AS
MÁSCARAS
Quem
diria? Estamos em pleno mar selvagem. Porque quem pensa que o que importa é o
importante está fadado a se dar mal. A verdade é que ninguém conhece mais
ninguém e se aparecer alguém de verdade, alguém tremerá de medo do outro lado. As
personagens que todos gostam estão aí, nos shoppings, nos filmes americanos de
ação, nas telenovelas, nas propagandas...Outro problema daqueles que fracassam
é a mania de inventar personagens e máscaras. Então, o rio de dinheiro, que se
gasta atualmente nas pesquisas de opinião pública afim de que nasçam
personagens interessantes, capazes de satisfazer o sonho de qualquer ser
humano, deve ser desprezado? Os heróis atuais não têm mais nada de
introspectivos, ou de profundidade psicológica. São pessoas que não pensam e
falam muito pouco, mas agem através de movimentos rápidos e certeiros. Pensar,
na verdade, atrapalha a ação. A personagem moderna é capaz de, numa fração de
segundo, arrancar os olhos e decepar um braço do desafeto, enquanto tem
relações sexuais com três louras, duas morenas e uma ruiva. O cinema americano
de grande bilheteria disse isto e se ele disse, ele disse e pronto. Vejam as
filas, os rostos das crianças e dos adultos, as fantasias dentro das lojas, as
bocas comendo carne e queijo derretido dentro dos Mac Donalds sempre lotados, o
mundo criado a custa de muito dinheiro. Se o capital disse, disse e pronto.
Pulando de
gato para cachorro estou agora me lembrando das campanhas eleitorais para
presidente da república de 1989, a primeira direta após a ditadura militar. As
equipes de comunicação criaram as personagens, porque sabiam que,
principalmente na TV, tudo teria que se transformar em um show de máscaras e de
representações exemplares. Alguns amigos meus tentavam descobrir qual seria o
melhor presidente para o nosso país. Eu lhes disse: - Bobagem, boa ou má vai ganhar a personagem, cujo ator
tiver o melhor desempenho teatral. Dito e feito, aos poucos as máscaras foram
desfilando pela tela, Um deles tentou criar a máscara do esquecimento, daquele
que sofre de amnésia. Mudou os óculos, passou gumex no cabelo, virou garoto
propaganda, mudou o tom do discurso enfim, ficou mais “clean”. (Paulo Maluf). Poderíamos
chamar sua personagem de “o ingênuo”. Outro criou a máscara do professor,
sempre com conceitos muito bem articulados e coerentes. Como todo mestre
parecia saber mais do que todo mundo, o que o levou várias vezes a posar com
certo cinismo de conhecimento (Mario Covas). Ah, quase me esquecia de um outro
tipo “cantor de tango” que, num grande momento, chorou.(Brizola). Esqueceram-se
também de que o público não está afim de qualquer melodrama. Enfim, todos
acabaram ficando por ali mesmo. Talvez a grande surpresa foi o conteúdo
irreverente de um personagem que apenas disse o seu nome.(Meu nome é Enéas).
Para o segundo turno foram os melhores
atores e as personagens mais dramáticas. De um lado o herói popular, que veio
de baixo, o comprometido com a ralé até os ossos, a força salvadora que perdeu
dedos na máquina que o explorou, um digno representante do sofrimento do todo
um povo explorado. Um forte candidato, um ator com o físico ideal para o papel
e com uma fala muito parecida com a do povo. Quase ganhou. Perdeu por pouco.
Ganhou quem? Ganhou o óbvio. O alto, o forte, o que usa gravatas caras e bebe
as mais finas bebidas. Aquele que é capaz de lutar karatê no Japão, de jogar
futebol na Itália e de fazer Cooper na Alemanha. Aquele que num dia de chuva
abriu a camisa e gritou para as montanhas – Me mate se tiver coragem! Ganhou
aquele que teve o gesto do punho fechado fortemente para os céus. Aquele que
disse eu faço, eu farei, e sempre farei. Aquele que começava o seu horário
copiando o início dos filmes do super-homem. O caçador de marajás, segundo os
brasileiros e o caçador das esmeraldas segundo o presidente dos U.S.A. Ganhou
aquele que entendeu a mensagem do Spielberg. Ganhou o herói que nós na verdade
não somos, mas sonhamos ser. Ganhou o Rock, misturado com o Indiana Jones e o
Rambo. Ganhou o óbvio, ganhou o representante daqueles que manipularam os
nossos sonhos, ganhou o melhor ator e... Que Deus nos ajude! O resto... Bem o
resto todo mundo já sabe. Na medida em que exerceu a presidência sua personagem
foi enfraquecendo e de herói passou a ser um humilde vilão deposto pelo
congresso. De Batman virou Coringa!
Armando
Sérgio da Silva
Outono
de 2014
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