sábado, 8 de agosto de 2015

PEQUENAS MENTIRAS



PEQUENAS MENTIRAS
O filho espera ansioso a chegada do ônibus que trazia seu pai. Tinha noventa e cinco anos. Nasceu em Mogi e viveu aqui até quando foi cuidar de um sítio para os lados de Minas. Sua mulher havia falecido há sete anos e ele estava com a saúde bastante precária e totalmente cego.
O filho continuava morando em Mogi e ia visitá-lo vez em quando. Estava muito alegre com a vinda do pai. Logo chega o ônibus. O motorista, já orientado, o chama para pegar o pai dentro do veículo.
Estava sentado na primeira poltrona olhando para o vazio. Sentou-se ao seu lado o abraçou e sussurrou... - Que felicidade!
O pai esquadrinhou vagarosamente com as mãos o rosto do filho. - Você não mudou quase nada aposto que continua aquele garotão bonito!
O filho o abraçou ainda mais forte e sentiu a respiração difícil do pai. – Está sentindo alguma coisa? Está muito ofegante.
-Coisas da idade filho!
-Apoie-se em mim vamos descer.
Pai – Estamos na rodoviária?  Perto do Cine Urupema?
MENTIRA NUMERA 1. RESOLVEU NÃO FALAR QUE LÁ NÃO ERA MAIS A RODOVIÁRIA E QUE ESTAVAM NO MOGILAR. O PRÉDIO DA ANTIGA RODOVIÁRIA ESTAVA MEIO SEM MANUTENÇÃO  E O MAJESTOSO CINE URUPEMA ERA AGORA UMA IGREJA EVANGÉLICA.
-Sim pai. Estamos aqui! Vamos pegar um taxi.
- Bobagem filho vamos a pé pela José Bonifácio e assim passamos pelo largo da Matriz.
- Não pai você não está bem. Quem sabe depois a gente vai até o Largo da Matriz. Aonde você quer ir em primeiro lugar?
- Onde eu nasci, no Largo do Carmo.
Pai- Nossa está demorando... Antes era tão perto.
Filho- Aqui estamos. (ajuda o pai a sair do taxi)
Pai- É muito triste a gente não enxergar... Como eu queria ver este maravilhoso lugar.
Filho- Fique tranquilo vou descrevê-lo para você. Estamos em frente ao Teatro Vasquez.
Pai- Assisti algumas peças de teatro aqui e também vi tribunais do júri com renomados juristas.
E o prédio da Banda Santa Cecília?
MENTIRA NÚMERO 2. NÃO TIVE CORAGEM DE DIZER QUE O PRÉDIO ESTÁ TODO ESBURACADO SEM NENHUMA MANUTENÇÃO.
Filho- Está aqui nas nossas costas. Todinho pintado de azul.
Pai- Pena que hoje não deve ter ensaio, senão a gente poderia ouvir a deliciosa harmonia da banda.
Pai- Eu sempre parava aqui para olhar as torres da igreja do Carmo. Você está vendo?
MENTIRA NÚMERO 3. FALTOU-ME CORAGEM PARA DIZER QUE NA LINHA DE MINHA VISÃO ESTAVA UM APINHADO DE FIOS DE ILUMINAÇÃO QUE MAIS PARECIAM GALHOS RETORCIDOS. COISA MAIS FEIA DE MOGI.
Filho- Sim pai, estão lá as torres.
Pai- Vamos até o largo. Descreva bem devagar... É o lugar que eu mais amo.
(Estremeci pela responsabilidade.).
NO LARGO.
Pai- E aí filho como está o nosso Largo do Carmo! Continuam sentados nos bancos os casais enamorados? Tem crianças brincando?
MENTIRA NÚMERO 4. NÃO TIVE CORAGEM DE DIZER QUE MUITOS MENDIGOS ESTAVAM ALI DEITADOS E QUE ALGUNS JOVENS FUMAVAM ALGO MUITO ESTRANHO.
Filho- É verdade pai... Aqui está muito tranquilo. Ali está o Casarão do Carmo todo preservado. A prefeitura desapropriou e transformou em um centro de cultura.
Pai- Que coisa linda meu filho. E a praça vai até a porta da igreja?
MENTIRA NÚMERO 5. FALTOU-ME CORAGEM PARA DIZER QUE CONTINUA O TRÂNSITO PESADO DE CARROS E ÔNIBUS NA FRENTE DE NOSSAS IGREJAS QUINHENTISTAS.
Filho- Sim pai é uma praça que acaba na porta da igreja.
Pai – E a casa onde eu nasci e criei vocês...
MENTIRA NÚMERO 6.  A MAIOR DELAS. NÃO PODIA DIZER QUE HAVIA SE TRANSFORMADO EM UMA PIZZARIA.
Filho- Continua lá meu pai... Linda, com suas sacadas e aquele ar de festa!
Os olhos do pai marejaram! Distraiu-se com a casa onde viveu sua infância e juventude e deixou por um tempo de prestar atenção no pai.
Voltou a olhá-lo e o pai estava estático. Parecia não respirar. Em pânico o abraçou...
Filho- Pai? O que é que houve?
Pai (demorou um pouco e respondeu) – Fique tranquilo meu filho. Eu notei que você me contou algumas PEQUENAS MENTIRAS... Para me proteger... Você sempre foi um filho maravilhoso. Eu resolvi, por uns instantes, parar de ouvi-lo e minhas memórias começaram a vir... Lembro-me sentado com sua mãe, namorando, nesses bancos. Você jogando bola quando aqui era um campo de terra ou brincando de DIN e GARRAFÃO. E, principalmente, você de terninho azul marinho com uma larga fita amarela da Cruzada Eucarística.
O filho pegou na mão do pai e o conduziu até um banco. Sentados ele colocou a mão no ombro do pai e o apertou contra o seu peito. Ali ficaram sussurrando suas memórias.
Quem por ali passasse iria ver uma foto maravilhosa. Pai e filho carinhosamente abraçados por suas memórias e por todo o amor. Não precisavam mais de PEQUENAS MENTIRAS!
                                                                          ARMANDO SÉRGIO DA SILVA
                                                                                         INVERNO DE 2015


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