Anos
50. Mogi das Cruzes...
Sábado
seis horas... Serginho olha para sua cama e vê o terninho, azul marinho, de
calças curtas limpinho estendido ao lado da camisa e meias brancas que sua mãe
separara durante a tarde. Destino: Praça Oswaldo Cruz... Os pais e seus amigos
vão bebericar alguma coisa no bar do Lanche ou no bar Cruzeiro. Serginho espera
sentado num banco do jardim observando a grande tradição de Mogi das Cruzes...
O “footing” dos jovens. Quando chegava a hora do cinema, aos sábados, Serginho e
seus pais iam ao Cine Avenida. Iniciava-se o grande desfile pela Avenida
Voluntario Pinheiro Franco. Quase todos se conheciam, vizinhos, parentes,
amigos, colegas de escola.
Interessante
é que o dono do cinema morava ao lado do mesmo e ficava sempre entretido vendo
seus espectadores chegarem.
Era
um cinema luxuoso, muito grande. Lá a festa continuava... Como todos se
conheciam, na fila da bilheteria se cumprimentavam e na sala de espera,
conversavam.
Os
meninos sentavam-se sempre na primeira fileira e se deixavam levar pela magia
do cinema.
Naquele
dia o cinema inteiro chorou... O filme... “Imitação da Vida”. Enredo... Uma
filha que renega sua mãe negra. Foi a maior lição de antirracismo que Serginho
teve em sua vida. Serginho aquela noite demorou em pegar no sono... Antes de
dormir jurou... Jamais vou discriminar alguém de outra cor. Depois fechou seus
olhinhos e continuou sonhando como fizera no cinema.
ANOS
60. Mesma cidade
Domingo:
Mais uma vez, tudo organizado sem ninguém organizar... As roupas eram as
mesmas, os sorrisos e os flertes também, entretanto agora, como num corso, os rapazes
e as moças iam a vinham na Dr. Deodato. Tudo isso acontecia antes do sagrado
cinema. O cine Urupema, que era
deslumbrante, dizem que tinha mais de mil poltronas. Seu salão de espera,
enorme, mais parecia um salão de baile com fotos dos artistas da época:
Elizabeth Taylor, Montgomery Clift, Clark Gable, Kim Novak, Marlon Brando, etc.
Entretanto cinema também era lugar para se namorar. Sergio e sua namorada
brincaram muito de serem a... Deborah Querr que o Gregory Peck. No final da
sessão, muito engraçado, as pessoas demoravam certo tempo para se desligar das
personagens. Os rapazes com um andar inequívoco de “Cow Boy” ou dançando qual
Gene Kelly, além de realçarem seus topetes de Tony Curtis. As moças com
boquinhas de Kim Novak ou postura de Ingrid Bergman.
2014...
Aqui mesmo.
Sr.
Sérgio está sentado em uma poltrona confortável na sua mesa de trabalho. Lembra-se
dos tempos em que a cidade vivia a cultura dos cinemas Eles, em Mogi das Cruzes,
eram templos iluminados num tempo em que aqueles que os contemplaram jamais
esqueceram. Lado a lado os mogianos desfilavam pelas ruas da cidade... Todos
moravam no centro ou muito perto... Eram ternos gravatas, tecidos que mais
pareciam para festas de gala. Não havia grande diferença de poder aquisitivo.
Mesmo os mais pobres tinham ternos e vestidos dignos de fim de semana. Carros,
quase, não se via. Observa fotos antigas: O cine Odeon com suas sessões somente
para a criançada aos domingos pela manhã. O cine Parque com seus portões
maravilhosos de ferro. O cine Vera Cruz, pequeno, mas muito confortável... Sua esposa, ao lado lê um livro. Seus três
netos digitam em tablets.
Um dos netos pergunta: Vovó, podemos
ir passear na Dr. Deodato?
A avó abaixa o livro responde de
pronto: Não. É muito perigoso. Está cheio de marginais lá à noite.
Outro neto: Então podemos ir ao
cinema?
Sr. Sérgio: Não existem mais cinemas
por aqui.
Neto: O que? Não acredito.
Sr. Sérgio: Infelizmente é verdade
meus netos! Só se formos para Suzano ou Guarulhos.
O outro neto deixa o tablet e liga a
TV no “Zorra Total”.
Sr. Sergio e sua esposa, envergonhados,
sorriem com tristeza, para os netos. THE END
Armando Sérgio da Silva
Junho de 2014
PS: No
momento em que estou escrevendo esta crônica leio nos jornais que o Cine Belas
Artes vai ser reativado. Parabéns São Paulo!
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