sábado, 8 de agosto de 2015

Meu primeiro e honroso emprego.



Meu primeiro e honroso emprego.

Muito se fala sobre a crise do ensino que assola hoje o país. Neste momento os professores de vários estados estão em greve. Em Mogi das Cruzes sempre foi muito comentada a qualidade e a importância do ensino do Instituto de Educação Dr. Washington Luis. Era o centro de irradiação cultural e esportivo da cidade. Pouco se falou, entretanto da importância de outra escola nos idos de sessenta e setenta. Penso que está na hora de creditarmos a esse educandário seu mérito. Hoje mudou de nome... Chama-se ETEC Presidente Vargas e continua com um ensino de excelência, agora voltado para uma grande meta profissionalizante.
Forma técnicos em mais de uma dezena de especialidades, desde Administração, passando por Design de Interiores, Mecatrônica, Nutrição e Dietética etc.
Referimo-nos, entretanto, sobre o seu início, da época em que se chamava Escola Industrial ou Ginásio Industrial Presidente Vargas. Lá foi o local do meu primeiro emprego como profissional de Teatro. Eu nem bem havia me formado na ECA/USP quando o Seu Antonio Godoy, diretor naquela época, convidou-me para lecionar Arte Dramática para os alunos da quinta série. Lembro-me que o fato foi nomeado como “vanguardíssimo”, visto que em nenhuma escola da região havia tal disciplina. De minha parte eu comecei meio inseguro, visto que só havia dirigido atores amadores adultos, mas aos poucos fui aprendendo a me divertir com a garotada de 11 anos.
 Depois de uns dois anos, comecei a perceber que ali existiam condições para a formação de um grupo de teatro estudantil. Com vinte e dois anos e, por isso mesmo, com muita vontade fundei o TEGI (Teatro Estudantil do Ginásio Industrial) que, aos poucos, foi agregando os principais “talentos” da escola. Sem ganhar nenhum tostão a mais, comecei ensaiar os meninos aos sábados durante a tarde e aos domingos de manhã.
Tínhamos um Grupo de Jogral do qual recebi emocionante homenagem quando nasceu o meu primeiro filho, Leandro. Os meninos fizeram uma apresentação que no final possuía o seguinte refrão: “Já é papai... Já é papai”.
            Aquilata-se a importância do TEGI, na medida em que havia, naquela época em Mogi das Cruzes, com atuação regular, praticamente o nosso grupo e o tradicional TEM (Teatro Experimental Mogiano).
     Eu sempre fui adepto da teoria que entende a educação como desafio para enfrentar questões complexas. Com um grupo de adolescentes que não chegavam aos 14 anos fizemos o seguinte repertório:
·        “Pluft o Fantasminha” de Oscar Von Pful (1968)
·        “Somos Todos do Jardim da Infância”, de Domingos de Oliveira (1969).
·        “O Santo Milagroso”, de Lauro Cesar Muniz (1969).
·        “Conferência Ilustrada”, de Eurípides a Ionesco, um espetáculo didático-cultural (1970).
·        “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna (1971).
·        “As Casadas Solteiras”, de Martins Pena (1972).
      Para se ter idéia da complexidade e profundidade do trabalho dos meninos adolescentes o espetáculo “Conferência Ilustrada” compunha-se de trechos dos seguintes autores: Ésquilo, Eurípedes, Plauto, Gil Vicente, Shakespeare, Molière, Strindberg, Garcia Lorca, Brecht e Ionesco. Como se isso não bastasse, antes de cada cena havia uma explicação sobre os autores encenados.
       Além de tudo havia um ambiente muito favorável na escola. Ao lado desse ensino que vamos chamar de fundamental havia a Grande Oficina que ocupava toda a área onde hoje funciona um supermercado. Ali os alunos estudavam elétrica, mecânica, objetos de madeira etc. As meninas faziam cursos de culinária. Professores, funcionários e alunos conviviam num clima de muita seriedade e festa de conhecimento. Não vou citar nenhum nome porque certamente cometeria grandes injustiças por terem sido tantos os meus amigos, colegas e alunos que me enriqueceram sobremaneira. Atualmente quando encontro pessoas que lá estudaram só ouço elogios. Palavras de intensa saudade. Foi dos melhores momentos profissionais de minha vida.
Hoje aqueles adolescentes são meus amigos. Pelo menos dois ou três deles fizeram a Escola de Arte Dramática de São Paulo. Hoje são respeitados jornalistas, artistas plásticos, engenheiros médicos e advogados de alto nível etc. O mais importante, todos foram muito bem formados. São cidadãos honrados e honestos que engrandecem, com as suas vidas, o mundo em que nós convivemos. Posso dizer, sem dúvidas, que o Ginásio Industrial Presidente Vargas foi um exemplo, que precisaria ser melhor estudado sobre a qualidade do ensino publico no Brasil.
Saudades de todos e um abraço de...
                                                                             Armando Sérgio da Silva
(Atualmente Professor Titular de Interpretação Teatral, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo)
                                                                


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