo a este grupo que me deu a oportunidade de ganhar o Prêmio Governador do Estado com a direção de “A Exceção e a Regra”. Tal prêmio consistiu em bolsa de estudos para estudar teatro na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Estou lá até hoje onde sou professor titular de Interpretação Teatral.  Descrevo para o caro leitor o meu dia a dia em sala de aula onde atuo desde os anos 70.
 “Alguns jovens, em silêncio, preparam-se para uma espécie de aventura... Criar personagens. Eu os observo em seus rituais de aquecimento físico e também me aqueço, aqueço o meu coração, a minha vocação.
Logo me sinto em casa. Espero, respeitosamente, terminarem o seu ritual, que não é somente físico, mas, principalmente espiritual e que consiste em abrir-se para um encontro com a magia, com os sonhos, com as fantasias, com o que há de mais universal nos seres humanos.
                        Terminado o ritual nós nos olhamos frente a frente e iniciamos uma aventura indescritível para quem não a vive. Ela compromete e absorve a nossa carne, nossos ossos, nossa alma. Juntamos toda a coragem que possuímos e mergulhamos decididos. Uma vez iniciado o percurso, a trilha nos encaminha para que olhemos para nós mesmos. Outras vezes temos que olhar, ostensivamente, para fora, para o mundo que nos rodeia. Nesse ir e vir, muito trabalho, muita diversão e, principalmente, muita união, unha e carne.
                        Aos poucos e invariavelmente, como em qualquer lugar de intenso trabalho, ficam pelo chão e chegam até a voar por toda a “oficina” algo, que na falta de melhor nome, chamamos de “aparas”. No fundo elas são bonitas e fazem nos acostumarmos com essa espécie de confusão. Chega um momento, entretanto, que são tantas que somos obrigados a permitir que sejam dali retiradas. Não temos outra saída. Nosso ofício exige escolhas cruéis. Elas, entretanto não saem da nossa memória, maravilhosas que foram. São nossas. Ninguém jamais as viu, ouviu, provou ou tocou somente nós... Em nós mesmos.
                        Debaixo das aparas, entretanto, começam a aparecer, difusamente, alguns esboços, alguns desenhos. Aos poucos, começam a se materializar em três dimensões... Espécie de fantasmas... Esquisitos ainda com restos de aparas penduradas.
                        Às vezes e, nesta época, sempre tenho que abandonar a “oficina”, porque invariavelmente, quando essas “personas” começam a aparecer, tenho que estar presente e ausente ao mesmo tempo. De fora, começo a perceber alguma beleza nelas, quando o vento consegue esvoaçar seus véus.
                        É incrível a magia dessa aventura, e ao cabo de um bom tempo, quando estou de novo dentro da “oficina”... pasmem... Como num toque de mágica, esses “seres” desaparecem, evaporam –se, escafedem –se... como demônios. Estremeço quando percebo que meus alunos também não estão mais ali... Quero dizer, estão, mas eu não os reconheço... é um pouco confuso...
                        Mais uma vez, num passe de mágica... As luzes se acendem. A ‘oficina’ lotada de pessoas. Entram alguns jovens, fantasiados, pintados mascarados. Habilidosamente começam a nos entreter... Aos poucos, quando as luzes ficam mais fortes, por detrás das máscaras, das tintas, dos véus, começo a perceber os sinais evidentes da identidade dos mascarados... Graças a Deus, são eles mesmos, meus alunos, cheios de vida e humanidade. Não são somente desenhos e manequins, como suponha.
Então, como no primeiro dia que os encontrei, quando cheguei na “oficina”... eu espero, junto com o público, respeitosamente. Participando, também, daquele ritual, me abro para um encontro com a magia, com os sonhos, com as fantasias, com o que há de mais universal nos seres humanos. No final, me sinto mais pleno, mais humano e, por isso mesmo, me emociono e, sem perceber, minhas mãos começam a bater, fortemente, uma na outra.
                        Eis o que acontece, na nossa pequena “oficina”, por mim pretensiosamente chamada de “Oficina da Essência”. 1
                                               Armando Sérgio da Silva
                                                  Primavera de 2014
1.      Transcrição das “Considerações Finais” de minha Tese de Livre-Docência.

AS MÁSCARAS



AS MÁSCARAS

          Quem diria? Estamos em pleno mar selvagem. Porque quem pensa que o que importa é o importante está fadado a se dar mal. A verdade é que ninguém conhece mais ninguém e se aparecer alguém de verdade, alguém tremerá de medo do outro lado. As personagens que todos gostam estão aí, nos shoppings, nos filmes americanos de ação, nas telenovelas, nas propagandas...Outro problema daqueles que fracassam é a mania de inventar personagens e máscaras. Então, o rio de dinheiro, que se gasta atualmente nas pesquisas de opinião pública afim de que nasçam personagens interessantes, capazes de satisfazer o sonho de qualquer ser humano, deve ser desprezado? Os heróis atuais não têm mais nada de introspectivos, ou de profundidade psicológica. São pessoas que não pensam e falam muito pouco, mas agem através de movimentos rápidos e certeiros. Pensar, na verdade, atrapalha a ação. A personagem moderna é capaz de, numa fração de segundo, arrancar os olhos e decepar um braço do desafeto, enquanto tem relações sexuais com três louras, duas morenas e uma ruiva. O cinema americano de grande bilheteria disse isto e se ele disse, ele disse e pronto. Vejam as filas, os rostos das crianças e dos adultos, as fantasias dentro das lojas, as bocas comendo carne e queijo derretido dentro dos Mac Donalds sempre lotados, o mundo criado a custa de muito dinheiro. Se o capital disse, disse e pronto.
Pulando de gato para cachorro estou agora me lembrando das campanhas eleitorais para presidente da república de 1989, a primeira direta após a ditadura militar. As equipes de comunicação criaram as personagens, porque sabiam que, principalmente na TV, tudo teria que se transformar em um show de máscaras e de representações exemplares. Alguns amigos meus tentavam descobrir qual seria o melhor presidente para o nosso país. Eu lhes disse: - Bobagem,  boa ou má vai ganhar a personagem, cujo ator tiver o melhor desempenho teatral. Dito e feito, aos poucos as máscaras foram desfilando pela tela, Um deles tentou criar a máscara do esquecimento, daquele que sofre de amnésia. Mudou os óculos, passou gumex no cabelo, virou garoto propaganda, mudou o tom do discurso enfim, ficou mais “clean”. (Paulo Maluf). Poderíamos chamar sua personagem de “o ingênuo”. Outro criou a máscara do professor, sempre com conceitos muito bem articulados e coerentes. Como todo mestre parecia saber mais do que todo mundo, o que o levou várias vezes a posar com certo cinismo de conhecimento (Mario Covas). Ah, quase me esquecia de um outro tipo “cantor de tango” que, num grande momento, chorou.(Brizola). Esqueceram-se também de que o público não está afim de qualquer melodrama. Enfim, todos acabaram ficando por ali mesmo. Talvez a grande surpresa foi o conteúdo irreverente de um personagem que apenas disse o seu nome.(Meu nome  é Enéas).

          Para o segundo turno foram os melhores atores e as personagens mais dramáticas. De um lado o herói popular, que veio de baixo, o comprometido com a ralé até os ossos, a força salvadora que perdeu dedos na máquina que o explorou, um digno representante do sofrimento do todo um povo explorado. Um forte candidato, um ator com o físico ideal para o papel e com uma fala muito parecida com a do povo. Quase ganhou. Perdeu por pouco. Ganhou quem? Ganhou o óbvio. O alto, o forte, o que usa gravatas caras e bebe as mais finas bebidas. Aquele que é capaz de lutar karatê no Japão, de jogar futebol na Itália e de fazer Cooper na Alemanha. Aquele que num dia de chuva abriu a camisa e gritou para as montanhas – Me mate se tiver coragem! Ganhou aquele que teve o gesto do punho fechado fortemente para os céus. Aquele que disse eu faço, eu farei, e sempre farei. Aquele que começava o seu horário copiando o início dos filmes do super-homem. O caçador de marajás, segundo os brasileiros e o caçador das esmeraldas segundo o presidente dos U.S.A. Ganhou aquele que entendeu a mensagem do Spielberg. Ganhou o herói que nós na verdade não somos, mas sonhamos ser. Ganhou o Rock, misturado com o Indiana Jones e o Rambo. Ganhou o óbvio, ganhou o representante daqueles que manipularam os nossos sonhos, ganhou o melhor ator e... Que Deus nos ajude! O resto... Bem o resto todo mundo já sabe. Na medida em que exerceu a presidência sua personagem foi enfraquecendo e de herói passou a ser um humilde vilão deposto pelo congresso. De Batman virou Coringa!
                                                 Armando Sérgio da Silva
                                                           Outono de 2014






O que será... que sera?



O que será... que sera?
Daqui a alguns anos...São exatamente 8 horas. Julius dorme profundamente. Sua cama eletrônica marca exatamente 26 graus . É a temperatura ideal pesquisada pela  fisioterapeuta para o seu melhor sono. O colchão inicia um leve movimento  de ondulação que massageia suavemente seu corpo.
Ligeiramente Julius abre os olhos e um aroma de café invade seu quarto.
Coloca o celular na palma da mão e, no teto, vê  projetada a imagem com todas as informações sobre o seu físico. Leva um susto quando ve um ponto vermelho marcado no seu intestino. Depois de uns 30 segundos toca o seu celular sem mexer no aparelho ele diz- Alô? Voz no celular –Caro senhor Julius! Aqui é da Médica Plano de Saúde. O seu gastroclínico já foi contatado. Pediu para você colocar o celular sobre a barriga. Juliu, mais do que depressa, obedece.Quinze segundos. Voz no celular - Pronto resolvido. Acabamos de remover  um pólipo do seu intestino.  Já foi examinado e é benigno. Tenha um bom dia amanhã nos encontramos para um ovo exame. Julius saudável sorri e aperta um botão. Uma porta se abre. Entra deslizando  pelo seu quarto uma mesinha cheia de guloseimas. É  o seu café da manhã testado junto aos grandes nutricionistas e "maitres " famosos. Isso vai se repetir no almoço e na mesa de jantar. Um  cardápio, variado e delicioso, preparado pela Central de Alimentação que ele  havia contratado alguns anos atrás.
Levanta se e vai ao banheiro.
Senta se numa banqueta e, aos poucos, a água. deliciosamente morna. envolve o corpo. Uma esponja suave o ensaboa  e novamente a água morna volta a envolver seu corpo. Depois  uma toalha felpuda o enxuga  completamente.
Coloca uma roupa esportiva e vai    a sua sala particular de ginástica que a Central de Fisioterapia havia programado. Entra em alguns boxes e em cada um, sem forçar demais a musculatura, faz um bom tempo de exercícios variados que vão continuar a lhe dar a exata proporção de peso. altura. massa muscular etc.
Se o espaço de trabalho é ao lado. Uma sala climatizada com um telão enorme. Julius é um pesquisador professor. Todos os dias das 10 às 13 horas seus alunos aparecem no telão e da sua sala de trabalho, ele os orienta em suas pesquisas e em seus trabalhos acadêmicos.
Na hora do almoço a central de Alimentação envia novamente os mais gostosos alimentos que Julius saboreia com grande prazer.
À  tarde pega o seu kit, construído pela Agência Central de Turismo e prepara - se  para viajar. O kit é composto por um capacete e uma capa que lhe cobre todo o corpo. Todos os seus sentidos serão estimulados pelo apetrecho. 
No visor do capacete aparece, praticamente em 360 graus, um mapa mundi. Julius olha para a França. depois escolhe Paris. Imediatamente aparecem todos os pontos turísticos de Paris. Escolhe o rio Sena e, imediatamente, ele passeia pelas margens do rio. Chega sentir até o friozinho do mês de novembro. 
Enxerga perfeitamente os parisienses passando ao seu lado. A máquina é tão perfeita que ele consegue sentir o cheiro dos quitutes preparados nas barracas. Assim Julius passa a tarde toda vivendo em Paris.Vai aos museus ao “Bateau Mouche” etc.
A noite no seu quarto, após assistir a um filme, conversa.  virtualmente. com  sua namorada,  também virtual, chamada  Adele.
Agora ele usa a roupa e o capacete do amor . Ela o acaricia e ele a beija ternamente. Julius, como um sorriso nos lábios, adormeci profundamente.
Caro leitor escrevo esta crônica solitário no quarto de um hospital onde aguardo um  procedimento na coluna. Logo eu que sou "colunista" nesta revista (risos).
De tanto ver as pessoas navegarem pelo mundo virtual imaginei como seria a vida em um futuro próximo. Eu me pergunto -Será que vale a pena essa felicidade solitária , esse mundo aparentemente perfeito? Cuidado caros leitores! Olhem à sua volta e notem que eu não estou falando de um futuro longínquo!
                Armando Sérgio da Silva 
                Verão escaldante de 2015