Meu
primeiro e honroso emprego.
Muito
se fala sobre a crise do ensino que assola hoje o país. Neste momento os
professores de vários estados estão em greve. Em Mogi das Cruzes sempre foi
muito comentada a qualidade e a importância do ensino do Instituto de Educação
Dr. Washington Luis. Era o centro de irradiação cultural e esportivo da cidade.
Pouco se falou, entretanto da importância de outra escola nos idos de sessenta
e setenta. Penso que está na hora de creditarmos a esse educandário seu mérito.
Hoje mudou de nome... Chama-se ETEC Presidente Vargas e continua com um ensino
de excelência, agora voltado para uma grande meta profissionalizante.
Forma técnicos em
mais de uma dezena de especialidades, desde Administração, passando por Design
de Interiores, Mecatrônica, Nutrição e Dietética etc.
Referimo-nos,
entretanto, sobre o seu início, da época em que se chamava Escola Industrial ou
Ginásio Industrial Presidente Vargas. Lá foi o local do meu primeiro emprego
como profissional de Teatro. Eu nem bem havia me formado na ECA/USP quando o
Seu Antonio Godoy, diretor naquela época, convidou-me para lecionar Arte
Dramática para os alunos da quinta série. Lembro-me que o fato foi nomeado como
“vanguardíssimo”, visto que em nenhuma escola da região havia tal disciplina.
De minha parte eu comecei meio inseguro, visto que só havia dirigido atores
amadores adultos, mas aos poucos fui aprendendo a me divertir com a garotada de
11 anos.
Depois
de uns dois anos, comecei a perceber que ali existiam condições para a formação
de um grupo de teatro estudantil. Com vinte e dois anos e, por isso mesmo, com
muita vontade fundei o TEGI (Teatro Estudantil do Ginásio Industrial) que, aos
poucos, foi agregando os principais “talentos” da escola. Sem ganhar nenhum
tostão a mais, comecei ensaiar os meninos aos sábados durante a tarde e aos
domingos de manhã.
Tínhamos um Grupo de Jogral do qual recebi
emocionante homenagem quando nasceu o meu primeiro filho, Leandro. Os meninos
fizeram uma apresentação que no final possuía o seguinte refrão: “Já é papai...
Já é papai”.
Aquilata-se a importância do TEGI,
na medida em que havia, naquela época em Mogi das Cruzes, com atuação regular,
praticamente o nosso grupo e o tradicional TEM (Teatro Experimental Mogiano).
Eu
sempre fui adepto da teoria que entende a educação como desafio para enfrentar
questões complexas. Com um grupo de adolescentes que não chegavam aos 14 anos fizemos
o seguinte repertório:
·
“Pluft o Fantasminha” de Oscar Von Pful
(1968)
·
“Somos Todos do
Jardim da Infância”,
de Domingos de Oliveira (1969).
·
“O Santo Milagroso”, de Lauro Cesar
Muniz (1969).
·
“Conferência
Ilustrada”,
de Eurípides a Ionesco, um espetáculo didático-cultural (1970).
·
“O Auto da
Compadecida”,
de Ariano Suassuna (1971).
·
“As Casadas
Solteiras”,
de Martins Pena (1972).
Para se ter idéia da complexidade e
profundidade do trabalho dos meninos adolescentes o espetáculo “Conferência
Ilustrada” compunha-se de trechos dos seguintes autores: Ésquilo, Eurípedes,
Plauto, Gil Vicente, Shakespeare, Molière, Strindberg, Garcia Lorca, Brecht e
Ionesco. Como se isso não bastasse, antes de cada cena havia uma explicação
sobre os autores encenados.
Além de tudo havia um ambiente muito
favorável na escola. Ao lado desse ensino que vamos chamar de fundamental havia
a Grande Oficina que ocupava toda a área onde hoje funciona um supermercado.
Ali os alunos estudavam elétrica, mecânica, objetos de madeira etc. As meninas
faziam cursos de culinária. Professores, funcionários e alunos conviviam num clima
de muita seriedade e festa de conhecimento. Não vou citar nenhum nome porque
certamente cometeria grandes injustiças por terem sido tantos os meus amigos,
colegas e alunos que me enriqueceram sobremaneira. Atualmente quando encontro
pessoas que lá estudaram só ouço elogios. Palavras de intensa saudade. Foi dos
melhores momentos profissionais de minha vida.
Hoje
aqueles adolescentes são meus amigos. Pelo menos dois ou três deles fizeram a
Escola de Arte Dramática de São Paulo. Hoje são respeitados jornalistas, artistas
plásticos, engenheiros médicos e advogados de alto nível etc. O mais importante,
todos foram muito bem formados. São cidadãos honrados e honestos que
engrandecem, com as suas vidas, o mundo em que nós convivemos. Posso dizer, sem
dúvidas, que o Ginásio Industrial Presidente Vargas foi um exemplo, que
precisaria ser melhor estudado sobre a qualidade do ensino publico no Brasil.
Saudades de todos e
um abraço de...
Armando
Sérgio da Silva
(Atualmente Professor
Titular de Interpretação Teatral, na Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo)
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