terça-feira, 9 de setembro de 2008

MARCELO E MARCELA - PEÇA DE TEATRO

MARCELO E MARCELA

de

Armando Sérgio da Silva

Personagens:

Marcelo

Marcela

Marinho

Alfredo

Cora

Juiz

Advogado

Promotor

Débora

Jurados

Jornalistas

Teleatores

Teleatrizes

Policiais

etc.

CENA I

Abre-se a cortina, um tribunal, do lado esquerdo estão sentadas várias pessoas, são os jurados. No centro, parte baixa do palco, vestido de beca, está o juiz. No lado direito, um senhor e uma senhora e um homem de terno preto está de costas. O senhor e a senhora, são Cora e Alfredo. Cora chora e Alfredo tenta consolá-la. Alguns jornalistas fazem perguntas em voz baixa para Cora e Alfredo, mas estes parecem não ouvirem. No lado direito, um homem vestido de terno preto - o advogado

Obs:- O juiz, o promotor, o advogado e os jurados, podem ser marionetes.

PROMOTOR - (Suas falas devem ser freqüentemente interrompidas por fortes ruídos de máquinas de escrever em alto-falante.)

Artigo 39 - poeta - parasita - nossa sociedade - inconcebível - os pais - megera - o bom andamento - os princípios - igualdade perante a lei - senhores jurados - vadiagem - podia ser vosso filho - senhores jurados - condenação - condenação - condenação - condenação...

ADVOGADO - (Idem ao promotor) - doença - meritíssimo - ininputáveis - vossa sensibilidade - é certo que nossa sociedade - mas - mas - e anda mais - é preciso compreensão e ponderar - a consciência de cada um - vocês também são pais - senhores jurados - clemência - atenuação - clemência - consciência - clemência clemência...

(Um murmúrio invade a sala, o barulho de máquinas de escrever aumenta, papeizinhos brancos, azul e rosa, são entregues pelos jurados - por três ou quatro vezes. Silêncio, o juiz levanta-se.)

JUIZ - Pela lei deste país, este tribunal considera que os réus...(grande barulho de vozes, misturando com o das máquinas de escrever interrompe o juiz, mas este continua.)

Cora chora ainda mais alto e o ruído de máquinas aumenta. Marcelo segura uma das mãos de Marcela. Marcela deita-se no chão, Marcelo deita-se sobre ela. Os jornalistas cercam os dois com suas máquinas fotográficas, os flashes estouram várias vezes. Marcelo e Marcela se abraçam. O tribunal inteiro se põe de pé - Marcelo e Marcela se abraçam ainda mais, dois guardas correm em direção aos dois e quando estão chegando perto... Black-Out. Deve haver uma distorção no barulho do tribunal, até se transformar no som do próximo diálogo.)

CENA II

SALA - Na parede do fundo, um televisor de costas para o publico, duas poltronas giratórias, nas quais estão sentados Cora e Alfredo. (Na televisão desenrola-se o seguinte:-)

TELEATOR - Toma Wisky?

TELEATRIZ - Eu sou direita! Por favos abra a porta!

TELEATOR - Mas você entrou no meu carro.

TELEATRIZ - Estava chovendo muito e eu... Aquele maldito ônibus!

Seja um cavalheiro, abra a porta!

TELEATOR - Ceda Beatriz... eu te amo... eu te desejo...

TELEATRIZ - Você só sabe pensar nisso?

TELEATOR - Eu não agüento mais Beatriz! Você me seduz !

TELEATRIZ - Você me... Afaste-se de mim!

TELEATOR - Minhas intenções são boas... É paixão Beatriz...

TELEATRIZ - Você quer se aproveitar de mim.

TELEATOR - Mentira! Diga... Diga o que você quer, que eu faço! Eu darei tudo, (murmurando) tudo... tudo...

TELEATRIZ - (parando subitamente de chorar) Carlos, desculpe-me, eu estava um pouco nervosa. Talvez você não seja mal. Eu quero me... Quero me casar... com um homem que me dê segurança, um lar e quem sabe... um carro. Eu adoro passear de carro... Se você casasse comigo eu seria sua, para o resto da vida. Eu quero progredir, você entende? Se você casasse comigo eu seria sua inteirinha. Você não sabe o que é dar duro a vida inteira... empregada daquela bruxa da sua tia! Uma doméstica! (em pranto) Eu mereço ser feliz Carlos!!! (entra em B.G. música romântica.)

TELEATOR - (abraçando-a) Eu te amo... Beatriz

TELEATRIZ - (ainda em prantos) Como você é bom, Carlos! Meu amor!!! (música romântica sobe)

LOCUTOR - O “Sabonete Lyn’s” acabou de apresentar...

O direito de ser feliz” - Mais um sucesso de audiência do seu canal - 8 -

Qual será o futuro de Beatriz? Você saberá se ligar neste canal, de domingo à domingo, neste mesmo horário

(Black-Out.)

CENA III

Uma sala de apartamento. Pode ser o mesmo da cena anterior, porém com mudanças para um estilo mais moderno. Um disco dos “Beatles” em alto volume. Entra um moco de trinta anos, impecavelmente vestido, (terno e gravata), é Marinho. Senta-se à mesa onde tem uma máquina de escrever. Levanta-se, desliga a vitrola, liga o rádio, tira um papel de sua pasta e bate por uns instantes à máquina. Pára, ascende um cigarro, coloca o papel que estava escrevendo dentro de um envelope e sai rapidamente.

Marcelo entra por uma das portas, ouvindo o rádio ligado corre e o desliga, deita-se no chão se sentindo aliviado. Liga novamente a vitrola em tom bem baixo, caminha até uma das gavetas, pega um gravador, volta a deitar-se e gravar:

MARCELO - A mulher de pernas longas, baterá três vezes na minha porta hoje...

O intervalo entre uma batida e outra será uma eternidade...

Talvez ela nem consiga dar três batidas...

Às vezes, sofre-se muito quando se dá três batidas.

Uma ou duas seriam o suficiente, mas a mulher de pernas longas terá que bater três vezes hoje a minha porta...

As outras sempre batem uma ou duas vezes... Porém, para se ver a mulher de quem eu falo, é necessário antes se ouvir três batidas, vagarosas e suaves... (levanta-se, desliga a vitrola e o gravador, depois procura algo que de maneira alguma acha. Ouve-se três batidas na porta).

MARCELO - (Diz enquanto abre a porta) Você tem cigarros?

MARCELA - (Entrando) Não. (senta-se em uma das poltronas)

MARCELO - (Senta-se noutra, em frente. Os dois se olham fixamente) Quem é você?

MARCELA - Marcela

(longa pausa para os dois continuarem a se olhar)

MARCELO - Quantas vezes você bateu à porta?

MARCELA - Não me lembro... duas ou três, sei lá.

MARCELO - Foram duas ou três?

MARCELA - Eu não vejo...

MARCELO - É muito importante, sabe?

MARCELA - Acho que foram três... (Marcelo sorri) ou será que foram duas?

MARCELO - (Meio contrariado) Faz de conta, foram três, certo?

MARCELA - Certo (longa pausa. Marcela pigarreia)

MARCELO - (faz gesto de quem vai falar, mas não fala)

MARCELA - (Sorri)

MARCELO - (Idem) - (Nova pausa)

MARCELO - Bonita mala, é sua?

MARCELA - É.

MARCELO - Olha, se você veio vender alguma coisa, é bom esperar meu irmão, ele é quem tem dinheiro.

MARCELA - Você não tem dinheiro?

MARCELO - Não.

MARCELA - Por que você não gosta?

MARCELO - Não, até que eu gosto!

MARCELA - Eu pensei que você pudesse comprar alguma coisa.

MARCELO - o que você está vendendo?

MARCELA - (abre rapidamente a mala e tira algumas peças) Calcinhas, soutiens, um vestido de camurça, calça Lee de mulher...

MARCELO - (cortando) Não! Não estou interessado em seus artigos, e mesmo que estivesse, eu não teria dinheiro para pagar. Mas espera!... Essas roupas estão com jeito de usadas.

MARCELA - São minhas.

MARCELO - Ah! Bom! (faz menção de falar mas não fala, novamente e por fim) Quer dizer que não são para vender?

MARCELA - Eu estava brincando, fiz mal?

MARCELO - Não! É que eu estou achando um pouco estranha essa sua... visita...

MARCELA - Por que?

MARCELO - Não sei, eu estou entendendo, você entende?

MARCELA - Já sei, você ainda não entendeu perfeitamente, o motivo dessa minha visita.

MARCELO - Isso mesmo!

MARCELA - Então porque não disse logo?

MARCELO - Bem, eu não disse porque... (desanimado) Não sei.

MARCELA - Eu vim para morar aqui.

MARCELO - (fica olhando um pouco assustado)

MARCELA - Você não quer saber por que?

MARCELO - (como se estivesse acordando) Quero!

MARCELA - Há três dias atrás, eu vi você em um ônibus. Foi no 324. Eu moro atualmente com umas colegas um tanto chatas.

No dia seguinte, eu vi você novamente. Você tinha alguma coisa que me chamava a atenção. Para falar a verdade, você me atraia. Ontem, eu sonhei três vezes com você e três vezes eu acordei e fiquei pensando em você. Hoje acordei, almocei, e estudei você. Gozado que, apesar de tudo, eu não lembrava muito bem do seu rosto. Eu lembrava mais de suas pernas. (Marcelo olha para as suas pernas). Hoje à tarde, eu peguei novamente o 324 e adivinhe quem eu encontrei?... Você! Foi então, sem mais nem menos e sem saber bem porque, que eu cheguei à conclusão quer não poderia viver sem você. Segui você até aqui, e aqui estou de mala e tudo (longa pausa).

MARCELO - Como é que eram os seus sonhos?

MARCELA - (Sorrindo) Um pouco imorais.

MARCELO - (Idem) Você... Você...

MARCELA - Sabe que... Acho que você tem razão, talvez eu tenha mesmo batido três vezes na porta.

MARCELO - Eu sei. (Pausa)

MARCELA - Como é, posso ou não posso?

MARCELO - Tudo isso aqui é do Marinho, meu irmão.

MARCELA - Você acha que ele se importaria?

MARCELO - Não sei, eu vou falar com ele.

MARCELA - Como é que ele é?

MARCELO - É uma pessoa como outra qualquer, tem vinte e oito anos.

MARCELA - Eu digo interiormente.

MARCELO - Desculpe-me, mas eu não sei explicar as pessoas.

MARCELA - O que é que ele faz?

MARCELO - Se não me engano, é gerente de uma empresa. Ganha muito bem!

MARCELA - É feliz?

MARCELO - Não entendi.

MARCELA - Se ele é feliz.

MARCELO - Não entendi o que você disse.

MARCELA - Ele vive disposto, sorrindo?

MARCELO - Vive! Ele é de fato muito alegre.

MARCELA - Você é feliz no silêncio triste, com alguns sorrisos imperceptíveis.

MARCELO - Talvez você tenha muita razão.

MARCELA - Eu também sou assim.

MARCELO - Você tem a mania de explicar tudo. Eu, apenas sinto de uma maneira muito intensa.

MARCELA - Você gosta dele?

MARCELO - De quem?

MARCELA - Do seu irmão.

MARCELO - Para falar a verdade... Nós conversamos muito pouco.

MARCELA - Posso falar uma coisa?

MARCELO - Vai.

MARCELA - Eu estou me controlando um pouco, desde que eu cheguei. (corre e abraça Marcelo)

MARCELO - Suas pernas não são por acaso muito longas?

MARCELA - Bastante.

MARCELO - Eu sabia.

MARCELA - Bem, vou buscar o resto de minhas coisas e volto mais tarde. Ah, eu estou dando aulas para uma menina muito rica. Você não se incomodaria se eu desse aulas aqui? São trezentos mil por mês...

MARCELO - Eu já disse, é o Marinho...

MARCELA - Conversa com ele. (black-out rápido)

CENA III

(Luz total no apartamento. Marcelo e Marcela estão em cena)

MARINHO - Aqui não!

MARCELO - Vamos conversar com calma.

MARINHO - Se ainda fosse de vez em quando... Mas morar aqui!?

MARCELO - Seria muito incômodo para você?

MARINHO - Não é por causa disso, é que... Olha, Marcelo. Eu estou querendo ajudar você. Você é meio ingênuo. Então você acha mesmo que uma mulher direita viria se oferecer aqui na porta?

MARCELO - Três vezes.

MARINHO - O que?... Você acreditou mesmo, que ele gosta muito de você?

MARCELO - É.

MARINHO - Acreditou por que? Eu respondo: Porque é trouxa. Mas tá na cara que é vagabunda!

MARCELO - Bem, o apartamento é seu.

MARINHO - Não precisa me lembrar disso, eu sei muito bem o que é meu... E o gravador está com você só por uns tempos.

MARCELO - (Marcelo desanimado) É por isso, que eu vim falar com você.

MARINHO - E tem mais, a partir de hoje, vou entrar em férias e pretendo passar o tempo todo aqui dentro

MARCELO - O jeito é procurar um apartamento para mim.

MARINHO - E você lá tem dinheiro para isso?

MARCELO - (Pegando um monte de papéis que estão sobre um móvel) Olha, são trinta cópias de um verso, que mandei para trinta revistas.

MARINHO - Marcelo, você sabe muito bem que se publicassem o seu poema, o que já é difícil de acontecer, o dinheiro que você irá receber, não dará para comer, sequer por cinco dias! Olha bem para mim! Eu tenho experiência, vivo bem, enfim levo uma vida legal, você sabe muito bem disso, não sabe?

MARCELO - É a sua vida...

MARINHO - Pois é, dou duro o dia inteiro na empresa. Sou gerente, mas isso não quer dizer que eu seja subordinado aos chefes da empresa. São eles que têm o dinheiro, sabe?

Para explicar melhor para você; eu sou o menino comportado, que sempre levanta a mão para pedir para ir ao banheiro... Mas em compensação, eu ganho bem... Muito bem!

MARCELO - E vale a pena?

MARINHO - Lógico, com isso eu posso comprar muitas coisas que eu desejo. Bem, nem todas, mas o suficiente para uma pessoa de minha posição.

MARCELO - Mas eu só quero dormir com uma mulher!

MARINHO - É aí mesmo que eu queria chegar. Isso também eu compro com o meu ordenado, entendeu? Mulher é um artigo caro. Você pensa que... escrevendo poesias, você poderá se dar ao luxo de ter amante? Isso é material para os meus patrões. Nem eu conseguiria sustentar apenas uma.

MARCELO - Talvez eu consiga publicar vários poemas.

MARINHO - Chega Marcelo! Quer saber de uma coisa? Você poderia arrumar emprego em um banco, ou coisa parecida, mas não, acostumou na moleza... Sentar aí e ficar dizendo coisas bonitas nesse gravador... Quer um conselho? Se você quiser viver com essa mulherzinha, arranje dinheiro, e bastante, ou em outras palavras... vá trabalhando como tudo mundo.

MARCELO - Eu sou um poeta, Marinho.

MARINHO - Isso não existe. Marcelo! Existem gerentes, banqueiros, operários, comerciantes, agricultores, balconistas, mas poeta, não. O que você sabe muito bem porque. Porque são parasitas, não produzem nada!

MARCELO - Afinal, ela será um incomodo, ou não?

MARINHO - Não adianta mesmo conversar com você, não é mano?

MARCELO - Marinho! Há muito tempo que nós não conversamos e eu sempre admirei você. O que eu quero dizer é que eu sempre admirei o seu silêncio e só hoje eu compreendi isso. Nós somos muito diferentes. Seu silêncio me faz bem, e as palavras da mulher que bateu à minha porta me fazem bem.

MARINHO - Já está você fazendo poesia... Posso ser sincero com você, Marcelo?

MARCELO - A noite está repleta de sinceridade.

MARINHO - Marcelo, na minha opinião, esse negócio de fazer poesia é para mulher...

MARCELO - (sorri) Seu time está bem colocado no campeonato?

(Três batidas na porta)

(Black-out)

CENA V

(Sala, Alfredo e Cora estão assistindo televisão, entra comercial)

LYN’S, LYN’S, LYN’S

LIMPA E PERFUMA BEM MAIS

LYN’S, LYN’S, LYN’S

PARA OS FILHOS E PARA OS PAIS!

LOCUTOR - Com Lyn’s, você define sua classe.

Com Lyn’s, você vai ser mais sedutora.

Lyn’s, o sabonete da família brasileira.

LOCUTOR - (filme) Minha senhora, diga aos nossos telespectadores, a sua opinião sobre o sabonete Lyn’s.

SENHORA - Antes eu era feia e muito solitária. Depois que eu usei Lyn’s comecei a namorar e passei a viver cercada de homens... hoje sou feliz e vivo para meus filhos, graças à Lyn’s...

MUSICAL - Lyn’s, Lyn’s, Lyn’s...

Limpa e perfuma bem mais.

Lyn’s, Lyn’s, Lyn’s...

Para os filhos e para os pais. (Black-out)

CENA VI

(Apartamento de Marinho)

MARCELA - (entrando) como disse, voltei.

MARINHO - Marcelo, explica para ela.

MARCELA - O problema é que...

MARINHO - Marinho! Seu nome é Marinho, não é?

MARINHO - É.

MARCELA - Prazer em conhecê-lo... Marcela. Eu já deixei meu antigo apartamento e não tenho onde ficar.

MARINHO - Se você voltar lá, talvez ainda recebam você.

MARCELA - Marcelo, vamos passar a noite em algum hotel?

MARINHO - Não sei se você sabe, mas Marcelo é muito pobre.

MARCELA - (para Marcelo) Nem para uma noite?

MARCELO - (Nega com a cabeça)

MARCELA - Diabo! E eu que acabei de dar o último dinheiro para pagar a dívida do meu apartamento.

MARINHO - Eu poderia emprestar, desde que Marcelo ficasse.

MARCELA - E por que tudo isso?

MARINHO - Porque eu não quero que você durma com ele.

MARCELA - Por que?

MARINHO - Eu prefiro não dizer.

MARCELO - Nós vamos ficar juntos.

MARCELA - Pois vamos mesmo, eu nunca pensei em sair daqui.

MARINHO - É bom avisar que eu estou de férias e pretendo não sair.

MARCELA - Você não vai dormir?

MARINHO - À tarde você vai à faculdade, não vai?

MARCELA - Vou.

MARINHO - Então eu dormirei à tarde.

MARCELA - Isso é ridículo... Marcelo, você não me contou que ele era pancada?

MARCELO - Até hoje não me parecia.

MARINHO - Pancada, não sou pancada, você não vai ficar aqui.

MARCELO - Marinho, não faz isso...

MARINHO - Você pensa que eu sou trouxa?

MARCELA - Olha! Eu vou ser bem clara: dá para você emprestar um quarto por uns dias para eu e seu irmão dormirmos juntos?

MARINHO - E eu vou ser mais claro, não!

MARCELO - Marinho, você não está se achando um pouco gozado?

MARINHO - Você devia dar graças a Deus por eu estar aqui.

MARCELA - Esse negócio já esta chato demais. Você começou, não é? Pois agora eu vou ficar aqui (deita-se no sofá), por que eu não tenho mais aonde ficar e nem dinheiro.

MARINHO - Essa é velha... Escuta aqui, se você não for embora em dois dias, eu chamo a polícia.

MARCELA - Pode deixar Marcelo, eu vou receber algum dinheiro de aulas particulares.

MARCELO - Pode ser que alguém publique alguma de minhas poesias.

MARCELA - Alguém vai publicar sim, Marcelo.

MARINHO - (Sorri) você vai ter coragem de sair daqui Marcelo?

MARCELO - E por que não?

MARINHO - Não sei, você está acostumado com esse bom apartamento, come do bom e do melhor, às minhas custas. Tem gente passando fome e frio por esse mundo, hein cara?

MARCELO - Seja como for hoje eu tenho direito a pelo menos, duas coisas desse mundo: uma delas é ser poeta e outra é dormir com essa mulher.

MARINHO - Porque você não namora ela, fica noivo, trabalha em algum lugar decente e depois casa?

MARCELA - Escuta. Você disse que ia ficar acordado, mas não disse que ia ficar falando tanta bobagem... Marcelo, talvez seja melhor a gente passar a noite em um banco de jardim, esse seu irmão já está me irritando.

MARCELO - Você pode ficar quieto um pouco Marinho?

MARINHO - Não adianta falar mesmo. (pausa)

(a luz diminui, os três ficam sentados estáticos...)

MARCELA - Suas mãos estão geladas Marcelo?

MARCELO - Um pouco.

MARCELA - E eu sinto um imenso calor nas pernas, Marcelo.

MARINHO - Nas suas longas pernas... (Black-out)

CENA VII

(Na sala, Alfredo e cora giram suas poltronas, a televisão, apesar de ligada, está em volume baixo)

ALFREDO - E eles nunca mais vieram...

CORA - Seis anos...

ALFREDO - Seis anos...

CORA - Quando eles foram, ainda eram quase crianças...

ALFREDO - Marinho já tinha vinte e dois anos...

CORA - Então, criança!

ALFREDO - Seria bom se eles ainda estivessem aqui.

CORA - Os dois?

ALFREDO - Eu tenho certeza que, juntos, nós assistiríamos mais animadamente televisão.

CORA - Marcelo nunca gostou muito de televisão.

ALFREDO - Marinho vive escrevendo. Talvez algum dia ele venha.

CORA - Talvez Marcelo também venha...

ALFREDO - Marinho prometeu, mas Marcelo nunca prometeu...

CORA - A gente tem filhos e não se diverte, vive para eles. Espera se divertir quando eles crescerem e ficarem mais interessantes... e quando a gente vai poder se orgulhar de tudo isso... a recompensa... Sabe Alfredo, que agente se esquece de como é que se diverte? E eles não voltam mais... e quando a gente vai tocar neles, eles correm ariscos. Mais tarde eles vão criar mais filhos esperando a recompensa, e ela não... Até certo ponto...

ALFREDO - Os filhos deles podem ser diferentes.

CORA - Você acha que é possível?

ALFREDO - Afinal de contas, não é tão horrível assim. Nós assistimos televisão...

CORA - É... Nós temos a televisão...

ALFREDO - E a televisão diverte e instrui...

CORA - E os programas estão ficando cada vez melhores...

ALFREDO - Você já imaginou se eles viessem?

CORA - Eu faria questão de desligar a televisão por uns instantes...

ALFREDO - E depois nós voltaríamos a assistir... Todos juntos...

CORA - E depois os netos assistiríamos juntos... A nossa família!

ALFREDO - Marinho vive escrevendo e prometendo...

CORA - Talvez Marcelo venha também...

ALFREDO - São nove e meia...

(os dois giram novamente as poltronas, o som da televisão é aumentado, ouve-se um diálogo confuso em inglês... Black-out)

CENA VIII

(Apartamento de Marinho. Marcelo está deitado no sofá, dorme profundamente)

MARCELA - (para Marinho) Seu irmão já está dormindo.

MARINHO - Ele sempre dormiu assim... Abraçando o travesseiro.

MARCELA - Você não vai dormir?

MARINHO - Não. Eu estou sem sono. (pausa)

MARCELA - O que é que você faz?

MARINHO - Eu sou gerente...

MARCELA - (cortando) Não! O dia inteiro!

MARINHO - A mesma coisa que todo mundo ora! Não estou entendendo por que de repente você começou a me perguntar...

MARCELA - Você tem alguma outra coisa para fazer, enquanto não amanhece?

MARINHO - Eu...

MARCELA - De manhã, por exemplo?

MARINHO - (olha para Marcela, meio desconfiado, depois se decidindo) Está bem... Eu levanto às seis e meia.

MARCELA - E daí?

MARINHO - E daí, e daí, eu levanto!

MARCELA - Eu quero saber exatamente a primeira coisa que você faz.

MARINHO - Ligo e rádio.

MARCELA - E ouve o que?

MARINHO - Sei lá, eu ouço apenas de vez em quando, de três em três minutos.

MARCELA - O que é que eles dizem nesses momentos?

MARINHO - A hora certa.

MARCELA - E nos intervalos?

MARINHO - Notícias, é um jornal falado.

MARCELA - E depois?

MARINHO - Vou ao banheiro (pausa)

MARCELA - (continua olhando para Marinho)

MARINHO - Escovo os dentes, lavo o rosto... (pausa) E já se foram cinco minutos.

MARCELA - Como é que você sabe?

MARINHO - O rádio.

MARCELA - Você nunca terminou de escovar os dentes as seis e trinta e oito, por exemplo?

MARINHO - Pode ser... é lógico que de vez em quando... Mas por que esse interrogatório besta?

MARCELA - Para passar o tempo, já falei. Você está com medo?

MARINHO - Parece boba, medo de que?

MARCELA - Então responda.

MARINHO - É claro que em determinados dias eu acabo de escovar os dentes as seis e quarenta, está contente?

MARCELA - Muito. (fica olhando para Marinho)

MARINHO - Bem depois vou para o quarto e começo...

MARCELA - Não está se esquecendo de nada?

MARINHO - Por que?

MARCELA - Nada, é que geralmente... Bem, até mesmo antes de escovar os dentes... A gente faz xixi.

MARINHO - Eu achei desnecessário dizer isso.

MARCELA - Está bom, mas você faz ou não faz?

MARINHO - Lógico.

MARCELA - Às seis e trinta e dois mais ou menos?

MARINHO - Sei lá, eles só dizem de três em três minutos.

MARCELA - Por que você liga nessa estação?

MARINHO - Porque eles dizem a hora certa e eu sei que não estou atrasado... Eu não posso chegar atrasado... Eu tenho que dar exemplo... Não adianta, você não pode entender... Aposto que nunca teve uma responsabilidade destas.

MARCELA - e daí, você vai se arrumar?

MARINHO - Às seis e quarenta e cinco eu acabo de dar o laço na gravata... Ah! Eu tinha me esquecido. Logo que eu levanto, antes mesmo de ir ao banheiro, eu ponho a água para ferver...

MARCELA - E depois que você põe a gravata, você sai?

MARINHO - E a água, fica no fogo? (pausa) Depois eu passo o café. Às seis e cinqüenta e dois, tomo uma xícara, ponho uma para ele... Mais ou menos as cinco para sete, eu chamo o Marcelo.

MARCELA - E ele levanta e toma café?

MARINHO - Não, toma café, mas não levanta. Ele fica até tarde fazendo poesias. Depois desligo o rádio, o apresentador está dizendo que amanhã no mesmo horário, ou coisa parecida, e tomo o ônibus. Chego na firma às oito horas, até meio dia, eu trabalho. Depois tenho duas horas para o almoço. Eu volto para comer numa pensão aqui ao lado...

MARCELA - Você vem de lá até aqui?

MARINHO - Eu me habituei com o tempero. Trabalho até às seis e meia. Às sete horas, eu abro aquela porta ali. Ligo o rádio. Marcelo geralmente não está em casa, na hora do meu programa esportivo.

MARCELA - Aonde é que ele vai?

MARINHO - Sei lá, todos os dias ele sai.

MARCELA - E volta a que horas?

MARINHO - Depende do tempo. Quando está frio e chove ele chega mais cedo. Quando faz calor, chega mais tarde.

MARCELA - Você nunca sai?

MARINHO - É difícil, eu chego bastante cansado da firma. Só sei que ele nunca chegou antes da oito.

MARCELA - E você não faz mais nada?

MARINHO - (olha para o gravador e desvia o olhar) Eu escuto quase todas as noites o programa do Nonoca.

MARCELA - Que Nonoca?

MARINHO - É um humorista muito engraçado. Eu sempre conto na firma as piadas dele e a turma lá morre de dar risadas... Outro dia ele contou uma boa... disse que tinha um sujeito tão fraco, mas tão fracão, que o coração dele em vez de bater apanhava.

MARCELA - (Sem rir) E depois dorme?

MARINHO - Depois da hora que ele chega.

MARCELA - Você espera todas as noites?

MARINHO - Eu já estou habituado. Ele chega, sorri, senta-se na minha cama e fica me olhando... Eu pergunto se ele se divertiu e ele me responde sempre que se divertiu muito... (consigo mesmo) Eu fico imaginando o que ele fez. Então ele dá um capinha no meu joelho, diz boa noite e vai fazer poesias... Quando ele começa a falar, eu ligo o rádio. Tem um programa muito bom de terror as onze e trinta. E eu sempre durmo assim, ouvindo ele falar e o mesmo tempo, escutando o rádio. E fim. (olhando para a janela) Nossa já amanheceu.

MARCELA - (nervosa) E agora o mais importante. Por que você botou na cabeça essa idéia ridícula de não querer que eu durma com ele?

MARINHO - Deve ser mais de sete horas. Não acho que mais de seis.

MARCELA - Você ainda não me respondeu.

MARINHO - Você não...

MARCELA - O que?

MARINHO - Eu tenho meus motivos.

MARCELA - Quais?

MARINHO - (Liga o rádio em todo o volume, ouve-se) Como todos os dias. Os ponteiros marcam: seis horas e trinta minutos... (segue notícias. Marinho levanta-se, sai pela porta dos fundos. Marcela vagarosamente deita-se sobre Marcelo. Marinho entra novamente pela porta dos fundos. Marcela vê mas não faz conta)

MARINHO - (sacudindo Marcelo) Já são quase sete horas Marcelo! (Black-out)

CENA IX

(Ainda no apartamento de Marinho - Toque de campainha)

MARINHO - (vai abrir e diz para Marcela) É com você?

MARCELA - Quem é?

DÉBORA - Eu.

MARCELA - Vai bem?

DÉBORA - A senhora mudou, é?

MARCELA - Mudei, Débora.

DÉBORA - Por que?

MARCELA - Porque... Porque eu precisei.

DÉBORA - (apontando para Marinho) Quem é esse homem?

MARCELA - Um amigo.

DÉBORA - Seu?

MARCELA - É.

DÉBORA - Ele mora com você?

MARCELA - Não, Débora.

DÉBORA - Não mesmo?

MARCELA - O que você quer afinal? Eu deixei o endereço com a sua mãe, mas o dia da sua aula é amanhã.

DÉBORA - Minha mãe é que mandou aqui, e eu obedeci.

MARCELA - Mas o seu dia de aula é amanhã.

DÉBORA - Se não me engano a minha mãe paga a senhora para me dar aulas quando eu quiser.

MARCELA - Você tem razão... então entre, você quer aula, não quer?

DÉBORA - Eu nunca quis ter aulas com você, mas amanhã tenho uma sabatina.

MARCELA - Então vamos, pode entrar.

DÉBORA - Aqui?

MARCELA - É.

DÉBORA - Eu resolvi não ter aula hoje.

MARCELA - Você é quem sabe.

DÉBORA - Nem hoje, nem nunca mais.

MARCELA - Isso é sua mãe quem decide.

DÉBORA - E se eu contar para ela que você não presta, porque vive com...

MARCELO - (entrando) Quem é essa menina bonita?

MARCELA - E...

DÉBORA - Dois homens...

MARCELA - Mas você não pode fazer isso!

DÉBORA - Não? E por que?

MARCELO - O que é que houve?

DÉBORA - A senhora é uma vagabunda, professora.

MARCELA - Débora! Eu... (caminha em direção à ele) Gosto muito de...

DÉBORA - (cortando) Não põe a mão em mim!

MARCELA - (nervosa, segura o braço da menina)

DÉBORA - (sai correndo)

MARCELO - (sai também) Espera menina!

MARCELA - (senta-se no sofá e fica imóvel, Marinho vai olhar pela janela - longa pausa)

MARCELO - (voltando calmamente) Ela saiu gritando pelas escadas. Dizia que um tarado queria pegá-la...

MARCELA - Trezentos mil cruzeiros por mês...

MARCELO - Quem sabe ela volta.

MARCELA - Não volta. A mãe dela é Presidente de três ligas de arregimentação contra a degradação moral da família.

MARCELO - Existem outras alunas.

MARCELA - Que tem mães presidentes de outras ligas...

(Black-out)

(ouve-se o murmúrio de senhoras rezando, murmúrio que posteriormente se distorce numa única voz de senhora. Na televisão da sala de Alfredo e Cora, aparece somente a mão dessa senhora. Mão essa que está coberta por uma fazenda preta e brilhante. Num dos dedos um enorme anel todo incrustado de brilhantes.)

SENHORA - (somente a sua voz) terminada nossa oração de hoje, passaremos aos conselhos à mãe cristã. Em primeiro lugar, nunca maltrate sua doméstica. Não se esqueça que ela também é filha de Deus... Um ser humano, como você...

(diminui-se o som da televisão)

CORA - Achei a carta de Marinho muito curta.

ALFREDO - Ora, ele deve ser muito ocupado.

CORA - Talvez a gente ainda receba uma de Marcelo.

ALFREDO - Marinho disse que ele está bem. (som da televisão aumenta)

SENHORA - (somente a voz) É necessário o perfeito entendimento...

(Black-out)

CENA X

MARCELO - (ao gravador, tenta dizer um poema) a importância se reduz a um misto... um misto... um misto

MARCELA - (absorvida, lê um livro e toma notas)

MARINHO - (lê um jornal de esportes, com um título bem grande em vermelho. Liga o rádio, e um imenso barulho de irradiação de um jogo de futebol invade a sala)

MARCELO - (para de falar, olha para Marcela que, vagarosamente abaixa o livro que estava lendo, os dois fazem um sinal de contrariedade)

MARCELO - (caminha até Marcela vagarosamente e diz em voz baixa) É quase impossível de se...

MARCELA - Se eu não tivesse perdido aquela bendita aluna...

MARCELO - Você não está com fome?

MARCELA - Já faz quase dois dias que eu não como. (pausa)

MARCELO - Antes ele pedia duas jantas na pensão, agora só pede uma.

MARCELA - Você por acaso está querendo dizer que ele está querendo vencer a gente pela fome?

MARCELO - Pode ser, ele sabe que nós não temos dinheiro.

MARCELA - Você viu como ele ontem fez questão de comer aquele picadinho bem no centro da sala?

MARCELO - Ainda... Ontem eu estava com muita fome... Mas hoje...

MARCELA - Sabe que eu ainda não entendi muito bem, por que ele está fazendo tudo isso?

MARCELO - Acho que no começo era por convicção, mas agora tenho a impressão que tudo é uma espécie de jogo.

MARCELA - Assim fica tudo muito mais difícil. (longa pausa)

MARCELO - Eu ontem sonhei com as suas pernas... Para variar, elas eram longas e quentes...

MARCELA - E eu com suas mãos frias, que eu apertei e esquentei... (os dois se olham fixamente por uns instantes)

MARCELA - Como é que nós vamos fazer? Já andei ontem metade desta cidade e ninguém quer aulas particulares. Desconfio que esses colégios estão ficando fáceis.

MARCELO - (pegando uns papéis). Olhe aqui as respostas das minhas cartas. Mandei trinta. Todo esse bolo aqui, que devem ser umas vinte e três, simplesmente não se interessam por poesias.

MARCELA - Pode ser verdade.

MARCELO - Bobagem Marcela, eu também já andei pensando sobre o assunto... Os “Beatles”, por exemplo, cantam o que? Isto é, as letras?

MARCELA - Poesia?

MARCELO - É o que eu digo, eles são interessantes, pesquisam e até certo ponto contestam. Mas só até certo ponto, você me entende? E ainda eles tem a vantagem, isto é, se eles vão além deste certo ponto, são conseguiram propaganda e ninguém vai ouvi-los mais. Isso é complicado, é um problema de consumo.

MARCELA - E daí?

MARCELO - E daí é que eles entram na corrente.

MARCELA - Que corrente?

MARCELO - Ou se produz em série e não se contesta mais, ou não se vende nada e morre de fome, entendeu?

MARCELA - E você, não pode conciliar?

MARCELO - posso e tenho, mas prefiro de outro jeito.

MARCELA - Como?

MARCELO - Roubando um banco. (sorri)

MARCELA - (sorri) Fácil não?

MARCELO - (mostrando uns papéis) Olha! Esta aqui diz que o nível é muito alto para o público e que ela se dirige... É uma revista especializada em TV. Chama-se: “Conheça o seu artista predileto” (pega outro papel). Esta não pode por causa de sua linha ideológica. (outro papel) Ai! Querem uma poesia que fale do mar e do crepúsculo. É para ser publicada como fotos coloridas.

MARCELA - Ah! Já sei um tipo de reportagem que parece cartão postal ?

MARCELO - Pois é. Você acha que eu poderia fazer poesia assim?

MARCELA - Não.

MARCELO - (outro papel) E finalmente essa diz que não tem espaço.

MARCELA - E onde é que nós vamos arranjar dinheiro?

MARCELO - Já disse... Vamos roubar um banco!

MARCELA - Você fala sério?

MARCELO - Por que não?

MARCELA - É. Porque não.

MARCELO - Apesar da gente não ter prática...

MARCELA - O que que é preciso?

MARCELO - Acho que um revólver, não é?

MARCELA - Quanto custa?

MARCELO - De segunda mão, eu vi um ontem por 93.000, ou melhor, 93.800 cruzeiros.

MARCELA - Vamos pedir para ele, só por farra? (gritando para Marinho) você me empresta 93.800 cruzeiros?

MARINHO - (abaixando o volume) O que?

MARCELA - Me empresta 93.800 cruzeiros, que eu vou embora.

MARINHO - Eu mudei de idéia, você vai sair daqui sem dinheiro... Para que?

MARCELA - (irônica) Para comprar um estola de pele.

MARINHO - (aumenta novamente o volume do rádio)

MARCELA - (põe a mão no joelho de Marcelo)

MARCELO - (encosta levemente a mão nos cabelos de Marcela) (os dois se abraçam e começam a se beijar no chão)

MARINHO - (se aproximando) Você vai ou não vai embora? (toque de campainha)

MARINHO - (Vai abrir a porta. Pega uma bandeja) Obrigado!

(Depois Marinho, senta-se bem no centro da sala, destampa as vasilhas e começa a comer vagarosamente, fingindo não prestar atenção nos dois) (pausa)

MARCELO - Já sei, não precisa dizer, bem no centro novamente.

MARCELA - (consente - pausa) Quanto tempo uma pessoa agüenta sem comer?

MARCELO - Alguns dias, não sei bem.

MARCELA - Acho que são três. Não, isso é sem água.

MARCELO - Eu só sei que eu estou com uma dor no estômago.

MARCELA - Marcelo?

MARCELO - O que?

MARCELA - É picadinho de novo.

MARCELO - De carne?

MARCELA - Não, hoje é de lingüiça.

MARCELO - Você olhou?

MARCELA - (rapidamente) Eu não! É pelo cheiro. (pausa) Acho que vou dar uma olhada... (olha - pausa) Marcelo?

MARCELO - Hum?

MARCELA - Tem também carne enrolada com toucinho dentro.

MARCELO - Marcela? Por favor?

MARCELA - Eu não vou olhar mais... (consigo) Não olhe Marcela. (pausa) Eu acho que tenho uma surpresa.

MARCELO - o que?

MARCELA - mil e duzentos cruzeiros...

MARCELO - Mil e duzentos?

MARCELA - Dá para comprar dois sanduíches de queijo quente.

MARCELO - É, queijo quente satisfaz... Espera um pouco, vou comprar.

MARCELA - Espera! (pausa) Ele vai levantar... Está levantando, não comeu quase nada... Está saindo... Vai entrar no banheiro. Entrou.

MARCELA - Ele sempre demora uns quinze minutos escovando os dentes.

(Ambos levantam-se, caminham até a mesa vagarosamente e, começam nervosos, a pegar um pouco de comida)

MARINHO - (como se estivesse na espreita, entra pela porta dos fundos) Com muita fome?

(Marcela e Marcelo afastam-se da mesa)

MARCELA - (friamente) Você vai Marcelo?

MARCELO - Vou, é aí embaixo mesmo. Demora uns vinte e cinco minutos.

MARCELA - Está bem, é o suficiente.

MARCELO - Suficiente para que?

MARCELA - Para a gente não morrer de fome (sorrindo) se você quiser pode comer o seu lá mesmo.

MARCELO - Não precisa, eu já volto.

(Marcelo sai, Marinho senta-se em uma das poltronas. Marcela senta-se em frente. Ao cruzar as pernas levanta exageradamente a saia, Marinho olha e desvia o olhar. Marcela desabotoa três ou quatro botões de sua blusa. Marinho olha de relance e disfarça. Marcela passa a mão em toda a extensão da perna, admirando-a)

MARINHO - (sem jeito) O que é que houve?

MARCELA - Nada. Por que? (pausa)

MARINHO - Amanhã à noite: Fim do seu prazo.

MARCELA - Quer dizer que é a última noite que passo aqui?

MARINHO - É. (pausa)

MARCELA - Você tinha razão, sabe Marinho?

MARINHO - Bruta novidade!

MARCELA - Eu acho que eu não presto muito mesmo. Quer dizer que é verdade que o seu irmão não tem dinheiro?

MARINHO - Nenhum.

MARCELA - No início eu pensei que ele estivesse mentindo.

MARINHO - Eu já vivi muito, minha cara. (grande pausa)

MARCELA - Você acha interessante, Marinho?

MARINHO - (Olha fixamente nas pernas de Marcela) Você é boa!

MARCELA - Eu estou pensando seriamente em desistir do seu irmão.

MARINHO - Acho bom mesmo. Eu não vou permitir.

MARCELA - Eu quero dinheiro.

MARINHO - quanto?

MARINHO - 93.800 cruzeiros. Espera...94.000.

MARCELA - É muito caro.

MARINHO - Você já viu pernas tão longas assim?

MARCELA - Deixa por cinqüenta?

MARINHO - 94.000.

MARCELA - Feito!! (vai até Marcela começa a beijá-la e a desabotoar suas roupas)

(O palco vai escurecendo lentamente, em tom bem dramático, enquanto escurece ouve-se o seguinte trecho do diálogo da cena II).

TELEATRIZ - Você quer se aproveitar de mim.

TELEATOR - Mentira. Diga, diga, o que você quer que eu faço... Eu darei tudo... (murmurando) Tudo... tudo...

TELEATRIZ - (parando subitamente de chorar) Carlos, desculpe-me, eu estava um pouco nervosa. Quero um homem que me dê segurança... Um lar... e quem sabe um carro... Se você me der tudo isso, eu serei sua para o resto da vida.

TELEATOR - Eu te amo, Beatriz!!!

(Black-out total)

CENA XI

(Luz da sala de Alfredo e Cora. Na televisão)

Lyn’s, Lyn’s, Lyn’s...

Limpa e perfuma bem mais.

Lyn’s, Lyn’s, Lyn’s...

Para os filhos e para os pais.

CORA - (alegre) Vamos deixar tudo isso limpo e bonito... Isso aqui está tão horrível, que me deixa nervosa. Vou sair para comprar flores.

ALFREDO - O que é que tenho que comprar mesmo?

CORA - Atum.

(Black-out)

CENA XII

(O apartamento de Marinho deve estar vazio)

MARCELO - (bate a porta)

MARINHO - (sai correndo por uma das portas internas e abre a porta da frente, que ele mesmo havia frechado à chave)

MARCELA - (vem atrás com o vestuário e cabelos desfeitos)

MARCELO - (entra e para confuso, com os dois sanduíches na mão)

MARINHO - Eu não disse, ela acabou...

MARCELA - (cortando friamente) ... de deitar com ele! (fecha os olhos e mostra um maço de notas e diz:) 93.800 cruzeiros (pausa) ... ou melhor... 94.000 cruzeiros...

MARINHO - Eu avisei, não avisei mano?

MARCELA - (continua de olhos fechados)

MARCELO - (deixa cair os sanduíches no chão, chega perto e beija levemente o rosto de Marcela)

MARCELA - Enquanto ele estava em cima de mim, eu apertei com bastante força os 93.800 cruzeiros.

MARCELO - (olha de relance para Marinho, olha novamente para Marcela, põe seu rosto nos cabelos dela e diz:) Hoje a noite está quente... e nós precisamos conversar muito... Vamos sentar juntos em um banco de jardim?

MARCELA - Você espera eu me lavar?... eu estou imunda Marcelo! (Marcela sai)

MARINHO - Vai sair com ela?

MARCELO - (pega um dos sanduíches do chão e começa a comê-lo, enquanto olha fixamente para o irmão...)

(Black-out)

CENA XIII

(Casa de Alfredo e Cora. A televisão está desligada. Alfredo e Cora cantarolam baixinho a valsa “Danúbio Azul”)

ALFREDO - (está ocupado tentando consertar a televisão)

CORA - (coloca cuidadosamente rosas vermelhas em um vaso) Você já olhou que bonitas as rosas que eu comprei?

ALFREDO - Fazia tempo que você não comprava.

CORA - A casa está mudando de aspecto.

ALFREDO - E se a gente trocasse os móveis?

CORA - Você sabe muito bem que eu adoro esses móveis... Esses móveis velhos com o verniz opaco.

ALFREDO - Acho que você tem razão, eu nunca poderia imaginar nós dois sentados em outras poltronas.

CORA - Antigamente eu comprava flores todos os dias, lembra-se?

ALFREDO - E é para esquecer? É mesmo... em outros tempos...

CORA - O que é que houve com a televisão?

ALFREDO - Parou de uma hora para outra.

CORA - Você não vai chamar um técnico?

ALFREDO - É preciso?

CORA - Claro! Por que?

ALFREDO - Por nada...

CORA - Eu sei o que você está querendo dizer.

ALFREDO - E então?

CORA - Eu acho que nós, apesar de tudo, não devemos arriscar.

ALFREDO - Nem uma vez? (pausa)

CORA - No domingo eles repetem o capítulo, não precisa então, não é? (longa pausa) Ora, o que é que tem afinal?

ALFREDO - Eu estou contente, Cora... Você está me achando muito bobo?

CORA - (sorrindo) Sei lá...!

(Black-out)

CENA XIV

(Apartamento de Marinho. Entram Marcelo e Marcela muito cansados e alegres)

MARCELA - Sabe o que mais?... Ninguém nos viu.

MARCELO - Eu sabia, uma noite inteira planejando. Como é que nós tivemos coragem?

MARCELA - Quando eu estava lá, só pensava em duas coisas, em uma cama com lençóis exageradamente brancos e num bom prato de picadinho...

MARCELO - Ninguém vai desconfiar... 150 milhões!...Mas é muito dinheiro, Marcela!

MARCELA - Que nada! Deixa ver... 150 milhões. Vamos supor um gasto de 500 mil por mês... São quase trinta anos! Até lá eu já arranjei aulas particulares e você, na certa, já terá um poema publicado.

MARCELO - Sua boba com esse dinheiro eu mesmo posso imprimir e distribuir...

MARCELA - Nós vamos ficar dando sopa com esse dinheiro?

MARCELO - É lógico que não. (pensa) Vamos nos separar. Eu fico com a metade e você com a outra. Cada um de nós procura vinte bancos e põe uma determinada quantia. Uns quatro milhões, mais ou menos. Amanhã nós nos encontraremos...

MARCELA - Aonde?

MARCELO - Deixa eu ver. (pensa) Já sei, na casa dos meus pais, é longe daqui. Lá não deve haver perigo. Depois a gente vai para qualquer lugar, está bem?

MARCELA - Desde que tenha uma cama com lençóis exageradamente brancos!

MARCELO - E agora vamos...(juntos) comer!!!

MARCELA - Picadinho de carne enrolada com toucinho.

MARCELO - Depois eu telefone avisando os meus pais, e só vai ficar faltando espalhar esse dinheiro. (Os dois param de falar)

MARINHO - (entrando) Onde é que vocês andaram? (tentando esconder) O que é? O que é isso?

MARCELA - (sem jeito) Dinheiro

MARINHO - Dinheiro? Aonde é que vocês conseguiram?

MARCELO - Por aí...

MARCELA - Nós já estávamos de saída.

MARINHO - Vocês roubaram?

MARCELA - Imagina só!

MARINHO - (p/ Marcelo) Foi você? (p/ Marcelo) Você viu no que deu?

MARCELO - Não é bem isso Marinho.

MARINHO - Então, aonde vocês arranjaram todo esse dinheiro?

MARCELA - Quer saber de uma coisa? Você acertou, nós roubamos!

MARINHO - Vocês vão ser presos.

MARCELA - Ninguém viu.

MARINHO - Isso é o que vocês pensam.

MARCELO - É verdade, ninguém viu.

MARINHO - E agora, vocês vão embora?

MARCELO - Vamos Marinho.

MARINHO - Por que?

MARCELA - Porque é preciso, ora essa!

MARINHO - Marcelo, você vai com ela?

MARCELO - Vou.

MARINHO - Por que você não fica?

MARCELO - Porque eu quero dormir com ela.

MARINHO - (nervoso) Que fique ela também, então!

MARCELO - Não, obrigado, na verdade nós precisamos fugir... O dinheiro, você entende?

MARCELA - (olhando pela janela nervosa) Vamos logo Marcelo?

MARINHO - Devolva o dinheiro Marcelo.

MARCELA - Nem pense nisso!

MARINHO - Você não vai precisar dele, nem ela, eu tenho.

MARCELA - Eu não estou entendendo mais nada.

MARINHO - (para Marcela) Olha, se vocês ficarem, eu dou meu quarto para vocês dormirem... Eu ficarei aqui na sala, porque gosto de ouvir rádio até tarde...

MARCELO - Não daria certo.

MARCELA - (para Marinho) O que é que houve com você?

MARINHO - Nada! É que vocês podem ser presos.

MARCELO - Não tem perigo, eles...

MARINHO - Tem sim Marcelo. Você não conhece a polícia!

MARCELA - Eu já estou começando a entender...

MARCELO - Vamos Marcela?

MARINHO - Espera!

MARCELA - Nós estamos com pressa, o banco é nessa rua mesmo!

MARINHO - Eu quero apenas falar um pouco com o meu irmão...

MARCELA - Fala logo então, porque eu já estou ouvindo barulho, um barulho meio esquisito aí embaixo.

MARCELO - (senta-se em uma poltrona e Marinho por detrás do encosto começa a falar)

MARINHO - Você sabia que eu conheço quase todas as suas poesias?

MARCELO - Não.

MARINHO - Quando você sai à noite, eu ligo o gravador e escuto... Na maioria das vezes eu quase durmo. Eu não gosto e para falar a verdade, eu não entendo nada... Mas algumas eu entendo e de uma posso dizer que eu gostei.

MARCELO - Qual?

MARINHO - Você fala de duas pessoas...

MARCELO - Eu geralmente falo do homem e da mulher.

MARINHO - Mas essa é diferente... Começa assim:

Dois, apenas... dois

Um misto de dois

Um homem e uma criança...

MARCELO - De mãos dadas...

De pés atados...

Eles são dois.

Apenas dois!

MARINHO - (passa a mão nos cabelos de Marcelo sorrindo) Você sempre foi uma criança... Sabe que quando eu trazia seu prato, eu dava risadas sozinho, de ver você comer com tanta vontade? (pausa) Marcelo, (pausa) segura um pouco minha mão, você vê como elas estão suadas?...

MARCELO - Estou vendo Marinho.

MARINHO - O que será isso? (pausa)

MARCELO - Não é nada.

MARINHO - Elas nunca estiveram assim... (longa pausa) Se você ficar, nós podemos sempre conversar sobre seu futuro. Você continuará fazendo poesias para outro tipo de... Você continuará fazendo poesias, é claro, mas eu vou te ajudar... Sabe? Eu tenho um amigo, que nem é poeta, e trabalha em uma agência de publicidade...

MARCELO - Marinho, por favor, basta apertar a minha mão... Agora fique em silêncio... Isso faz nem a nós dois...

MARCELA - (em voz baixa) Marcelo, vem? É tarde.

MARCELO - (larga a mão de Marinho) Qualquer dia eu volto, Marinho!

MARINHO - (nervoso) (agarra o dinheiro) Você vão ter que devolver isso.

MARCELO - Não seja louco Marinho!

MARCELA - Larga isso!

MARINHO - (vai até a porta e chama a polícia. Marcelo e Marcela ficam parados em virtude da surpresa)

MARINHO - Nós vamos falar que nós achamos na escada (chama de novo a polícia. Ouve-se um barulho na escada)

MARCELO - (puxa Marinho para dentro da sala)

(Black-out)

CENA XV

(Casa de Alfredo e Cora. A televisão já está consertada e funciona.)

CORA - Alfredo! O nosso Marcelo de volta!? Eu nem posso acreditar!

ALFREDO - O telefone tremia na minha mão!

CORA - Em homenagem a ele nós temos flores vermelhas e maionese de atum...

ALFREDO - Ele vivia olhando para as flores vermelhas que você comprava...

CORA - E como gostava de maionese. Eu fazia todas os domingos. Lembra-se?

ALFREDO - Você hoje está especialmente bonita!

CORA - E você então... De terno preto e gravata vermelha! Não está se achando um pouco janota, não?

ALFREDO - Eu não sou tão velho assim...

CORA - Alfredo?

ALFREDO - Que é?

CORA - Hoje eu estou com uma vontade louca de dançar.

ALFREDO - (faz uma mesura) Estou às ordens!

CORA - E música, nós nunca tivemos vitrola!

ALFREDO - Quem sabe se há algum musical na televisão?

CORA - (muda de canal. Ouve-se um musical de música jovem)

ALFREDO - Essa?

CORA - o que se vai fazer?

(Alfredo e Cora começam a dançar num passo de valsa, muito sem jeito e completamente fora de ritmo. Subitamente a música começa a se distorcer, até que se ouve em alto volume “Danúbio Azul”)

ALFREDO - Eu tenho uma surpresa.

CORA - Qual?

ALFREDO - Eu esperei até começar a nossa música...

CORA - Você me mata de curiosidade, Alfredo!

ALFREDO - Pois bem, se prepare então... Eu arrumei finalmente o emprego!

CORA - (eufórica) Na prefeitura?

ALFREDO - Lá mesmo.

CORA - eu já estou ficando com as pernas meio moles...

ALFREDO - agora só falta a coragem para falar com o irmão do seu pai.

CORA - Que nada, você precisaria ter coragem se demorasse mais um pouco!

ALFREDO - Vamos dar uma volta no jardim?

CORA - Vamos meu bem...

(a valsa se transforma novamente em música jovem)

CORA - Não é possível, que ritmo mais chato!

(param de dançar)

ALFREDO - Acho que nossos passos não são muito adequados.

(muda de canal. Da televisão, marcha nupcial. Os atores da novela estão se casando)

SACERDOTE - Até que a morte os separe...

(os dois atores se levantam e se beijam. No vídeo em garrafais a palavra FIM. Aumenta-se o volume da marcha e os dois continuam a se beijar)

CORA - (emocionada) Foi tudo tão bonito!

ALFREDO - Essas novelas estão ficando melhores.

CORA - Eu estou quase chorando.

ALFREDO - Você por acaso já viu algum casamento sem chorar?

CORA - Ah!

(na televisão - Comercial. Num barraco está um casal de pobres. Estão muito tristes. De repente chega uma fada, com varinha de condão e tudo.)

FADA - Por que é que vocês moram nessa casa horrível?

MARIDO - O que é que a senhora acha?

FADA - Vocês não gostariam de morar num belo apartamento, dois quartos, sala, cozinha, área de serviço, garagem, garantida, e um lindo play-ground para s crianças?

ESPOSA - (apavorada) O que é que a senhora acha?

FADA - (sorri irônica) (piscada para os telespectadores, balança sua varinha de condão e aparece uma enorme garrafa)

MARIDO - (com uma enorme chave, abre. Tira a cortiça e desmaia)

ESPOSA - (arranca a tampa da mão dele e diz para o público, quase em lágrimas) Nós ganhamos o apartamento!

FADA - (vira-se nas suas costas, em garrafais “BEBA COCA-COLA”)

(toque de campainha)

ALFREDO - (abrindo) Meu filho! É ele Cora!

CORA - (levanta-se e fica olhando para Marcelo)

MARCELO - (caminha até a mãe e beija-lhe o rosto)

ALFREDO - (abraça o filho longamente) Até que enfim, hein filhão!

CORA - E ela?

MARCELO - Não veio ainda?

CORA - O que é que houve?

MARCELO - Nada, nós...

ALFREDO - Aconteceu alguma coisa?

MARCELO - Nós marcamos... (ouve-se três batidas na porta)

CORA - Não quero que ela me veja assim... Vou me arrumar...

ALFREDO - Eu vou fazer os aperitivos... (os dois saem)

MARCELO - (abrindo a porta) Tudo certo? Em vinte bancos?

MARCELA - (sorri) tudo, (pausa) Eles estão aí?

MARCELO - (faz que sim com a cabeça)

MARCELA - (abaixa a cabeça) Suas mãos estão frias hoje?

MARCELO - Um pouco, como sempre...

MARCELA - (segura as mãos de Marcelo) Eles estão lá dentro?

MARCELO - (afirma novamente com a cabeça)

MARCELA - Já ouviram falar de mim?

MARCELO - Já.

MARCELA - Quando é que nós vamos?

MARCELO - Daqui a pouco, primeiro nós precisamos comer uma maionese. Você tem dinheiro?

MARCELA - (sorrindo) Bastante. (pausa) Você não poderia...

MARCELO - O que?

MARCELA - Me beijar?...

(Marcelo um pouco nervoso, beija Marcela. Os dois deitam-se no sofá. Marcelo levanta a saia de Marcela e passa a mão em suas pernas. Marcela aperta as costas de Marcelo, os beijos são cada vez mais nervosos. Alfredo e Cora que iam entrando, voltam rapidamente.)

ALFREDO - (de fora) Marcelo? Você está aí?

(Marcelo e Marcela levantam-se calmamente)

ALFREDO - (entrando) Até que enfim nós a conhecemos!

CORA - É bonita, Marcelo! Marcela é o seu nome?

MARCELO - Pai, essa é minha... (olha para Marcela)

MARCELA - Namorada...

CORA - Você gosta dela?

MARCELO - Eu...

ALFREDO - Ora Cora! Talvez seja cedo para declarações... Você tem cada...

CORA - Nós vamos nos dar muito bem. Temos um quarto lindo para visitas... para Marcelo... Bem, continua do mesmo jeito...

MARCELO - (cortando) Nós não viemos para ficar.

CORA - (olha desgostosa para Alfredo, este abaixa a cabeça, Cora disfarçando) Eu fiz maionese, vamos jantar?

ALFREDO - Por que essa presa filho?

(um ligeiro escurecimento, volta a luz. Todos a mesa, Alfredo e Cora estão bastante animados)

ALFREDO - Podemos fazer o noivado no fim do mês.

CORA - Precisamos avisar todos os parentes.

ALFREDO - Os amigos também.

CORA - E só. Há anos que eu... Há! E os vizinhos...

ALFREDO - Será que eles não vão achar muito rápida essa situação?

CORA - Que achem! Nós não temos nada a esconder.

ALFREDO - Marcelo voltou Cora!

CORA - Talvez Marinho algum dia também volta... (os dois continuam falando, ouve-se no alto falante a valsa, e a seguinte gravação:)

ALFREDO - Eu tenho uma surpresa...

CORA - Qual?

ALFREDO - Eu arrumei o emprego na prefeitura... Um amigo de influência...

CORA - Eu já estou ficando com as pernas meio moles...

ALFREDO - Agora já posso enfrentar o seu pai.

CORA - E finalmente nós poderemos casar...

(na televisão: “Marcha Nupcial”. Os atores estão se beijando. O padre está no meio dos dois, sorrindo, no vídeo a palavra... FIM.)

(Marcelo e Marcela não ouvem o que seus pais estão animadamente falando, aliás, não ouvem nada, apenas se olham fixamente)

MARCELO - (coloca a mão nas pernas de Marcela)

MARCELA - (encosta seu pé no de Marcelo)

(os dois continuam a se olhar fixamente. Batidas fortes na porta)

CORA - (vai abrir, entram dois policiais)

(Marcelo e Marcela se levantam rapidamente. Marcelo para estático olhando para os dois. Marcela vira-se de costas)

ALFREDO - Vocês não podem...

1o. POLICIAL - Seu nome é Marcelo Rodrigues?

MARCELO - (olha para Marcela, abaixa a cabeça)

2o. POLICIAL - A mulher também está aqui.

CORA - O que é que eles fizeram?

2o. POLICIAL - (algema Marcelo)

1o. POLICIAL - Seu nome é Marcela Gomes?

2o. POLICIAL - Não há dúvida... É a mesma descrição!

CORA - O senhor deve uma explicação.

ALFREDO - Nós somos gente honesta.

1o. POLICIAL - Eu vou explicar...

2o. POLICIAL - Pronto.

1o. POLICIAL - Leve os dois. (os três saem)

CORA - Alguma coisa grave?

(Black-out)

CENA XVI

(Luz forte no apartamento de Marinho. Os gestos agora devem ser muito lentos. Marcelo, Marcela e Marinho como na cena XIV, isto é, Marcelo puxa Marinho para dentro da sala e Marcela está olhando. Tudo isso entretanto de um modo muito lento. Por duas ou três, Marinho escapa das mãos de Marcelo, volta à porta e fez gestos de quem chama a polícia. Marcela pega um vaso de ferro, fino e comprido, bate vagarosamente na cabeça de Marinho. Um ligeiro escurecimento no palco, após o que volta a luz, porém já mais fraca. (Toda a seqüência da iluminação, até o final da cena, deve simbolizar um cérebro que morre). Marinho põe a mão na cabeça, volta cambaleante até a porta e faz gesto de quem novamente chama a polícia. Marcela bate novamente, mais erra. Pega no rosto de Marinho. Novo escurecimento no palco, Marinho põe agora a mão no rosto. E a luz volta outra vez ainda mais fraca. Marinho dirige-se novamente para a porta, mas é puxado por Marcelo. Nesse momento os gestos passam a ser rápidos. Marcelo tenta segurar Marinho. Marcela corre e bate com toda a força na cabeça de Marinho.

(Black-out) (Volta luz bem tênue. Marinho está caído e Marcelo está examinando seu ferimento. Marcelo se mexe muito vagarosamente, quase imperceptivelmente. Luz vai diminuindo, também imperceptivelmente, enquanto isso ouve-se:)

Dois... Apenas dois.

Misto de dois.

Um homem e uma criança...

De mãos dadas.

De pés atados...

um homem...

De mãos cruzadas.

De pés atados. (Black-out)

(Marcela e Marcelo no escuro)

MARCELA - Eu tenho medo...

MARCELO - E eu frio... Muito frio!

CENA XVII

(Luz no tribunal, Marcelo e Marcela estão abraçados no chão, como na cena I. Os guardas já chegam e começam a separar os dois, porém não conseguem. Subitamente as pessoas do tribunal começam a ajudar os guardas. (jornalistas, promotor, juiz, etc) Cora continua na mesma posição, chorando e Alfredo tenta consolá-la. Um verdadeiro tumulto no tribunal, metade puxa Marcelo e a outra metade puxa Marcela... Desde o começo dessa cena deve-se ouvir o seguinte em todo o volume:)

LYN’S, LYN’S, LYN’S.

LIMPA E PERFUMA BEM MAIS.

LYN’S, LYN’S, LYN’S.

PARA OS FILHOS E PARA OS PAIS

(Em determinado momento todos param estáticos, como uma fotografia. A música também para... Marcelo e Marcela estão sorrindo!!!)

(cortina lenta)

FIM

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