ALGUNS
TONS DE PRETO
Uma
sala meio escura, sentado numa poltrona estava o avô. A televisão ligada só com
imagens sem qualquer som. A neta mais velha entra sem fazer barulho e chega
perto do avô. Consegue perceber algumas lágrimas em seus olhos. De repente sai
correndo assustada pensando qual o motivo que levou seu avô a estar tão triste.
Se ela pudesse ver seus pensamentos talvez pudesse entender. O avô havia relembrado
há pouco sua juventude... Irreverente... Protestadora. Principalmente da época
de escola quando com alguns colegas resolveu fazer um movimento cultural para usufruir o auditório da escola.
Quando "bolavam" e executavam, aos sábados, um espetáculo de
variedades chamado de “Programa
Estudantil”. Ele participava da criação, era um dos alunos da “Escolinha de
Grupo” e gostava de dublar o Elvis Presley.
Lembrava-se também do Cursinho
preparatório para a Faculdade de Direito em São Paulo. As descobertas
eletrizantes da capital, com sua vida cultural infinitamente superior à da sua
cidade. As sessões da cinemateca, os concertos no “Teatro Municipal”, os bares
perto da Rua Maria Antonia e, principalmente, o “Teatro de Arena”. Aquela forma
de expressão teatral num palco semicircular, que incluía músicas e poemas,
feitas pelo jovem elenco do “Arena”
de São Paulo, o deixou apaixonado. Ele e seus amigos do “Programa Estudantil”
ficaram tão entusiasmados que resolveram fundar um grupo de teatro amador ao
qual deram o nome de “Teatro
Experimental Mogiano”. Estávamos no ano de 1965 e tudo escureceu no
país em tons de preto à nossa volta. Alguns colegas imaginem, foram presos
dentro da sala de aula do curso colegial! Todos eles tinham um inimigo comum...
A ditadura militar instaurada no país.
O movimento estudantil
pegava fogo. O avô não era de partido político, mas contestava através da arte...
Quando teve que escolher um texto, para dirigir no TEM, a indicação veio do que
chamavam a "inteligência" do grupo, agora representada por alguns
companheiros dos tempos do “Programa Estudantil” e que, naquele momento, eram
influentes líderes do movimento estudantil em São Paulo. Fica triste quando
pensa que dois deles, Antonio Benetazzo e Sérgio Corrêa, no auge da juventude,
foram assassinados pelos institutos de repressão. O texto indicado foi “A
exceção e a regra” de Bertolt Brecht.
Lembrou-se também do
perigo pelo qual passou, quando o DOPS invadiu sua “republica” em São Paulo. Ele
e seus amigos deixaram dormir lá, por dois dias, um desconhecido. Depois
souberam que o militante era o braço
direito do capitão Lamarca. O avô não estava na “república”. Tinha ido passar o
fim de semana em Mogi, mas um de seus amigos, que estava lá, foi preso. Anos
sombrios que atingiu seu maior tom escuro com a promulgação do Ato
Institucional n. 5.
Ele tornou-se professor
de teatro e continuou tentando manter seus princípios ideológicos.
Passaram-se então muitos
anos, caiu a ditadura e a democracia se restabeleceu no país. Num dado momento
os que eram de partido político em sua época os que, por assim dizer, eram mais
da esquerda ganharam as eleições.
O avô estava mergulhado
nessas lembranças quando ouviu a vinheta do jornal da TV. Tratava-se de uma
retrospectiva dos últimos anos.
Vários conhecidos daqueles áureos tempos acabavam de serem presos por
corrupção. Mais notícias desastrosas. A
grande estatal brasileira, a Petrobras, estava depenada por políticos que
corromperam as empreiteiras. O grande líder estava sempre como o macaco, que
não viu não ouviu e nem falou nada. Seu filho enriqueceu do dia para a noite. Transformaram
a política brasileira, por causa de um projeto de poder, em lama imunda. Ainda
tinham mais notícias desastrosas. Ouviu
que o Brasil inteiro vai fazer um grande protesto contra este estado de coisas.
Ele não queria acreditar no que estava ouvindo. Havia conhecido muitos desses
políticos em sua época estudantil. Alguns conhecera pessoalmente e pareciam...
tão sonhadores! Deu-lhe um nó na garganta. Tudo escureceu... Tirou o som da TV
e também a cor. Na tela percebiam-se somente alguns tons de preto. Recolheu-se
permitindo que algumas lágrimas lhe rolassem dos olhos.
Foi nesse exato momento em que havia chegado, na sala, a neta mais velha.
Deixou o avô e foi buscar seus primos mais novos. Colocou todos sentados
olhando para ele e disse baixinho... Vovô olha quem está aqui. Ele abriu os
olhos devagar e viu todos os seus seis netos ao redor. Cada um deles foi se
levantando e o abraçando e beijando. O neto mais novo, pouco mais de um ano,
pegou o cotrole remoto e voltou a cor da TV. A sala iluminou-se novamente.
O avô abriu de vez os olhos, já sem lagrimas, sorriu e disse para si
mesmo... Nem tudo está perdido, enquanto chamava todos os netos para o colo!!!
ARMANDO SÉRGIO DA SILVA
INICIO DO OUTONO
DE 2015
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