TUDO COMEÇOU
COM O T.E.M.
O Teatro Experimental Mogiano (TEM) comemora os seus
50 anos. Escrevo esta crônica como tributo a este grupo que me deu a
oportunidade de ganhar o Prêmio Governador do Estado com a direção de “A
Exceção e a Regra”. Tal prêmio consistiu em bolsa de estudos para estudar
teatro na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Estou lá
até hoje onde sou professor titular de Interpretação Teatral. Descrevo para o caro leitor o meu dia a dia
em sala de aula onde atuo desde os anos 70.
“Alguns
jovens, em silêncio, preparam-se para uma espécie de aventura... Criar
personagens. Eu os observo em seus rituais de aquecimento físico e também me
aqueço, aqueço o meu coração, a minha vocação.
Logo me sinto em casa. Espero, respeitosamente,
terminarem o seu ritual, que não é somente físico, mas, principalmente
espiritual e que consiste em abrir-se para um encontro com a magia, com os
sonhos, com as fantasias, com o que há de mais universal nos seres humanos.
Terminado o
ritual nós nos olhamos frente a frente e iniciamos uma aventura indescritível
para quem não a vive. Ela compromete e absorve a nossa carne, nossos ossos,
nossa alma. Juntamos toda a coragem que possuímos e mergulhamos decididos. Uma
vez iniciado o percurso, a trilha nos encaminha para que olhemos para nós
mesmos. Outras vezes temos que olhar, ostensivamente, para fora, para o mundo
que nos rodeia. Nesse ir e vir, muito trabalho, muita diversão e,
principalmente, muita união, unha e carne.
Aos poucos e
invariavelmente, como em qualquer lugar de intenso trabalho, ficam pelo chão e
chegam até a voar por toda a “oficina” algo, que na falta de melhor nome,
chamamos de “aparas”. No fundo elas são bonitas e fazem nos acostumarmos com
essa espécie de confusão. Chega um momento, entretanto, que são tantas que
somos obrigados a permitir que sejam dali retiradas. Não temos outra saída.
Nosso ofício exige escolhas cruéis. Elas, entretanto não saem da nossa memória,
maravilhosas que foram. São nossas. Ninguém jamais as viu, ouviu, provou ou
tocou somente nós... Em nós mesmos.
Debaixo das
aparas, entretanto, começam a aparecer, difusamente, alguns esboços, alguns
desenhos. Aos poucos, começam a se materializar em três dimensões... Espécie de
fantasmas... Esquisitos ainda com restos de aparas penduradas.
Às vezes e, nesta
época, sempre tenho que abandonar a “oficina”, porque invariavelmente, quando
essas “personas” começam a aparecer, tenho que estar presente e ausente ao
mesmo tempo. De fora, começo a perceber alguma beleza nelas, quando o vento
consegue esvoaçar seus véus.
É incrível a
magia dessa aventura, e ao cabo de um bom tempo, quando estou de novo dentro da
“oficina”... pasmem... Como num toque de mágica, esses “seres” desaparecem,
evaporam –se, escafedem –se... como demônios. Estremeço quando percebo que meus
alunos também não estão mais ali... Quero dizer, estão, mas eu não os reconheço...
é um pouco confuso...
Mais uma
vez, num passe de mágica... As luzes se acendem. A ‘oficina’ lotada de pessoas.
Entram alguns jovens, fantasiados, pintados mascarados. Habilidosamente começam
a nos entreter... Aos poucos, quando as luzes ficam mais fortes, por detrás das
máscaras, das tintas, dos véus, começo a perceber os sinais evidentes da
identidade dos mascarados... Graças a Deus, são eles mesmos, meus alunos,
cheios de vida e humanidade. Não são somente desenhos e manequins, como
suponha.
Então, como no primeiro dia que os
encontrei, quando cheguei na “oficina”... eu espero, junto com o público, respeitosamente.
Participando, também, daquele ritual, me abro para um encontro com a magia, com
os sonhos, com as fantasias, com o que há de mais universal nos seres humanos.
No final, me sinto mais pleno, mais humano e, por isso mesmo, me emociono e,
sem perceber, minhas mãos começam a bater, fortemente, uma na outra.
Eis o que
acontece, na nossa pequena “oficina”, por mim pretensiosamente chamada de
“Oficina da Essência”. 1
Armando
Sérgio da Silva
Primavera de 2014
1. Transcrição das “Considerações Finais”
de minha Tese de Livre-Docência.
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