SORTE DE MOGI DAS CRUZES
1920, Kiev, Rússia frio arrastador a família judia janta na
sala. A primeira guerra mundial ainda tem seus efeitos maléficos. A revolução
Russa assusta os habitantes da cidade. A mãe olha para seu filho adolescente de
17 anos e pensa. – É melhor perder meu filho vivo! Preciso tirá-lo daqui.
- Filho você precisa sair daqui. Para um moço da sua idade a
Rússia está muito perigosa e sem perspectivas. Ouvi falar de um país na América
do Sul, que me parece muito bom... o Brasil.
– Eu vou sentir muitas saudades de vocês, mas eu tenho que
ter coragem.
Dias depois de uma longa viagem de navio o jovem desembarcou no Rio de Janeiro e de lá
seguiu de trem para São Paulo. Tinha por rumo Jacareí. Cansado adormeceu e a
estação passou sem que ele descesse. Sorte de Mogi das Cruzes. Desembarcou aqui.
Uma família mogiana de judeus lhe deu abrigo e um emprego. Como todo imigrante
passou muitas dificuldades. Ia todos os dias na padaria e procurava o que havia
de mais em conta. Para economizar, ele almoçava só um filão com duas bananas.
Num belo
dia teve uma ideia. Comprar uma bicicleta e sair vendendo mercadorias de porta
em porta. A ideia foi muito boa. Aos poucos o jovem começou a guardar algum
capital. Faltava-lhe, entretanto, o amor, uma garota que lhe completasse a
existência.
Estava
ele um dia, de bicicleta, vendendo seus artigos quando ouviu o som maravilhoso
de um piano. Percebeu que vinha de uma bonita casa que estava com as janelas
abertas. Naquele tempo as janelas viviam abertas. Não resistiu foi até a casa e
olhou. Tocava o piano uma jovem linda. Sem pestanejar deu-lhe os parabéns.
Depois de um leve susto, ela o olhou. Os dois se olharam por instantes.
Naqueles olhares já havia quase que um compromisso. Iniciaram ali um namoro escondido
do pai da garota que não permitia que ela namorasse. O pai era de alta patente
da Guarda Nacional e um próspero comerciante.
Casaram-se
anos depois. O jovem russo acabou por ser aceito pelo sogro e iniciaram uma
família. Aos poucos os negócios do jovem foram prosperando.
Nessa
época, anos quarenta, aconselhou o sogro, para que se associassem para a
formação de uma companhia cinematográfica. Acabaram por construir três cinemas
dentre os quais um majestoso, com 3600 lugares considerado o maior cinema do
Brasil.
O casal
teve dois filhos que passaram a ajudar nas tarefas dos cinemas. Esse trabalho
provavelmente os transformou em cinéfilos. Não era para menos n
o
cinema maior, logo
na entrada, iluminadíssima, sentia-se o clima da magia. Os proprietários sempre
por ali. Seu salão de espera, enorme, mais parecia um salão de baile com fotos
dos artistas da época: Elizabeth Taylor, Montgomery Clift, Clark Gable, Kim
Novak, Marlon Brando, etc. Todos ficavam ali a espera do gongo. Naquele tempo
soavam três vezes antes da sessão. Aos poucos o mundo real ia desaparecendo e
todos mergulhavam na fantasia, paixão e imaginação que o cinema proporciona.
Passaram-se
os anos o jovem russo faleceu nos anos sessenta e deixou grandes negócios para
os filhos que, com muita competência, ampliaram o capital e hoje são dos
maiores empresários do país.
Permaneceu
também com os filhos aquela febre da magia do cinema. A população de Mogi, surpresa,
viu nos últimos anos fecharem o único cinema que havia na cidade, situado no
Mogi Shopping. O jovem cinéfilo pensou – Mogi com trinta mil habitantes tinha
três cinemas. Agora com quinhentos mil não tem nenhum. O novo cinema do Shopping
não tem previsão para funcionar. Isso certamente o deixou muito triste. Mogiano
da gema, que sempre foi, pensou... Preciso tomar uma atitude. Dias depois,
pasmem cidadãos de Mogi... Comprou o Shopping. A população toda saudou o
negócio como a grande chance da cidade ter novamente o seu cinema. Não sei se
esse foi o maior motivo, entretanto, conhecendo o seu amor pela cidade e o seu
empreendedorismo acredito que deve ter tido um grande peso em sua decisão.
Por causa desse grande mogiano, por seu pai ter se distraído na estação
de Jacarei, justifica-se o título de nossa crônica... SORTE DE MOGI DAS CRUZES!!!
ARMANDO SÉRGIO DA SILVA
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