sábado, 8 de agosto de 2015

ALGUNS TONS DE PRETO



ALGUNS TONS DE PRETO
Uma sala meio escura, sentado numa poltrona estava o avô. A televisão ligada só com imagens sem qualquer som. A neta mais velha entra sem fazer barulho e chega perto do avô. Consegue perceber algumas lágrimas em seus olhos. De repente sai correndo assustada pensando qual o motivo que levou seu avô a estar tão triste. Se ela pudesse ver seus pensamentos talvez pudesse entender. O avô havia relembrado há pouco sua juventude... Irreverente... Protestadora. Principalmente da época de escola quando com alguns colegas resolveu fazer um movimento cultural para usufruir o auditório da escola. Quando "bolavam" e executavam, aos sábados, um espetáculo de variedades chamado de “Programa Estudantil”. Ele participava da criação, era um dos alunos da “Escolinha de Grupo” e gostava de dublar o Elvis Presley.
Lembrava-se também do Cursinho preparatório para a Faculdade de Direito em São Paulo. As descobertas eletrizantes da capital, com sua vida cultural infinitamente superior à da sua cidade. As sessões da cinemateca, os concertos no “Teatro Municipal”, os bares perto da Rua Maria Antonia e, principalmente, o “Teatro de Arena”. Aquela forma de expressão teatral num palco semicircular, que incluía músicas e poemas, feitas pelo jovem elenco do “Arena” de São Paulo, o deixou apaixonado. Ele e seus amigos do “Programa Estudantil” ficaram tão entusiasmados que resolveram fundar um grupo de teatro amador ao qual deram o nome deTeatro Experimental Mogiano”. Estávamos no ano de 1965 e tudo escureceu no país em tons de preto à nossa volta. Alguns colegas imaginem, foram presos dentro da sala de aula do curso colegial! Todos eles tinham um inimigo comum... A ditadura militar instaurada no país.
O movimento estudantil pegava fogo. O avô não era de partido político, mas contestava através da arte... Quando teve que escolher um texto, para dirigir no TEM, a indicação veio do que chamavam a "inteligência" do grupo, agora representada por alguns companheiros dos tempos do “Programa Estudantil” e que, naquele momento, eram influentes líderes do movimento estudantil em São Paulo. Fica triste quando pensa que dois deles, Antonio Benetazzo e Sérgio Corrêa, no auge da juventude, foram assassinados pelos institutos de repressão. O texto indicado foi “A exceção e a regra” de Bertolt Brecht.
Lembrou-se também do perigo pelo qual passou, quando o DOPS invadiu sua “republica” em São Paulo. Ele e seus amigos deixaram dormir lá, por dois dias, um desconhecido. Depois souberam que o militante  era o braço direito do capitão Lamarca. O avô não estava na “república”. Tinha ido passar o fim de semana em Mogi, mas um de seus amigos, que estava lá, foi preso. Anos sombrios que atingiu seu maior tom escuro com a promulgação do Ato Institucional n. 5.
Ele tornou-se professor de teatro e continuou tentando manter seus princípios ideológicos.
Passaram-se então muitos anos, caiu a ditadura e a democracia se restabeleceu no país. Num dado momento os que eram de partido político em sua época os que, por assim dizer, eram mais da esquerda ganharam as eleições.
O avô estava mergulhado nessas lembranças quando ouviu a vinheta do jornal da TV. Tratava-se de uma retrospectiva dos últimos anos.
Vários conhecidos daqueles áureos tempos acabavam de serem presos por corrupção.  Mais notícias desastrosas. A grande estatal brasileira, a Petrobras, estava depenada por políticos que corromperam as empreiteiras. O grande líder estava sempre como o macaco, que não viu não ouviu e nem falou nada. Seu filho enriqueceu do dia para a noite. Transformaram a política brasileira, por causa de um projeto de poder, em lama imunda. Ainda tinham mais notícias desastrosas.  Ouviu que o Brasil inteiro vai fazer um grande protesto contra este estado de coisas. Ele não queria acreditar no que estava ouvindo. Havia conhecido muitos desses políticos em sua época estudantil. Alguns conhecera pessoalmente e pareciam... tão sonhadores! Deu-lhe um nó na garganta. Tudo escureceu... Tirou o som da TV e também a cor. Na tela percebiam-se somente alguns tons de preto. Recolheu-se permitindo que algumas lágrimas lhe rolassem dos olhos.
Foi nesse exato momento em que havia chegado, na sala, a neta mais velha. Deixou o avô e foi buscar seus primos mais novos. Colocou todos sentados olhando para ele e disse baixinho... Vovô olha quem está aqui. Ele abriu os olhos devagar e viu todos os seus seis netos ao redor. Cada um deles foi se levantando e o abraçando e beijando. O neto mais novo, pouco mais de um ano, pegou o cotrole remoto e voltou a cor da TV. A sala iluminou-se novamente.
O avô abriu de vez os olhos, já sem lagrimas, sorriu e disse para si mesmo... Nem tudo está perdido, enquanto chamava todos os netos para o colo!!!
                              ARMANDO SÉRGIO DA SILVA
                             INICIO DO OUTONO DE 2015

                

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