quinta-feira, 11 de setembro de 2008

RESUMO TESE LIVRE DOCÊNCIA

“INTERPRETAÇÃO: UMA OFICINA DA ESSÊNCIA”

ÍNDICE

I Introdução ..................................................................................................... 2

II Os Estímulos ................................................................................................ 12

III A “Impressão Digital” .................................................................................. 19

IV Composição de Signos Teatrais ................................................................... 34

V Considerações Finais .................................................................................. 50

VI Bibliografia ............................................................................................... 54

APÊNDICE

VI I : Anexo O Texto do Ator .................................................................................... 58

I. PREMISSAS PEDAGÓGICAS E CONCEITUAIS

"Quando escrevo, falo apenas de minhas certezas... nas minhas dúvidas, entretanto, está o meu conhecimento. Espero, quando falo ou escrevo, sobre algumas das minhas certezas, que o leitor perceba, nas entrelinhas, as dúvidas que são as grandes responsáveis pelas minhas ações."

Durante duas décadas, como professor de Interpretação Teatral no Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, venho tentando, através de procedimentos metodológicos, ensinar ao aluno - ator representar, interpretar papéis teatrais de maneira que os referidos procedimentos funcionem como técnica libertária para criatividade e, ao mesmo tempo, propiciem uma grande consciência individual para a difícil tarefa reservada ao ator: a composição de personagens dramáticas.

A prática desta pedagogia, além de ter me proporcionado muita satisfação, levou-me a uma constatação, fundamental e promissora e a seus resultados espetaculares, a despeito da maior ou menor qualidade, diretamente ligada ao empenho de mestre e alunos, possuem uma constância que poderia ser assim sintetizada: apesar de experenciarem os mesmos procedimentos básicos, nos seus melhores momentos, os “espetáculos/ cenas” formalizam-se em propostas artísticas diametralmente diferentes, sem prescindir de uma certa qualidade orgânica e teatral.

Tal constatação é fundamental, porque trata-se de uma hipótese que tenho perseguido desde o início de meu trabalho e promissora, porque sinto a necessidade de documentá-la e de transformá-la em um instrumento didático para servir de estímulo criativo não só aos atores, como aos professores que, como eu, abraçaram este fascinante, mas difícil ofício. A pergunta que me fiz ao encetar a presente pesquisa foi a seguinte: Como ensinar Interpretação Teatral para alunos atores de uma Escola de Teatro, em nível universitário, com oito aulas semanais.

Este projeto, portanto, é decorrência direta de um praxis criativa que envolveu mais de uma centena de alunos – atores e, quase a mesma quantidade de cenas que, praticamente cobriram todo o repertório mais conhecido do teatro ocidental, desde Sófocles, passsando por Shakespeare, (freqüentemente), chegando aos mais recentes como: Lorca, Sartre, Harold Pinter, O’Neil, Tennessee Williams, Ionesco, Brecht, Becket, Arrabal, Fassbinder, etc, e ainda quase todos os principais autores nacionais. Em resumo, se pensarmos que a média anual de duração dos exercícios é de três horas, observei meus alunos, cerca de, seiscentas horas no palco, em espetáculos que, num mesmo período, assumiram estilos de formalização completamente diferenciados. Desde cenas com filigranas miméticas (“Ricardo III”, “Anjo de Pedra” ou “Virgínia Wolf”) onde se disfarçava o signo gestual, até exercícios onde se cultuou a convenção consciente (“Electra Enlutada”, “Macbeth”, ou “Antígone). Cenas onde o texto era dito “ipsis literis” (“Navalha na Carne”, “A Lição”, ou “Um Bonde Chamado Desejo”) ou formalizados através de adaptações, que acabaram por se transformar em novas dramaturgizações (“Entre Quatro Paredes”, “As Bruxas de Salém”, ou “Hamlet”).

Este projeto de sistematização pedagógica, portanto, não se baseia apenas em uma reflexão, mas em uma necessidade da prática do fazer teatral, assim definida, com muita clareza por um dos primeiros e grandes professores do teatro moderno:

“Não há leis no teatro, mas que, para trabalhar, deve-se acreditar nelas. A procura de leis pelos professores-diretores é mais uma necessidade de fazeäõdo q<�žma nece“sidadeÏñeóric‑ lo sabeéx A pedÿbogia Fo©

aluno, pois tive professores brilhantes que me deram pouca chance de brilho e tive professores menos brilhantes que me fizeram brilhar. O desafio no processo pedagógico é ensinar através da ausência. Quando se trata do ensino da expressão artística a questão se torna mais complexa, visto que em geral os cursos são ministrados por profissionais de teatro, geralmente muito criativos e com opções estéticas pessoas bastante arraigadas. Lembro-me que, quando iniciei ministrando o curso de Interpretação Teatral, simplesmente dirigia as cenas. Imaginava que o processo pessoal de criação de um espetáculo, por tabela, faria o aluno aprender a interpretar papéis. Para o aluno esse também é um processo bem cômodo, na medida em que os resultados aparecem com maior rapidez, entretanto cria sempre uma dependência, que aliás é muito comum entre atores e diretores. São típicas as frases do tipo: “Com tal diretor consigo ser um bom ator e com outros não”.‘’E exatamente em virtude disso que alguns atores sonham em trabalhar com este ou aquele nome de sucesso, imaginado que são os proprietários do resultado. Durante minha carreira acadêmica fui aprendendo a diferença entre o Diretor de Teatro e o Professor de Interpretação. O primeiro conduz os alunos a representar conforme a concepção estética do orientador artístico. O segundo, através de procedimentos básicos, leva o aluno a conhecer e, portanto, a tomar consciência do seu processo pessoal de composição de personagens, adaptável a qualquer opção estética. Em resumo: conduzi-lo, sem subordiná-los às nossas opções estéticas. Para mim esta, nem sempre, foi uma tarefa fácil. Minha contribuição estética, em muitos casos, seria aceita, visto que no momento de pesquisa há uma certa fragilidade na consciência do ator que, por vezes, se transforma em clamor, nos momentos de dificuldade. Entendo que essa ausência só se consegue quando se tem a verdadeira vocação do ensinar. É essa ausência altruísta e, mesmo dramática, durante o processo de composição, que deve caracterizar o professor de Interpretação Teatral. Os grandes mestres sempre enfatizaram essa liberdade para o ator.

"Para melhor avaliar o meu método que recomendo(...) que observem (...)há o diretor de talento excepcional, que mostra aos atores como devem representar seus papéis. Quanto mais talentosa for sua demonstração, quanto mais funda a impressão que ele fizer, tanto maior será a escravização do ator. (...) Cada ator deve produzir o que pode, sem correr atrás daquilo que está além de sua capacidade criadora. Uma cópia ruim de um bom modelo é pior do que um bom original de traçado medíocre. Quanto aos diretores, só podemos aconselhá-los a não impingir nada a seus atores, a não lhes oferecer tentações fora do alcance de sua capacidade (...) Agora, portanto, já lhes expliquei o que se faz na maioria dos teatros, e também o segredo particular de meu método, que preserva a liberdade do artista criador. Comparem e escolham!” [1]

Estou totalmente convencido de que o engajamento, para o ator moderno, deve ser entendido como opção pessoal durante o ato de formalização de construção do texto de representação, ou discutidas com o diretor do espetáculo. Penso que essa opção faz, do aluno, um ator consciente de seu processo metodológico e, ao mesmo tempo, um verdadeiro artista porque deve encontrar maneira ímpar de expressar a sua teatralidade.

Como em geral a cena é feita por dois ou três atores,[2] que devem discutir essa teatralidade, realizando pequenas adaptações, de maneira que a criatividade individual não prejudique o trabalho do grupo. Interessante que esse era um dos pontos que mais me preocupava durante a elaboração desse Projeto Pedagógico, pois durante a fase de formalização, sempre há uma cobrança maior da minha presença. A prática, entretanto, tem mostrado o contrário. Parece que da maneira como se relacionam nos exercícios básicos( se executados corretamente) acabam fazendo, durante os mesmos, uma discussão sobre as futuras configurações. Na hora da formalização bastam alguns acertos e conseguem instituir uma estética conjunta.

Quais seriam, portanto, os parâmetros e os limites de atuação de um professor de atores? Sobre o assunto, acho muito pertinente a análise etimológica sobre o ato de ensinar feita por Sybil Moholy-Nagy:

“A raiz do verbo inglês ‘to teach’ deriva do gótico ‘taiku’, signo (hoje em dia, ainda se utiliza em inglês a palavra ‘token’ com esta significação). A missão daquele que ensina é observar aquilo que passa despercebido aos outros. Ele é o intérprete dos signos”. [3]

O que significaria “conhecer os signos, interpretar os signos”, no caso específico do professor de Interpretação Teatral. Acredito que estaria ancorado exatamente, no estudo de procedimentos fundamentais a respeito dos princípios básicos que sempre nortearam a arte do ator. Leituras e experimentações constantes dos referidos procedimentos, a avaliação de sua eficácia para culminar como a criação de procedimentos adaptáveis às circunstâncias histórico-geográficas e institucionais reais disponíveis. Foi o que tentei fazer nestes vinte anos de trabalho com alunos-atores. Errei e acertei, tive precaução e coragem, fui céptico e crédulo, corriqueiro e criativo, monótono e entusiasmado. Entretanto uma esperança, fundada na presunção de que, a cada período letivo, errei menos, fui mais corajoso, menos céptico, mais criativo e continuo cada vez mais entusiasmado.

Atualmente os principais diretores-professores são confessos estudiosos dos principais procedimentos metodológicos históricos, principalmente aqueles ligados ao contexto acadêmico. O mais significativo exemplo atual, sem dúvida, é o de Jerzy Grotowski que, ligado a uma instituição acadêmica, a Escola de Teatro de Cracóvia, na Polônia, “(...) aprofundou todos os conhecimentos que se pode ter das técnicas do passado: Delsarte, Dullin, Stanislavski, Meyerhold, Vakhtangov, Artaud, Brecht, o teatro japonês, chinês e indiano.”[4]

Em nenhuma hipótese, entretanto, deve-se “adotar” esta ou aquela metodologia visto que sempre, foram (ou são) formuladas por diretores profundamente comprometidos com estéticas pessoais e experimentadas por atores que viveram (ou vivem) em contextos históricos, sociais e geográficos distintos. Além disso, algumas ênfases em determinadas fases do processo são, em geral, muito particulares (vide a Teoria dos Ressonadores Acústicos de Grotowski) e, como o ensino de arte em geral, o ensino da Interpretação Teatral é sempre individualizado... Cada aluno possui características muito próprias, fazendo com que seu tempo ou modo de aprender, mesmo que fundados em bases comuns, adquiram ao longo do processo, as marcas desta especificidade. “(...) A arte do ator, independentemente da escola a que ele pertença, não pode se calcar exclusivamente numa teoria rigorosa. (...) Vilar insistia em afirmá-lo, e no entanto ninguém era menos cético que ele: - Não existe técnica da interpretação, mas práticas, técnicas. Tudo é experiência pessoal. Tudo é empirismo pessoal” [5]

Sem adotá-las integralmente, por outro lado, minha aproximação com os principais métodos, ou com as indicações de procedimentos, foi em primeiro lugar, de abertura em relação aos mesmos, sem preconceitos que, geralmente, advém de algumas formalizações espetaculares feitas pelos grandes mestres.

A visão, por exemplo, distorcida do “Sistema Stanislavski” levou muitos analistas à conclusões precipitadas e errôneas, na medida em que confundiram o seu trabalho metodológico da primeira fase, principalmente, com suas opções estéticas de formalização. “Aqueles que pensam que buscávamos o naturalismo em cena estão enganados. Jamais nos inclinamos para tal princípio. (...) O que nos motivou foi a busca da verdade, a verdade do sentimento e da experiência.” [6]

Foi o mesmo preconceito que levou, também a título de exemplo, a crítica norte - americana Odette Aslan, a fazer a seguinte classificação relativa a história da formação de atores:

“Formação Tradicional - cada geração deixou, em relação a uma personagem clássica, uma estratificação de detalhes. Lekain dizia o primeiro ato assim, Talma, o segundo de outro jeito. O ator se vê diante de uma personagem-robô construída com informações sucessivas. Para exprimi-la, ele "tira" o texto e "fala" com os outros atores. (...) Stanislavski - Com a biografia da personagem estabelecida nos ensaios, cria-se uma projeção imaginária, um pouco o fantasma ideal de que fala Dullinn, a quem o ator empresta seus braços, suas pernas, seu corpo e sua respiração para animar esse modelo sem contaminá-lo por sua própria personalidade.

O ator se apaga diante da personagem, representa um texto mais um sub-texto (motivações, objetivos), reage com os outros atores apagados diante de suas personagens.(...) Grotowski absorve a personagem, repensa-a e exprime-a englobando-a em uma projeção de sua própria personalidade. Ele cria uma partitura texto mais sub-texto associações, estímulos, processos psicofísicos, fixação de signos (...)”[7]

Na minha opinião, seguindo o Método Stanislavski, o ator não se apaga perante a personagem. Trata-se exatamente do contrário, os sentimentos são do ator, o corpo é do ator, apenas a situação é um dado da personagem. Da mesma maneira estão implícitos no “sistema”, os procedimentos que levam o ator à criação de uma partitura composta de signos teatrais. O que me parece é que a opção estética do mestre russo fundamentada na não explicitação de tais signos foi simplesmente entendida com uma ausência dos mesmos no processo de formatação de seu ator.

Minha abertura em relação às metologias não significou a busca de um sincretismo confuso, ou mesmo o pinçamento dos exercícios propostos.

Durante todos esses anos procurei levar em conta critérios bastante seletivos para concretizar a presente pesquisa. No decorrer de minha exposição creio que todos eles ficarão plenamente claros. Eis alguns:

Separar o trabalho de “preparação do ator” isto é, de sua formação básica de treino corporal, vocal, etc, das “ações, procedimentos e exemplos de exercícios” executados para a composição da personagem, que são os objetivos específicos de um curso de Interpretação. Por sorte meu trabalho acontece em uma Escola de Teatro onde outras matérias tratam destes fundamentos básicos e que, na minha opinião, deveriam fornecer aos alunos, através de treinamento específico, o conhecimento de suas estruturas de funcionamento afim de que pudessem ampliar os repertórios de articulação no tempo e no espaço. Infelizmente, na maioria das Escolas, os fundamentos básicos são ministrados de maneira desassociada do projeto de Interpretação Teatral. Como resultado os alunos-atores não costumam fazer a ponte entre os fundamentos e a sua aplicação criativa. Não é culpa de um ou outro professor, mas sim da própria estruturação dos cursos que coloca professores em contato individual com alunos em horários diferenciados. A solução talvez esteja na formação de Laboratórios Teatrais que integrem os especialistas. Entretanto isso seria um assunto para uma próxima pesquisa. [8]

Tentei resolver o problema da preparação corporal, por exemplo, integrando alunos de pós-graduação especialistas para que, afinados com a hipótese do projeto, trabalhassem livremente com os alunos.

No meu processo pedagógico, sempre dei preferência ao estudo e experimentação de sistemáticas originais (em lugar de seguidores confessos) cristalizadas em texto formal. Isso não quer dizer que tenha me tornado especialista em tais sistematizações. Estudei-os na medida de minhas necessidades. São os que chamaremos de professores/ diretores. Os mais importantes e fundamentais, na minha opinião, foram, (ou são), Stanislavski, Grotowski e Eugênio Barba.

Stanislavski, sem dúvida, continua sendo o mais completo, a tal ponto que, qualquer que seja um pesquisador da arte de interpretar acaba, obrigatoriamente citando-o, para seguí-lo, confrontar-se ou contradizê-lo. Seus seguidores são tantos que seria impossível enumerá-los. Apenas à guisa de exemplo: os Americanos do Actor’s Studio, Mikel Tchecov, Eugênio Kusnet no Brasil e, quase todos os professores de interpretação que, menos confessos, acabam por se apegar às bases do seu ensinamento.

No início, por conseqüência direta do exposto acima e, como a grande maioria dos professores de interpretação, tentei entender, aplicar e aprofundar os procedimentos prescritos pelo “Sistema Stanislavski”. Aos poucos percebi que a ligação com outras sistemáticas ou indicações era inevitável. Apesar de pouco enfatizados, alguns princípios daqueles que o contraditavam (Meyrhold, e Brecht, por exemplo) estavam implícitos, quase que de maneira inconsciente, no “Sistema”. Por outro lado, percebi que as ênfases de tais sistematizações ou outras indicações de procedimentos propiciavam abertura para outras possibilidades de formalizações, de opções estéticas, que não foram objeto de preocupação de Stanislavski. (Ou quem sabe tenham sido do professor, mas não do diretor). Ficava cada vez mais evidente, que as importantes sistematizações foram menos contraditórias e mais complementares entre si.

A segunda cristalização metodológica, a meu ver, também bastante completa, aconteceria muitos anos depois, na década de sessenta, com Jerzy Grotowski, (falecido recentemente na Itália). Sua pesquisa, nos anos sessenta, nasceu primeiro da experimentação e depois do confronto com Stanislavski. Se suas preocupações estéticas e, mesmo seus objetivos metodológicos explícitos são diferentes. Grotowski entende que sua diferença essencial com Stanislvski estaria no fato de que no método do mestre russo a personagem seria um fim e de que no seu processo seria um meio para desvendar o ator. Como sempre digo a diferença não é tão grande, apenas as ênfases são contrárias. As bases, entretanto dos dois sistemas são as mesmas. "Grotowski procurou sempre a ' verdade artística' o mesmo elusivo componente que inspirou o método stanislvaskiano" [9]

Modernamente não se pode negar a evidente contribuição de Eugênio Barba que, fruto do laboratório de Grotowski, de quem foi colaborador, conseguiu sistematizar as ações e procedimentos que estavam implícitos nas declarações e nas descrições dos exercícios físicos propostos pelo mestre Polonês. Barba acabou por criar um dicionário que analisa com
clareza excepcional os principais procedimentos que obrigatoriamente deverão ancorar a formação do ator contemporâneo. Sua sistematização também tem o mérito de abrir perspectivas para novas pesquisas, sem a necessidade tão “monastérica” que o método da Escola de Cracóvia obrigava. Na verdade ambos conseguiram a concretização práticas de conceitos estéticos sugeridos por estetas, poetas e visionários como: Artaud, Appia, Gordon Craig, Diderot dentre outros que, indubitavelmente, fundam a visão contemporânea da arte cênica. que, por sinal, citarei constantemente na elaboração dos procedimentos desta pesquisa.

Num segundo patamar a análise e alguma experimentação de ações, procedimentos e exercícios ou mesmo de indicações importantíssimas, mas que não se configuraram, como metodologias completas de interpretação. São exemplos fundamentais, nesta linha, o trabalho de Meyrhold e Brecht.

Ainda não podia deixar de lado, em um terceiro momento, declarações isoladas sobre procedimentos de abordagem da personagem feitas por grandes diretores que, de maneira ou outra preocuparam-se em ancorar suas opções estéticas no trabalho do ator . A lista aí é extensa e qualquer citação cometerá, certamente, injustiças imperdoáveis . E, para que não me perdoem aí vai minha lista: todo o “Cartel Francês”, Evreinoff, Max Heinhart, Tairov, Jouvet, Villar, Peter Brook, Piscator, Ariane Mouchikin, Joseph Chainkin, Julien Beck, Lebel, Dario Fó etc. No Brasil, além de todos os italianos que estiveram pelo TBC, Ziembinski, Augusto Boal, Antunes Filho, José Celso M. Corrêa, etc.

Esta espécie de “peregrinação” pelos ensinamentos de interpretação teatral me levou, aos poucos, a perceber que, quase, falavam da mesma coisa, com suas ênfases pessoais. Percebi, ao mesmo tempo, que minha constatação não era nada original, veja-se as próximas afirmações:

“Não podem haver, em arte, métodos proibidos; existem somente métodos mal empregados.” [10]

“Considerar a possibilidade de uma base pedagógica comum, mesmo de maneira abstrata e teórica, não significa, de fato, considerar um meio comum de fazer teatro. ”As artes”, escreveu Decroux, “parecem-se entre si por seus princípios, não por seus espetáculos.”[11]

Aos poucos não conseguia mais falar em nomes mas em procedimentos, os quais eu não conseguia mais identificar a paternidade .

Chamei minha pesquisa de “Oficina da Essência”, baseado em um princípio, segundo o qual , antes do comprometimento com a formalização de estéticas muito individualizadas os grandes diretores pensaram nos princípios essenciais que regem a arte do ator.

Neste sentido endosso, por sua abrangência e abertura, a classificação, de Richard Scherchner, que estabelece cinco tipos de formação

de atores, mas ressalta, com muita pertinência, que nem sempre existem separadamente:

“(...) l. interpretação de um texto dramático: (...) o ator não é o autor primário ou guardião do texto. Ele é o transmissor. E você deseja um transmissor que seja transparente, o mais claro possível. (...)

2. transmissão de um texto de representação: ( ...) O texto de representação é o processo total de comunicação de muitos canais que compõem um espetáculo.(...) (...)Existe como um conjunto de palavras inextrincavelmente tecido em música, gesto, dança, métodos de recitação e de vestimenta. Devemos olhar o “Nô” não como a realização de um texto escrito, mas como um texto total de representação, onde componentes não-verbais são dominantes durante partes da representação. (...)

3. transmissão de segredos: (...)é a preservação do conhecimento secreto. Os métodos de representação são valiosos e pertencem a famílias especificas ou a grupos que guardam cuidadosamente seus segredos.(...)

4. auto-expressão: (...)Este gênero de treinamento se especializa em trazer o intimo para fora – ele está mais interessado em psicologia do que em comportamento, e está presente no trabalho de Grotowski, de Stanislavski e do Actor’s Studio. A expressão pessoal está intimamente entrelaçada na interpretação de textos dramáticos. Assim temos o Hamlet de Olivier, Burton, Brando, Langella, mas não o Hamlet da Inglaterra ou da América ou do Canadá. O ator atravessa o papel(...)

5. formação de grupo: (...)Em culturas com tradições de representações coletivas o grupo é a corrente principal. O grupo é biológico ou sociológico. Seus vínculos são muito fortes. E o seu líder é um “pai” ou uma “mãe”, que ensina as “crianças”. Os grupos fundem-se na mais forte fidelidade que uma cultura pode oferecer. A iniciação não é distante das técnicas usadas por Grotowski.” [12]

Eu diria que, deixando de lado, a “formação de grupos” e a “transmissão de segredos”, que partem de pressupostos éticos e ideológicos muito particulares e que não se adaptam à Universidade, pelo menos na situação em que ela se encontra hoje estruturada, que os outros três tipos de formação não são excludentes, mas complementares, ou relacionam –se com as opções estéticas dos atores ou dos encenadores.

Entendo que estes três tipos de formação, ou seja, interpretação de um texto dramático, transmissão de um texto de representação e auto-expressão possuem bases semelhantes. Na verdade o texto de representação, quando toma-se, como princípio do processo de criação do ator, um texto dramático, vai surgir exat procedimentos preconizados por vários dos teatralistas, que pensaram no teatro como linguagem cênica e propuseram que o ator construísse uma partitura de signos expressivos. E não precisamos buscar tais procedimento apenas no Oriente. Estou falando de Meyerhold, Appia, Graig, Artaud, Brecht etc. Por outro lado acredito, cada vez mais, que é praticamente impossível, depois de Stanislavski, e seus seguidores (incluindo Grotowski), a presença do ator sem permear a personagem, de maneiras e intensidades diferentes. Expressões como organicidade, tanto fizeram falta para alguns dos espetáculos de Meyerhold, como fazem hoje, quando não sentimos, de maneira ou outra, a contribuição pessoal e íntima do ator para a expressão da personagem. Realmente , não tenho duvidas, “elas se sobrepõem.”

II – AÇÃO A:

OS ESTÍMULOS: CONFIGURAÇÃO E DETALHAMENTO INICIAL

“Se eu tivesse que dirigir um jovem que quisesse interpretar Shakespeare (...) eu pegaria a peça ato por ato e, dentro de cada cena, em cada gesto, em cada som eu mostrar-lhe-ia um espírito, o espírito que está latente. Depois, nos rostos dos atores, nas suas vestimentas, no cenário, com a ajuda da luz, da linha, da cor, do movimento, da voz e de todos os meios possíveis que dispomos (...) eu evocaria a presença desses espíritos”.

Gordon Craig

A.1. Premissas Conceituais

Para esclarecer conceituais que ancoram esta Ação inicio este capítulo falando a respeito de minha rotina de trabalho...

Todos anos, quando inicio meu curso de Interpretação Teatral, no Departamento de Teatro da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, vejo-me diante de alunos que querem aprender a representar. São pessoas muito diferentes umas das outras...Sempre muito jovens, com marcas culturais e sociais comuns, mas cada uma delas com uma singularidade impar, formada a partir das percepções de cada instante, de cada fração de segundo, do tempo já vivenciado. Todos, com exceções tão raras que não devem ser levadas em conta, querem representar. Representar, portanto é um ato de livre arbítrio, é a alavanca que nos colocou na referida situação. Os motivos que levam alguém a querer representar foi discutido até a exaustão por psicólogos, sociólogos, filósofos, enfim por todas as áreas que tratam das ações humanas. Esse desejo passa pelo narcisismo, necessidade de mudar o mundo, busca de fama e riqueza, prazer pelo jogo, enriquecimento humano, ou por tudo isso junto. Normalmente não faço essa pergunta, mesmo porque muitos alunos nem imaginam a resposta. Prefiro descobrir durante o processo da aprendizagem e guardo a resposta comigo. Qualquer que seja, entretanto o motivo pessoal, a ética da aprendizagem, do processo, é única: disciplina e respeito humano.

Da resposta positiva em relação à primeira pergunta, vem de imediato a segunda: Representar o que?

Quando faço esta pergunta observo, invariavelmente, os olhares dos alunos-atores ansiosos pela resposta. A situação é de uma lógica exemplar se levarmos em conta o fato de que tudo pode ser representado. Daí advém a primeira opção, ato necessário para a continuidade do processo criativo. O aluno, logo no início adquire a consciência de que o ato de criação implica sempre, em qualquer fase do processo na obrigatoriedade de atos opcionais. Pensando sempre no processo pedagógico que deve permitir o desenvolvimento da criatividade dos alunos – atores não devo, como professor, fazer esta opção.

O estímulo pode ser (o que acontece via de regra no teatro em geral) um texto dramático, um texto literário, imagens isoladas ou em seqüência, músicas, impressões pessoais do mundo, gestos inconscientes, um roteiro de rubricas, etc.

Devido á urgência do início do processo, estamos falando de um curso normal de interpretação,[13] sugerimos que em duplas ou trios procurem os referidos estímulos em textos dramáticos, em personagens que realizem ações dramáticas, em uma cena de aproximadamente vinte minutos, visto que interessa o trabalho qualitativo e exemplar do processo de interpretação o qual, depois de experimentado em detalhes e conscientizado pelo aluno – ator, deverá servir de exemplo para outros desempenhos.

Outros tipos de estímulos necessitariam de uma fase, mais ou menos longa, de pesquisa para a criação de ações dramáticas. Se o estímulo fosse, por exemplo, um gesto captado por uma foto, uma obra pictórica ou uma seqüência musical, teria o aluno ator de realizar o desdobramento no tempo e/ou no espaço do referido estímulo, visando a concatenação dramática, que nem sempre é artifício de domínio dos atores. Estas opções poderiam causar dúvidas no intérprete a respeito dos resultados, ou seja, se conseguiu criar a concatenação de ações com qualidades dramáticas, condição essencial para a realização do processo de Interpretação Teatral.

Na verdade esta questão sobre os males ou benefícios de se partir de um estímulo dramatúrgico, acredito estar um pouco desatualizada. Talvez seja resquício dos anos setenta, quando se arraigou uma espécie de ojeriza pela palavra, pelo texto. Quem, ao meu ver, configurou de maneira bastante didática e elucidativa, a polêmica, foi Eugênio Barba:

“O ‘texto’ do texto é o seu componente de concatenação, e o ‘palco’ do texto é seu componente de simultaneidade, os aspectos diversos e freqüentemente contrastantes, mas co-presentes, que emergem na personagem e literalmente o enriquece.(...) A palavra “texto”, antes de se referir a um texto escrito ou falado, impresso ou manuscrito, significa “tecendo junto”. Neste sentido, não há representação que não tenha “texto”. Aquilo que diz respeito ao texto (a tecedura) da representação pode ser definido como “dramaturgia”, isto é, drama-ergon, o “trabalho das ações” na representação. A maneira pela qual as ações trabalham é a trama. A lista poderia ser longa. Não é tão importante definir o que é uma ação ou quantas existem numa representação. Importante é observar que as ações só são operantes quando estão entrelaçadas, quando se tornam textura: “texto”. A trama pode ser de dois tipos. O primeiro tipo é conseguido pelo desenvolvimento de ações no tempo por meio de uma concatenação de causas e efeitos, ou através de uma alternância de ações que representa dois desenvolvimentos paralelos. O segundo tipo ocorre somente por meio da simultaneidade: a presença simultânea de várias ações. Concatenação e simultaneidade são as duas dimensões da trama. Elas não são duas alternativas estéticas ou duas dimensões da trama. Elas são os dois pólos cuja tensão e dialética determinam a representação e sua vida: ações em trabalho – dramaturgia” [14]

Entendo, portanto que ao fim do processo, se ele for bem realizado, esta será uma questão menos importante. Todo o processo deverá mostrar que o ator não é, evidentemente, apenas um leitor de texto, mas deverá construir um texto do palco, articulado em três dimensões.

Aconselho, desse modo e, a prática de todos estes anos tem comprovado ser o melhor caminho, que procurem os melhores autores dramáticos, as personagens que sonharam ou que, a partir das leituras que irão fazer, escolham cenas que atendam ao prazer dramático de cada um. E, muito importante, não se acanhem ! É enganosa a afirmação de que é mais difícil interpretar as grandes personagens, pois elas, em geral, já possuem ações das mais estimulantes. Em alguns anos letivos, três ou quatro, fechei questão em Shakespeare, por exemplo, mas na maioria das vezes abri para qualquer autor de qualidade comprovada, da dramaturgia nacional ou internacional.

Como se processa esta operação de escolha inicial?

Como freqüentemente dizia Stanislavski, devemos seguir as leis da natureza, da vida. Vamos então à filosofia:

“As coisas atraem nossa atenção pelo ângulo que têm mais relação com o nosso temperamento, com nossas paixões e nosso estado. São essas relações que fazem com que elas nos afetem com maior força e que delas tenhamos uma consciência mais viva. A ligação de várias idéias não pode ter outra causa senão a atenção que nós lhes damos quando se apresentaram conjuntamente: assim, as coisas não atraem nossa atenção senão pela relação que têm com o nosso temperamento, paixões, estado ou, para tudo dizer, nossas necessidades.” [15]

Se, na vida, nós somos movidos pelos nossos desejos. Procuramos o que nos dá prazer e nos afastamos do que nos causa dor. Quais seriam estes parâmetros no teatro? Para o ator se a ação dramática representa dor ou prazer o fato não possui importância significativa, visto que para o ator representar o prazer ou a dor, significa sempre o “prazer teatral”. O critério, portanto, que deve levar um ator a adotar este ou aquele estímulo para representar é, sempre, o da qualidade dramática que o referido estímulo proporciona a ele. O problema é que a personagem não é um simples objeto e, nem está presente. Com efeito, podemos dizer que, para o ator, num primeiro momento, a personagem não existe, pelo menos, como um objeto sensível e identificável. O estímulo inicial, aquilo que chama a atenção do ator, é uma espécie de dado incompleto, um quebra-cabeça, um jogo que ele pretende completar. Se esse estímulo, por exemplo, é uma foto, falta em primeiro lugar, o movimento que é ligado ao sentido do tato, depois o ritmo as palavras etc. Se o estímulo é uma música, falta a iconografia, que é ligado ao sentido da visão, as palavras, o jogo dramático, etc. Se for uma narrativa literária, faltam, em primeiro lugar, as configurações das ações dramáticas. Em resumo, quaisquer que sejam os dados ausentes, a operação que se exige, sempre, é a da imaginação criadora.

Se o estímulo inicial for um texto dramático, normalmente o que é dado? Qual a aresta do objeto que é mostrada? Em um texto escrito para teatro, o que existe são descrições de ações, fruto da imaginação de um terceiro, quase sempre um especialista, um dramaturgo, às vezes com indicações sensíveis (rubricas) e, quase sempre, explicitando a reação das personagens através da linguagem falada, que deve ser adequada à referida ação.

“... o que "constitui" de fato a obra literária é a seqüência das unidades significativas projetadas pelas palavras e orações. A partir deste processo muito mediado e através de várias outras mediações constitui-se na mente, ou seja, na imaginação do leitor ou ouvinte, o mundo imaginário da ficção literária.” [16]

A personagem, portanto para o ator não passa de um estímulo, de uma provocação para sua arte. Da mesma maneira que algum estímulo serviu anteriormente para o dramaturgo imaginar a personagem nas situações dramáticas que descreveu. O ator, estimulado por essas indicações, vai usar o seu próprio corpo para tornar concreto e sensível o estímulo inicial. Se existe claramente um estímulo a ser realizado, por outro lado, as variantes de opções de concretização são tantas quantas pessoas tentarem realizá-lo. Ou seja, cada ator realizará sempre e necessariamente uma concretização pessoal e, portanto única.

Se, portanto, a partir de um determinado ponto A (considerado como início da série associativa), várias cadeias são possíveis, porque o sujeito escolhe tal caminho e não outro? Tomemos um exemplo ainda mais concreto: por que a partir de uma representação concreta – um pedaço de cera arredondado, amarelado, com cheiro específico, pesado, etc. – uma série associativa toma determinado rumo (a atenção concentra-se no amarelo, por exemplo), desencadeando uma série, entre muitas outras possíveis? Se todas são compossíveis logicamente, os princípios mecânicos internos são obviamente insuficientes para explicar isso. Se a atenção do sujeito se volta para a cor, deve haver algum motivo para essa escolha e a conseqüente exclusão de outros fatores.”[17]

Imaginemos então a dificuldade que se coloca para o ator, neste primeiro momento: conhecer, desvendar o objeto, já que o que lhe foi dado não passa de um indício, de uma aresta, de um estímulo. Deve depois criar esse objeto através do seu corpo e mente, ou seja, incorporar esse objeto e, como se ainda não bastasse deve transformar-se esse objeto em um dado intencional de comunicação, em um signo articulado para a percepção do espectador. São estas três ações, patamares, fases, que estabeleço como sistemática para o aluno-ator. Se entendermos a personagem como um futuro objeto a ser dado à observação, a primeira ação seria desvendar o objeto, descobrir seus estímulos, conhecer suas potencialidades. A segunda é a incorporação do objeto, torná-lo orgânico, dar-lhe existência física e concreta. A terceira é expressá-lo, transformá-lo em signo articulado para confrontá-lo, mostrá-lo, expô-lo. Para cada uma destas ações serão necessários procedimentos específicos que serão realizados através do que chamamos exemplos variáveis de exercícios, vistos que os mesmos variam de acordo com a época e a minha imaginação.

Interessante é que, justamente, eu que não acredito muito em esquemas acabei de propor um. Na verdade o ator que nos arrebata pratica essas ações e percorre esses procedimentos, inventa os seus próprios exercícios, nem sempre numa ordem muito rígida e, às vezes, sem muita consciência do que praticou. Porém, quantos anos, por vezes décadas, uma vida inteira, despendeu para adquirir essa “práxis” pessoal? O esquema, a sistemática, ensino, poder-se-ia dizer, é uma ação que visa à condensação do tempo. E quanto tempo, por exemplo, ganhamos depois de um Stanislavski.

Comecemos, então pela primeira “Ação” que chamo de “A Definição dos Estímulos Dramáticos”, ou o “O Desvendar do Objeto”. É um processo de análise que consiste em “(...) estudar a obra do dramaturgo; procurar material para utilização no trabalho criador; procurar material em si mesmo (auto-análise); preparar a alma do ator para a concepção de emoções inconscientes; buscar estímulos para os pontos que não adquiriram vida logo ao primeiro contato com a peça; estudar detalhadamente e preparar as circunstâncias determinadas”.[18]

É um patamar muito delicado, visto que, o objeto personagem ainda está fora da consciência do ator. No momento da leitura o ator posiciona-se quase que como um espectador, ou seja, o texto produz, no ator, expectativas, ainda muito gerais, promessas de vir a ser uma personagem concreta. Neste momento, em se tratando de um texto mediado por palavras, o ator é um leitor e, como qualquer leitor, vai fruí-lo pela atualização dos dados incompletos relativos ao objeto, ou seja, através da concretização sensível do mundo, ali sugerido. Entretanto a imaginação do leitor comum é demasiado passiva para que se configure como ação estimulante para o ato de representação. Para o ator são necessários certos procedimentos que estimulem a sua imaginação, que, em essência, é uma operação que consiste na capacidade de tornar presente, sensações vividas. O ator deve, sempre, constituir uma imagem. Mas o que é uma imagem? Segundo Sartre “(...) a imagem é um certo tipo de consciência. A imagem é um ato e não uma coisa. A imagem é a consciência de alguma coisa”.[19]

No caso específico da personagem teatral essa “coisa” a que se refere o filósofo francês, além de não estar presente, não existe como objeto concreto, ainda tratando de uma idéia complexa e, portanto para que o ator possa descobrir suas “qualidades”, é necessário que tenha as lembranças do que tocou, viu, ouviu, etc.

Para que enfim ele consiga seu intento de ofício que é (...) esta espécie de incorporação ou de encarnação de um ausente nos dados presentes”, deve fazê-lo com a ajuda de certos elementos emprestados à sua percepção, e que representam o papel de ‘analogon’ do objeto ausente. “(...) a imagem é de fato uma operação de toda a consciência e não um conteúdo apenas da consciência. Percebemos que imaginar é formar certo modo de relação com o objeto ausente”.[20]

Quais seriam, entretanto os “analogon” que podemos estimular no ator? Se a personagem ainda é um objeto fora do corpo do ator é preciso, neste momento, que se evite qualquer definição de formas. O trabalho das “Ações Físicas” de Stanislavski, para um ator que queira, posteriormente, eleger signos mais convencionais, o encaminha necessariamente para um certo gesto do quotidiano, na medida em que se prende a ações como: abrir a porta, entrar em um quarto, subir uma escada etc. Particularmente para esses momentos de contato inicial com a personagem prefiro as indicações do mestre russo contidas nos seus três primeiros livros. São mais instigantes menos do “how to” e, portanto mais abertas. [21] Prefiro que o ator procure contatos físicos com as estruturas dramáticas vividas pela personagem, o prazer físico que os impulsos dramáticos lhe sugerem.

Não se trata, neste primeiro momento, de um exercício de lógica, mas do encontro intuitivo com a sua própria concepção de teatralidade. “(...) o ponto principal não está na ação propriamente, mas na evocação natural de impulsos para agir(...) A alma do seu papel será moldada com pedaços da sua própria alma viva, seus desejos, as suas personagens viverão em cena e terão suas respectivas cores individuais. [22]

Neste primeiro momento, procuro afastar o ator dos conceitos já cristalizados pela crítica dos adjetivos, das opiniões, e, também, da simples trama, do eixo da “concatenação”, já citado anteriormente, para conduzi-lo logo de início, ao eixo da “simultaneidade” do palco, ou seja, o do prazer pela teatralidade pura, sensível, concreta. Tudo isso através da sua imaginação intuitiva. O estímulo dramático deve sugerir “analogon” ou, como diria Meyerhold, associações “(...) Minhas queridas associações... Procurem se inspirar nas associações de idéias. Trabalhem com elas. No teatro, eu não faço mais do que me aproximar da compreensão da enorme força que têm as associações de imagens. Aqui há um tesouro infinito de possibilidades.” [23]

Os procedimentos desta primeira ação, portanto, devem estimular no ator o desejo, senão para experimentar, para “explicitar” o seu prazer físico. O intuito é fazer com que ele chegue àquele estado de “(...) excitabilidade que constitui o agir do ator.” [24]

A comparação é, mais ou menos, como a de um exercício de improvisação que, formulado de maneira clara e excitante, faz com que o aluno-ator, ato contínuo, suba ao palco, improvisando com prazer. Quando a proposta não está clara, dramaticamente, é comum o professor ter que solicitar a presença de voluntários entre os componentes do grupo.

O processo de análise também pressupõe o detalhe. A personagem só existe em ação, momento a momento. É impossível falar do prazer físico em geral, como é impossível representar em geral.” (...) Esta expressão - "de um modo geral" - é a ruína do teatro. Seu efeito é tornar indistintos todos os perfis emocionais e impedir que um ator se dê conta de qualquer base sólida em que possa apegar-se com firmeza e confiança. (...)[25]

Condillac descreve de como a sua “estátua” forma idéias menos gerais: “Ao relancear a vista por um campo, ela percebe uma quantidade de árvores sem notar ainda a diferença entre elas; vê apenas o que têm em comum; vê que todas possuem ramos, folhas, e que estão paradas no local em que se erguem. Eis o modelo da idéia geral de árvore. A seguir, ela passa de uma para outra: observa a diferença entre os frutos; forma modelos com os quais distingue tantos tipos de árvores quantas as espécies de frutos que discerne; e ai estão idéias menos gerais do que a primeira.[26]

Detalhar significa, portanto, descobrir diferenças e, portanto nuanças dramáticas, sem as quais é impossível começar a usar o corpo em cena. [27]

A.2. Procedimentos

O objetivo principal do trabalho, neste primeiro patamar é o de estabelecer uma partitura de impulsos dramáticos diferenciados, afim de que o ator possa improvisar, jogar, brincar. Os impulsos, à medida que são submetidos às associações sensíveis devem ficar, cada vez, mais excitantes e variados até que o ator possa construir, no final desta fase, uma pré-partitura de estímulos dramáticos que devem fornecer-lhe a confiança indispensável para o uso do corpo em ação. É uma análise da personagem no tempo, ou seja, descobrir, em ação, quais são as configurações dramáticas, pelas quais passa a sua personagem. É o que chamo de “microcenas”. Stanislavski fala em situações dramáticas, Grotowski e Barba falam em partitura de ações. O ator precisa então chegara uma seqüência de microcenas de dramaticidade estimulante, mais ou menos, como se cada uma delas pudesse ser uma representada, isoladamente como um espetáculo. Brinca-se, entretanto antes com as sensações, com as percepções, com os “analogon”. Brinca-se através dos anteparos, que são substitutos da ação corporal, para não comprometer o ator com formalizações antecipadas.

Falo aqui de “anteparos” na própria acepção do termo: “(...) designação genérica das peças (tabiques, biombos, guarda-ventos, etc.) que servem para resguardar ou proteger alguém ou alguma coisa. 3. Resguardo, proteção, defesa.” [28]

Esta fase se resume no ato de, propositadamente, retardar a experimentação corporal, propriamente dita, através de jogos puros, mediados, escondidos, protegidos por outras linguagens, como: narrativa oral, música, artes plásticas, etc. Para a realização desses jogos o ator usa, como vimos, de seus “analogon”, ou seja, de seus pontos de contatos sensíveis, através de anteparos narrativos, musicais, visuais, etc.

Através dos exercícios faz uma série de escolhas, que serão fundamentais para a futura composição da personagem. O objetivo é que o ator através destes anteparos, dos pontos de contato físico, se afaste de uma análise muito cerebral, por exemplo: Para fazer o Estragon de “Esperando Godot” buscam como estímulo mostrar a tragicidade da condição humana.[29]

A crédito que, mesmo, a definição de estímulo baseada na identificação de verbos de ação, conforme sugestão de Stanislavski como: eu quero amar, eu quero enganar, são abstratas e cerebrais demais para o ator.

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A.3. Exemplos de Exercícios

Sensação esquisita a de descrever exercícios. Tentativa imperfeita de narrar o que acontece num palco. As palavras não fazem justiça. Algumas coisas são mediocrizadas, outras não ficam claras. Tenho que citar aqui o exemplo genial de Hokusai :

“Se cometi qualquer erro na descrição dos movimentos e passos, por favor, perdoem-me. Eu os desenhei como havia sonhando, e um sonho de espectador não pode conter tudo inteiramente. Se você deseja aprender a dançar, aprenda com um mestre.” [30]

Enfim e, apesar de tudo, vamos lá !

A.3.1 Anteparo – Palavras – Narrativa – Contador de Histórias

Inicio com palavras porque é a meio de comunicação menos orgânico, o mais mediado, o mais distante do teatro como ação física. Brecht usa muito desse procedimento para ensaiar seus atores. Às vezes, entretanto, pode ser uma opção estética dos atores.

O objetivo deste exercício é o de propor ao ator a narração das ações que o estimularam, falar do seu prazer em representar a personagem, como se narrasse para um público de crianças. Ter a consciência de que quando se tem o prazer de contar um fato, normalmente, se detalha o mesmo através dos aspectos sensíveis.

Na vida isso também acontece. É comum, quando acontecimentos nos excitam, nos estimulam, fazermos não só questão de contarmos tais fatos, como os contamos em detalhes, visto que nos são orgânicos e, desta maneira, detalhamos porque acreditamos no seu interesse, o que nos deixa seguros em relação à atenção que ouvinte irá nos dar. Quando o acontecimento não nos estimula, passamos pelos detalhes e falamos sobre generalidades, como se não quiséssemos cansar o ouvinte. O ator, portanto, deve preencher sua narrativa, com detalhes físicos, detalhes de percepção, de sensações. Já é um primeiro comprometimento, a primeira visão, o primeiro conhecimento da dramaticidade, uma olhada empírica sobre o prazer de viver momentos que lhe serviram de estímulo. Funciona, mais ou menos, como se os atores já nos excitassem com as promessas do que querem fazer. Quanto mais se acredita na qualidade dramática dos estímulos, mais vontade de contar, mais detalhamento de narrações ativas de percepção, de sensações que conseqüentemente, podem ser facilmente revividas, o que significa o início do processo de imaginação, ou seja, transformar em vida a memória das sensações.

Tomar consciência de que os primeiros estímulos, às vezes estão no jogo, no diálogo, em uma palavra, na sua sonoridade, em uma rubrica, em uma imagem, em um gesto e, outras vezes, na semelhança com a nossa vida, nos nossos sonhos. Entretanto eles são sempre físicos, excitam um, vários ou todos os nossos sentidos... Por isso mesmo é que ficaram na nossa memória.

A.3.2 Detalhar a narrativa: Anteparo palavras

O objetivo geral desta Ação. A, como vimos, é tentar descobrir uma estrutura de ações menores, que facilitem o desenvolvimento da narrativa. Essa operação facilita o entendimento de que ninguém é em geral, mas sempre se "é", em dados momentos... O somatório dos momentos é que constituirão a personagem. Na medida em que se conta por partes é também mais fácil fazer o detalhamento dos aspectos sensíveis. Se a cena é feita em conjunto, tentar entrelaçar o detalhamento com o do companheiro, para que se estabeleça uma primeira estrutura dos pequenos acontecimentos que mereçam um aprofundamento narrativo. Esta divisão e bastante pessoal e, varia muito para cada ator. O critério da estruturação seria apenas o de diferenciar momentos, sejam eles de variação qualitativa ou quantitativa. É uma narrativa que funciona para o ator, e para quem assiste também, como um desvendamento cronológico das ações da personagem. Se o primeiro exercício fala mais dos estímulos gerais, aqui se fala mais de como a personagem se coloca na situação e, neste sentido, os detalhes sensoriais devem aparecer, com mais freqüência. [31]

A.3.3 Trilha: Anteparo Temporal - Música [32]

Cada um dos atores deve ouvir, ao acaso, músicas, dos mais variados estilos, segundo seu gosto. Conforme associe trechos destas músicas com algum momento da cena, deve selecioná-las e compor uma trilha sonora que “contará ” a cena. A analogia pode ser com a atmosfera da cena, com o interior ou exterior da personagem, com reminiscências pessoais que remetam à cena. Na sala, os companheiros de cena se encontram, cada um com sua trilha e o seu gravador, e reproduzem a seqüência, sem usar palavras, sem desvendar os momentos a que as mesmas se referem. Depois devem reproduzir as trilhas em conjunto, numa tentativa muito improvisada de ajustar as trilhas. Devem conversar : “- Volta um pouco a sua fita., “- Posso ouvir de novo” etc. Trata-se de um exercício, essencialmente, temporal, de climas e de ritmos. É uma performance dramática sensível onde a platéia ouve o diálogo de clima dramático, o diálogo musical de cada momento. Para os atores, a opção musical é reveladora e, além de descobrirem, como acabam conhecendo qual o caminho trilhado por seus colegas de cena. [33]

A.3.4 Iconografia

Observar iconografias de todo o tipo, na media em que lembrem aspectos da cena ou da personagem, separar as mesmas. Tanto podem ser escolhidos ícones, abstratos ou figurativos, fotos, pinturas, esculturas, ou trechos de filmes. Ajustar para momentos da cena esses exemplos de iconografia, de maneira que possam fazer uma seqüência das mesmas. Encontrar-se com os companheiros de cena em sala e realizar uma exposição da seqüência, para o companheiro e para o público, enquanto usam como fundo, as músicas da trilha do exercício anterior. Compor, para cada momento, a iconografia de ambos. Não devem também improvisar visando a gestualidade dos ícones apresentados, pois poderia haver uma definição de signo que ainda é muito exterior. Trata-se agora, apenas, de procurar, através de associações, pontos de contacto com a personagem e definir uma pré-partitura de microcenas. A improvisação deverá ser feita na terceira etapa, Ação C, quando estiverem elaborando a construção dos signos.

A.3.5 Sensações variadas: Anteparo – Objetivos Variados

Definindo estímulos sensoriais para si, através de objetos variados e com o apoio de auxiliares de cena.

Para cada microcena procurar os contatos físicos com a personagem, usando para isso os cinco sentidos, as sensações que a situação sugere / ou estimula o ator. Assim procurar um odor, paladar, um som, uma imagem, um toque e contar detalhadamente para o auxiliar. O auxiliar, que deve ser um companheiro de cena, deve produzir as condições materiais para que todas essas sensações sejam experimentadas pelo ator. Assim, deve procurar algum instrumento que provoque o som sugerido, objetos que provoquem o toque requerido, as imagens que o parceiro quer ver e as especiarias que produzam o odor/sabor solicitados. A habilidade do auxiliar estará em conseguir que tais estímulos físicos provoquem no ator algumas reações físicas (sonoras e iconográficas). O ator que está sendo estimulado deve deixar levar-se demoradamente, pelo envolvimento sensorial, deixar fluir livremente as reações para que as mesmas se fixem na sua memória corporal. Depois se inverte o processo, ou seja, o que era ator passa a ser auxiliar. Ao final deste exercício os atores devem ter um encontro meticuloso com os companheiros de cena, definir claramente as microcenas e narrar ativamente em conjunto para a platéia, sem combinar ou ensaiar... Como se fosse uma improvisação da narrativa que teria como tema: o prazer de interpretar as ações da personagem. No fundo seria a repetição do exercício A.3.2., mas agora com mais sutileza. Espera-se que neste momento os atores já tenham uma base de estímulos sensíveis, relacionados aos impulsos dramáticos, para iniciar o uso do seu próprio corpo e os procedimentos de improvisação da próxima fase

III- AÇÃO B – A IMPRESSÃO DIGITAL

“Em arte dramática, também só nós existimos. Não há sala nem cena sem nós ou fora de nós. Não há espectador nem peça sem nós, unicamente sem nós. Nós somos a peça e a cena; nós, o nosso corpo vivo; porque é esse corpo que as cria. E a arte dramática é uma criação voluntária desse corpo. O nosso corpo é o autor dramático. A obra dramática é a única obra de arte que se confunde com o seu autor.” [34]

B.1. Premissas Conceituais

Depois de estabelecida a pré – partitura de estímulos teatrais – as microcenas – torna-se necessário a experimentação corporal, ou seja, a assimilação dos estímulos pelo corpo. É pessoal e intransferível. Os procedimentos desta fase tem como objetivo principal a configuração do que eu chamo de “Impressão Digital” do ator que pode ser definida como sua maneira pessoal e intransferível de reagir a estímulos físicos. A impressão radical e definitiva da sua experimentação pessoal à configuração do desempenho. Uma espécie de “dicionário” de “Potencialidades Expressivas” personalíssimas, que nascem de reações sintomáticas a estímulos físicos, propostos pelos próprios atores, segundo os “impulsos dramáticos” ou “microcenas” definidas a partir dos primeiros estímulos. Na medida em que a personagem não existe como objeto, torna-se necessário a criação do objeto , que o ator descobre em si mesmo. A afirmação portando de que a personagem é uma espécie de “bisturi” que serviria para revelar o ator, atribuída a Grotowski, não é totalmente nova e nem exclusiva. Como já dissemos, algumas princípios essenciais da arte teatral são mais ou menos evidenciados pelas metodologias. No caso do diretor polonês, a revelação do ator para si e para o público é, sem dúvida, das premissas principais que nortearam o seu importante trabalho. A partir da própria epígrafe deste capítulo de autoria de Adolphe Appia, passando por Stanislavski e seguindo por alguns mais ou menos enfáticos, constata-se de maneira explicita, ou nas entrelinhas de seus procedimentos, a consciência desta premissa. O ator não tem senão a si mesmo para se revelar. Alguns diretores por procurar, conscientemente antíteses estéticas, ou por visão deturpada do que significaria o “pessoal” transformaram-se em, quase que, psicanalistas e acabaram desgastando ou esquecendo de explicitar devidamente o conceito.

Alguns diretores chegaram até a intuir, a necessidade, num primeiro momento da organicidade, para depois buscar os signos, mas acabaram por não aprofundar suas idéias, neste aspecto. Meyerhold, por exemplo, falava da reação automática que os atores deveriam ter aos estímulos. Ora os estímulos, para o ator, são sempre físicos e atuam na sua memória corporal.

A forma não se sustenta sem a verdade pessoal, sem a organicidade. São comuns afirmações tais como: Meyerhold era o exterior e Stanislavski o interior, como se fosse possível cair em tais esquematismos. No caso, por exemplo, de Meyerhold tomam o início da sua citação: “ Se a forma é justa(...) o conteúdo, as entonações e as emoções também serão, pois que determinados pela posição do corpo”. Esquecendo-se da continuação” (...) na condição de que o ator possua reflexos facilmente excitáveis, isto é, que aos estímulos que lhe são propostos do exterior saiba responder pela sensação, o movimento e a palavra. O jogo do ator não é outra coisa que a coordenação das manifestações de sua excitabilidade (...) Mais tarde, Meyerhold mostrou-se mais circunspecto em relação aos problemas da psicologia da criação. Seu ‘sistema biomecânico’ continua a se modificar e a se enriquecer, sem jamais tornar-se um dogma. Por mais paradoxal que isto possa parecer, agora que sou ator de um teatro realista como o de Mali, onde encontrei "o método das ações físicas" de Stanislávski, se lanço um olhar pelo caminho percorrido, aceito muito mais coisas do ‘sistema biomecânico’ de Meyerhold do que no tempo em que era um ator meyerholdiano.” [35]

Mesmo aqueles que analisam o teatro através de um ponto de vista, centrado na forma, como Umberto Eco, são obrigados a admitir que no palco “(...) os signos não bastam mais: torna-se necessário o engajamento físico dos atores; ora, a arte tradicional lhes ensinou a imitar este engajamento, não a vivê-lo; e como estes signos estão gastos, comprometidos com mil entretenimentos plásticos anteriores, nós não acreditamos neles..." [36]

Sem dúvida foi Stanislavski quem, apesar de usar algumas expressões pouco precisas como espírito ou alma, formulou as bases, do trabalho orgânico, através da psicotécnia .A influência se estendeu para todo o teatro moderno. [37]

Alguns seguidores entretanto, entenderam mais, ou somente, o seu trabalho a partir da memória das emoções ,deixando de lado os estímulos sensoriais, apesar do mestre russo, entender claramente que estes seriam a origem de todo o seu procedimento.

"Parece, a principio, que o melhor material para se usar seriam os sentimentos genuínos, vivos. Que eles nos conduzem. Mas as coisas do espírito são evanescentes, é difícil fixá-las com firmeza. Com elas, não podemos fazer trilhos sólidos precisamos de alguma coisa mais 'material'. O mais adequado, para este fim, são os objetivos físicos, pois são executados pelo corpo, que é incomparavelmente mais sólido que nossos sentimentos”. [38]

Stanislavski dá exemplos claros de estímulos sensoriais quando explica como conseguiu fazer um dado momento da personagem Khlestakov: “Vou desenvolver agora meu trabalho de análise e dizer-lhes o que me impeliu. A lógica insinuou: se Khlestakov é um fanfarrão e um covarde, ele, consequentemente no íntimo, tem medo de encontrar o proprietário, mas por fora quer mostrar coragem e estar calmo. Chega a exagerar sua calma, embora sinta nas costas o olhar do inimigo e tenha calafrios na espinha."

(...) Porém o ponto principal não está na ação propriamente, mas na evocação natural de impulsos para agir.” [39]

Talvez essa visão de alguns de seus seguidores se prenda o fato de que dava ênfase, quase que, somente das impressões visuais e auditivas, deixando os outros sentidos como auxiliares. “(...) Há atores de coisas vistas e atores de coisas ouvidas. Os primeiros são dotados de uma visão interior especialmente apurada, e os segundos, de um ouvido interior de grande sensibilidade. Para o primeiro tipo, ao qual eu próprio pertenço, a maneira mais fácil de criar uma vida imaginária é contar com o auxílio de imagens visuais. Para o segundo tipo a ajuda vem em forma de imagens sonoras.” [40]

Esta redução do conhecimento ao sentido da visão é problemática porque incompleta, como explica Condillac:

“O uso pleno da visão prejudica a sagacidade dos outros sentidos (...) Quanto mais se serve dos olhos, mais seu uso se torna cômodo. Eles enriquecem a memória com as mais belas idéias, suprem a imperfeição dos outros sentidos, julgam objetos que lhes são inacessíveis e se transportam num espaço que apenas a imaginação pode preencher. Assim, suas idéias se ligam com tal força a todas as demais que quase nem lhe é mais possível pensar nos objetos odoríferos, sonoros ou palpáveis, sem imediatamente revesti-los de luz e de cor. Pelo hábito que contraem os olhos de captar um conjunto inteiro, e até de abranger vários ao mesmo tempo e julgar suas relações, eles adquirem um discernimento tão superior que a estátua dará preferência a consultá-los. Desse modo, ela se empenha menos em reconhecer as posições e as distâncias pelo som, em discernir os corpos pelas nuanças dos odores que exalam ou pelas diferenças que a mão pode descobrir em suas superfícies. A audição, o olfato e o tato, por conseguinte, são menos exercitados. Aos poucos tornando-se mais preguiçosos, deixam de observar nos corpos todas as diferenças que antes distinguiam, e perdem sua sutileza na proporção em que a visão adquire mais sagacidade.” [41]

São muito divergentes as conseqüências artísticas em se associar pontos sensíveis de estimulação do próprio corpo para servir de base a organicidade da personagem, ou usar de suas próprias emoções, de fatos intensamente vividos para que, por analogia, sinta as emoções sugeridas pela personagem. Foi essa entretanto a visão que os americanos tiveram do “Método”.

“A ‘memória das emoções’ aliás, “ é o cavalo de batalha de Strasberg do Actor’s Studio , a chave mestra do Método, o ponto criticado por seus detratores. Para sentir e exprimir em cena a emoção da personagem ( ... ) explodir uma emoção real apelando para as lembranças pessoais, evocando a emoção sentida em um caso análogo aquele a ser representado. Não se atua mais (...)revive-se o que foi, o que nos atingiu assaz profundamente outrora, para que a simples lembrança ainda nos emocione. Trata-se de despertar cada noite um trauma enfurnado na memória, de exumá-lo a fim de desenvolver diante do público um paroxismo emocional, qual um trapezista que reúne todas as suas forças para tentar o salto mortal.” [42]

A despeito, portanto, de alguns equívocos o conhecimento da personagem, obrigatoriamente, se dá através do corpo e este possui memória própria e diferenciada.

Através da citação de três grandes pensadores, acredito ficarem mais claras as premissas conceituais desta “Ação”.

Em primeiro lugar a reflexão de Husserl deu a base para que eu identificasse o conhecimento humano ao do conhecimento da personagem:

“ (...) a experiência do outro me é como que ensinada pela espontaneidade de meu corpo. Tudo se passa como se meu corpo me instruísse a respeito daquilo que a consciência não seria capaz de me ensinar, pois ele retoma por sua própria conta as condutas do outro, realiza com elas uma espécie de “acoplamento” ou uma “transgressão intencional” sem a qual jamais teria a noção do outro como outro. Assim, o corpo não mais se reduz a um objeto ao qual minha consciência está exteriormente ligada; é para mim o meio de saber que existem outros corpos animados; o que significa que seu próprio vínculo com minha consciência é mais essencial, é um liame interior.”[43]

Portanto se na natureza e conhecendo que o homem se conhece, no palco acredito que o ator também se conhece melhor a partir do encontro com a personagem.

“A necessidade emergente entre ator e texto ocorre desde o período de ensaios, onde a criação do papel é minuciosamente trabalhada, calculada para que, no instante da apresentação, a metamorfose aconteça e o personagem tenha vida. Poder-se-ia dizer que, quando o ator emprega seus esforços para compor o personagem, seguindo as coordenadas do dramaturgo, à medida em que o vai criando, o personagem também vai sendo desvelado, como se já fosse uma entidade à espera de ser descoberta." [44]

Mas afinal, para aonde caminhamos, qual o objetivo maior de todo este jogo operacional que nos leva a representar papéis? Não poderia faltar o suporte ético para todo este esforço. Estamos falando de educação, formação humana.

“O ator, ao disfarçar-se, revela a essência do homem. (...) Ou segundo Nicolai Hartmann, (...) é somente no expandir –se e autoperder-se que a pessoa se encontra a si mesma e somente na identificação consigo mesma ela é estrutura capaz de expansão, isto é, um ser espiritual.”[45]

B.2. Procedimentos

Para operacionalizarmos esta “Ação”, no palco, reportei-me ao pensador Condillac em a sua obra “O Tratado das Sensações”, onde através de um elemento ficcional, a criação de uma “estátua” para a qual dá um por um dos sentidos, mostra-nos de maneira exemplar, as operações que produzem, não só o conhecimento, mas de que maneira tais operações dão origem a linguagem. Sua contribuição baseia-se, essencialmente, em dois pontos: uma radicalização do sensualismo e uma análise do papel da linguagem na constituição do conhecimento. Interessante é que para explicar a realidade Condillac necessitou da personagem de ficção e aqui, para explicar a personagem de ficção, procuro bases em seu estudo sobre o conhecimento humano. Como diria Stanislavski... é preciso seguir as leis da natureza. Os princípios de Condillac são exemplares para as operações do processo de Interpretação Teatral.

“Nosso primeiro objeto, aquele que jamais devemos perder de vista, é o estudo do espírito humano, não para descobrir sua natureza mas para conhecer suas operações ... remontar à origem de nossas idéias, desenvolver sua geração, segui-las até os limites que a natureza prescreveu, para com isso fixar a extensão e os limites de nossos conhecimentos e renovar todo o entendimento humano. Mostrará, estudando atentamente a formação da linguagem, que, através de um jogo de operações elementares (percepção, imaginação, memória, etc.), os homens, primeiro, estabelecem uma linguagem prática e utilitária estruturada única e exclusivamente em função de suas necessidades e segundo que, progressivamente, passam à invenção de signos não-naturais. E, nesse momento, produz-se uma verdadeira reviravolta já que, nesse nível de linguagem, é possível tratar sucessivamente o simultâneo; torna-se assim possível a análise, a qual implica um desdobramento do ato. Nasce então a possibilidade da reflexão.” [46]

Elaborei uma espécie de laboratório para a aplicação, e a realização desses procedimentos. Entendo a expressão laboratório, exatamente, no seu sentido científico, ou seja a criação de condições de simulação da experiência de vida para que o ator possa se relacionar com a personagem, de maneira semelhante ao da “estátua” de Condillac em relação ao conhecimento dos objetos.

Os atores procuram, a partir das propostas teatrais dos exercícios, simular sensações, estímulos específicos para cada momento. Numa primeira fase, usam ainda de anteparo e logo após os incorporam tais anteparos e improvisam livremente transmitindo aos companheiros de cena as referidas sensações, recebendo ao mesmo tempo as sensações enviadas pelo outro.

Esse laboratório parte, portanto, do pressuposto de que em arte o particular é sempre o que atinge o universal... Procurar uma “dança” calcada sobre procedimentos apenas técnicos corporais deixa os atores muito parecidos , como se não existisse o ser humano por detrás do corpo ficcional. É o que acontece, tanto nos clichês de interpretação do mundo ocidental, como em algumas configurações exageradamente codificadas dos atores do mundo oriental. Já os grandes atores, quando estão fora do clichê, configuram-me como muito particulares e criam uma espécie de representação única. Percebo neles, sutilezas de detalhamento que advém do individual, do pessoal. É uma espécie de memória corporal criada através de toda a experiência de vida e que consequentemente está, momento a momento, se modificando. O procedimento através dos jogos de sensações baseia se na premissa de que cada pessoa, ao mesmo estímulo sensorial, tem reações muito particulares que vão definir uma força dramática, em potência, que está na memória corporal, como uma espécie de “Impressão digital”, que vai conferir ao ator “Potencialidades Expressivas “ que depois serão devidamente ampliadas e adaptadas na busca do “signo” teatral, um corpo” significativo” e “ficcional”.

“Em resumo, os procedimentos para a consecução desta ação, são organizados de maneira a definir, para as microcenas, estímulos sensoriais a que estariam sujeitas as personagens e improvisar, com anteparos e depois incorporando os referidos estímulos, visando reações espontâneas dos atores, as “Potencialidades Expressivas”.

Todos os exercícios desta ação devem ser gravados, fotografados e depois observados atentamente, para que o ator se identifique melhor, através de suas “Impressões Digitais”.

Como texto , das fotos exemplificativas dos exercícios desta “Ação” aplicados no processo de “A Falecida”, incluirei algumas das citações, a meu ver muito esclarecedoras, de Condillac e a observação desses instantes transcritas por minha, já nomeada assistente.

B.3. Exemplos de Exercícios

Como sua imaginação perde atividade

§ 2.(...) o conhecimento dos corpos odoríferos, sonoros, palpáveis e saborosos e a facilidade de alcançá-los constituem para ela um meio tão cômodo para conseguir o que deseja que sua imaginação não precisa fazer os mesmos esforços. Por conseguinte, quanto mais esses corpos estiverem a seu alcance, (presença em cena dos objetos de anteparo) tanto menos sua imaginação se exercitará sobre as sensações que eles deram a conhecer. Assim, ela perderá atividade; mas, como o olfato, a audição, a visão e o paladar estarão mais exercitados, irão adquirir um discernimento mais fino e mais extenso. Dessa forma, o que esses sentidos ganham, ao se reunir com o tato, compensa vantajosamente o que a estátua perdeu pelo lado da imaginação.” [47]

B.3.1 Jogo de Sensações variadas

Incorporar sensações que deverão ser transmitidas para o

companheiro através de improvisação.

Construção de uma partitura detalhada de estímulos sensoriais que devem mostrar o tipo de jogo que está sendo proposto a cada instante. Afastar-se agora dos objetos... O ator deve usar o próprio corpo e voz para provocar tais estímulos... A única regra é a de que sejam sempre através dos sentidos. Haverá portanto um jogo de estímulo e reação física para cada microcena, provocando sons e movimentos totalmente orgânicos visto que dirigidos aos sentidos e ao mesmo tempo muito pessoais. O ator poderá para esta improvisação solicitar auxiliares de cena... Sonoplastas... Contra-regras, etc.

B.3.2 Estímulos auditivos: anteparo instrumentos musicais

Procurar para cada microcena um instrumento característico que simbolize o núcleo do impulso dramático...brincar de compor uma música... Usando o sonoridade do instrumento e o ritmo...bem como a sua textura de objeto... Transformar o instrumento em extensão do corpo... Partir da respiração (ritmo) usar instrumentos musicais e dialogar com o companheiro de cena através dos instrumentos

Improvisar as microcenas usando ritmo e sonoridade. Procurar o contato com o companheiro, através de composição musical ritmada.. Uso livre de qualquer instrumento/ objeto, como se fosse extensão do corpo, meio para alcançar o contato com o companheiro/ ou público.

B.3.3 Estímulos auditivos: o jogo através dos sons e dos ritmos

Incorporar os instrumentos na respiração, voz e improvisar sem os instrumentos passando a sensação rítmica e auditiva para o companheiro... A platéia deve ouvir a música e o ritmo da cena.

Conscientização de que a voz...o som ... são elementos físicos e, portanto, se propagam no espaço... Fisicalizar o som, como elemento de contato com o companheiro. O silêncio também é som. Enquanto o companheiro age sonoramente, é preciso improvisar a reação, o contracanto.

A improvisação musical deverá provocar, na medida em que conscientizada, uma dança pessoal, para cada ator. A música, e o ritmo devem proporcionar estímulos corporais para que a dança, os gestos fluam livremente.

B.3.4 Estímulos olfativos através de objetos

Improvisar as microcenas tento com base o relacionamento das personagens através dos objetos escolhidos.

Exercício de interligação dos sentidos (não esquecer o olfato) com os objetos. Escolher dois ou três objetos para cada cena, que sejam importantes para ajudar a definir a personagem em uma determinada cena.

a) Aquecimento: Importante aqui é desenvolver uma certa cumplicidade sensorial com o objeto, explora-lo sensorialmente, através dos cinco sentidos, até torná-lo uma espécie de personagem... Não esquecer de explorar o olfato, o menos intelectual dos sentidos. Trocar os objetos com o companheiro de cena. Com o objeto do companheiro, repetir os procedimentos que efetuou com o seu objeto.

b) Destrocar os objetos: Improvisar a seqüência das microcenas, tendo como base de relacionamento o compartilhamento dos objetos e seus odores. Improvisação através do contacto compartilhado do objeto. Os objetos devem se transformar em personagens inesquecíveis, marcantes.

B.3.5 Estímulo Visual

Uso de materiais de artes plásticas. Escolher qualquer suporte, papel, madeira, etc... e desenhar para o companheiro de cena, ouvindo a trilha sonora já definida na Ação A. Deixar com que o corpo, no uso de pincéis ou canetas improvise, livremente os traços e tintas... Fazer sempre para o outro... para que o outro observe. Em seguida observar o mesmo trabalho feito pelo companheiro.

B.3.6 Estímulo Visual, com incorporação do tato

Mudar os suportes para o próprio corpo e o corpo do companheiro e improvisar livremente tendo como base tintas e traços. Nesta segunda parte o visual continua sendo importante e entra muito forte o elemento táctil, através das cores e traços no corpo.

IV- AÇÃO C – COMPOSIÇÃO DE SIGNOS TETRAIS

“As idéias se dividem ainda em duas espécies: a umas denomino sensíveis, a outras intelectuais. As idéias sensíveis nos representam os objetos que agem atualmente sobre nossos sentidos; as idéias intelectuais nos representam aqueles que desapareceram depois de terem exercido sua impressão: essas idéias não diferem entre si senão como a lembrança difere da sensação. Assim, quanto mais memória temos, mais capazes somos de adquirir idéias intelectuais. Essas idéias são a base de nossos conhecimentos, tal como as idéias sensíveis são sua origem.” Étienne Condillac, op. cit., p.48

C.1. Premissas Conceituais

Como vimos, dos exercícios ligados às sensações surge uma espécie de “Dicionário Pessoal do Ator”. Um arquivo de configurações áudio-visuais nascidas, quase que, inconscientemente de seus reflexos aos estímulos sensoriais. São expressões de grande organicidade e muito verdadeiras, visto que os estímulos dramáticos, que por sua vez foram transformados em contatos sensoriais, comprometeram o corpo do ator e fizeram com que ele agisse, (reagisse) em situação associada a da personagem. O gesto inconsciente tem a propriedade de ser, em primeiro lugar, original e autêntico pois é marca registrada de toda a experiência de conhecimento e, portanto memória corporal do aluno/ ator e, em segundo lugar, muito forte, pois são reações que, na maioria das vezes surpreendem seus próprios autores. A surpresa é explicada pelo fato de que na vida, raramente são experimentadas sensações físicas tão ricas e contextualizadas por poderosos impulsos dramáticos. O ator nesta fase, supera as reações consideradas quotidianas e encontra expressões, quase que, teatrais. São essas reações, essas pérolas orgânicas, que não devem ser perdidas, as quais eu chamo de “Potencialidades Expressivas”.

A “Ação” chamada de “Composição de Signos” parte desta base, ou seja da verdade corporal. Se alguns mestres não deram grande ênfase a essa ação é porque procuravam uma antítese, estavam contra os signos vazios de conteúdo humano, os clichês, da maneira como se expressou Roland Barthes (Capítulo IV). [48]

Os atores devem observar atentamente seus exercícios filmados e fotografados e, escolher, sozinhos e depois em conjunto tais “Potencialidades Expressivas”. O objetivo desta ação é o de transformar essas “Potencialidades” em linguagem expressiva, em signos articulados. A formação da linguagem utilitária, nos seres humanos se dá, através de um jogo de operações elementares, (percepção, imaginação, memória, etc.). Para se construir, uma linguagem de signos não naturais, ou a linguagem simbólica da arte é necessário, entretanto, a abstração e, para se abstrair encontrar a essência. “(...) para alcançar uma essência é preciso começar por uma percepção(...) daquilo que foi concretamente experimentado. A visão da essência é essencial saber-se ela própria posterior às coisas donde parte. Lhe é essencial saber-se retrospectiva. (...) Se é verdade que o pensamento refletido que determina a essência ou o sentido acaba por possuir seu objeto e envolvê-lo , é também verdade que, sob outro aspecto, a percepção concreta da experiência, sempre, aqui e agora é visada pela intuição da essência como alguma coisa que a precede, lhe é anterior e a envolve”. [49]

A ação que objetiva a construção dos signos , e que envolve o estilo “(...) marca de atividade organizadora que recusaria os acasos e procuraria uma forma mais pura (...) alcançar o domínio e fazer o que se quer” [50] é um patamar dos mais delicados, porque implica em opções radicais.

Se a ação anterior era de acúmulos de formação de arquivos (reações instintivas e variadas para cada estímulo sensorial), agora o ator inicia um processo de busca da essência, segundo a conceituação de Husserl, seu trabalho incluirá adaptações que incluem desde a dilatação (limpeza e melhor configuração) dos seus próprios gestos até a transformação dos mesmos em novos estímulos que irão se encontrar ou se confrontar com exemplos externos, que considera de qualidade. “Pode-se imaginar que o que chamamos de codificação seja conseqüência dilatada e visível de processos fisiológicos” [51]

Em um ritual religioso, por exemplo, as escolhas , de certa maneira, já foram feitas. Trata-se, através da repetição das formas codificadas, privilegiar a qualidade, acabando por transformar-se em orgânica, adquirir-se assim a fé pela disciplina. No teatro o ator deve criar um novo ritual, a partir da sua própria carne, do seu corpo. E o que é esse novo ritual senão a instalação de formas codificadas, nas quais acredita corporalmente? O que é esse novo ritual, senão a instalação de um nova fé para comungá-la com o público?

Se os procedimentos para a consecução desta ação forem bem conduzidos, alguns princípios básicos que norteiam a arte do teatro devem ser levados em conta e conscientizados pelo ator. Entendo esses princípios como essenciais e não estão somente ligados à forma com que cada ator os explicita, esta sim é circunstancial e personalíssima:

· o ator é em cena uma escultura, que se movimenta em ritmo determinado e, por isso mesmo, “dança” em cena.

· possui um respiração e uma pulsação responsáveis por micromovimentos internos, que também se constituem em “dança”, por vezes aparentemente invisível, mas que dão sustentação ao seu deslocamento do ator no placo.

· emite sons que, articulados ou não, possuem além de ritmo específico, propagação no espaço.

· estes sons são produzidos por um instrumento, chamado corpo que os comunica , não só através da articulação de conceitos, mas ainda pela expressão puramente sensorial.

· a palavra propicia sensações tanto auditivas como tácteis ao companheiro de cena, ao público e, pôr isso mesmo o corpo do ator é um instrumento que “canta” e cuja melodia e ritmo embalam a atenção do público.

· o corpo do ator, mesmo em silêncio, produz sempre um “contracanto” em relação aos estímulos sonoros do companheiro de cena. [52]

· entender que pratica atos para observadores, possui o prazer de ser observado em sua ação e, em cada momento, tem plena consciência do fato

· permeado por esse olhar o seu prazer teatral vem do estabelecimento deste contato de maneira completa, ou seja, do compartilhar , a cada momento, a cada fração de segundo, com o observador, a tal ponto de abrir espaço para sua colaboração.

· repete longe do observador, até a exaustão, o detalhamento das ações afim de dominá-las permitindo-se observar seus próprios atos em cena e deliciar –se com a reação do público. [53]

A síntese poderia ser assim descrita:

O teatro é uma convenção que se constrói a partir da articulação de signos no tempo e no espaço. É um ritual que pressupõe a comunhão com o público e este ritual é comandado por um sacerdote possuidor de tal fé em suas ações e de tanta habilidade em concretiza-las que, em nenhum instante, deixa de comandar o cerimonial. Há quem, em essência contradiga estes princípios?

A primeira vista parece que estou falando de um certo tipo de teatro, de uma configuração estética muito pessoal, entretanto acredito que, de uma maneira ou outra, e com seu estilo pessoal, os atores ou diretores, desenvolvem processos que visam atender a tais princípios. A variação está no estilo de configuração do signo, que está ligado à concepções estéticas bastante definidas. Na verdade o sacerdote é quem instala os signos, basta vermos as diferenças entre os rituais religiosos. A “religião” entretanto deve ser a do ator e não a do professor.

Na arte em geral, e especificamente no teatro, as configurações possuem graus de identificação entre o que chamo de sintomático e do simbólico. Ou se quiserem entre o mimético e o abstrato. Ou se quiserem entre a explicitação da convenção e o seu disfarce.

Para explicar melhor essas diferenças há dois depoimentos:

“Eu vinha de laboratórios corporais, extremante cansativos, dentro do meu grupo de teatro, com um diretor ‘grotowskiano’ . Eram seis horas diárias. Quebrei um pé e quase tive uma lesão na coluna. Precisei fazer até regime para acompanhar as performances corporais dos meus companheiros. Imaginei que o bom teatro deveria ser uma coisa desgastante fisicamente. Imaginava-me no palco como se fosse um ‘samurai’ ou um ‘trapezista’ construindo formas arrebatantes para justificar tanto treinamento.

Fui assistir a um espetáculo, o ator era até meio rechonchudo e, não fazia nada daquilo, aliás parece que não fazia nada, apenas se aproximou de mim e, não percebi bem como, me fez chorar pelo que me comunicou, pelo teatro que ele fazia. Foi um dos melhores espetáculos que eu assisti.” [54]

A depoente percebeu naquele momento o fato de que o ator não precisa explicitar o seu trabalho através de convenções muito simbólicas. Que não precisa explicitar sua técnica como uma virtuose, de um cantor ou bailarino, que não precisa possuir um corpo de atleta. Mas não podemos esquecer de que ele trabalhou com símbolos, com técnica apuradíssima pela repetição, com uma coreografia corporal milimetricamente configurada e que a cantou e “dançou” o tempo todo. Apenas ele não fez disso o seu “show”, escondeu tudo isso para não distraí-la do seu principal intento que era emocioná-la, arrebatá-la .

“Isto eqüivale a dizer que tornar compreensível um espetáculo não significa planejar descobertas, mas esboçar, projetar represas ao longo das quais o espectador e a sua atenção navegarão, e então fazer uma vida minúscula, multiforme, imprevista, aparecer nessas represas. Os espectadores serão capazes de imergir seu modo de ver esta vida e de fazer suas descobertas.” [55]

Outro depoimento feito por uma professora de pós graduação:

“Eu jamais havia visto uma concepção tão criativa da cena. No momento do assassinato, por exemplo, quando ela levanta o punhal e vai até a platéia e ele corre atrás dela e a carrega nos braços, como se fosse um troféu... e ela estende as mãos para o alto segurando a arma, enquanto ele vai falando do assassinato... ela no alto sentindo todas as sua palavras como se

fosse um reação ao ato que está sendo praticado. Ele de costas falando o
texto e ela de frente, sentindo tudo o que o texto diz... No momento da consumação do assassinato quando ela grita e ele a puxa pela corrente que sai do meio do seu vestido, como se confundisse a dor da morte com a do parto. Confesso que fiquei arrebatada e chorei, naquele momento”. [56]

A esse respeito, como eu era o professor responsável, devo dizer que demorou algum tempo para que eles conseguissem, através desses símbolos, passarem suas verdades orgânicas. Precisaram, por alguns momentos, deixar um pouco de fazer, para se concentrar na crença de seus objetivos dramáticos. [57]

C.2. PROCEDIMENTOS

Estes dois exemplos, demonstram (gosto à parte) que a opção de formalização, sendo consciente e radical , produzirá sempre um bom teatro, independente do seu estilo.

Minha tentativa, portanto, nos procedimentos adotados para a realização desta Ação que denominei “A construção dos Signos” é a de

serem os mais abertos, quanto isso seja possível, para que o ator possa optar livremente pela estética que mais lhe aprouver. Como disse, na introdução, este intento é o objetivo principal desta sistematização pedagógica.

Os procedimentos desta fase, poderiam ser definidos como “Jogos de Opção Estética”. O intuito é provocar, nos atores, através de jogos de improvisação, a necessidade e a obrigatoriedade de experimentar os princípios por nós já enunciados, acima, e que, entendo como básicos para um teatro bem feito O meu comprometimento vai até a adoção incontinente dessas premissas que passo a resumir: o som e o ritmo, a voz e a música, a fala e a música, a música na ação, a música no corpo, a fala no espaço, o espaço dentro do corpo: o espaço fora do corpo e o gesto teatral: a inspiração de exemplos exteriores de qualidade, a dualidade ator / personagem: desejos de cada um, a presença do público, a partitura dos signos em movimento: a dança da teatralidade e a musica das palavras: a sinfonia da voz.

A experimentação dos “Jogos Estéticos”, devem realizar a reelaboração das “Potencialidades Expressivas “e o detalhamento da partitura do ator. Neste momento há sempre, em sala, um diálogo com a platéia (assistentes) e professor. A cada encontro improvisa-se a partir das propostas de configuração detalhada do “Texto do Ator” e procura-se um “feed-back” do público que funciona como observador privilegiado, porque conhece desde os estímulos que moveram a escolha da cena até a impressão, nas improvisações, das “Potencialidades Expressivas”. Não se trata de uma direção, mas de ajudar o ator para a consecução de suas promessas cênicas. São usadas expressões como: não está claro, sua concepção mudou? O professor deve ficar muito atento neste momento, pois o ator está num dos instantes mais críticos do processo de criação o que implica sempre em atos de extrema coragem e, por isso mesmo, sem tantas certezas. Qualquer resolução cênica que venha de fora, nesse momento de vôo é, em geral, aceita como rede de segurança . Depois de definida a partitura, vem a fase de repetição, detalhamento, repetição, discussão, detalhamento, repetição... etc... etc... até a segurança total em cada gesto, entonação, pausa ou, se quiserem, de cada fração de segundo de sua atividade cênica. Isto é o que sempre fizeram os atores, em seus melhores momentos.

“(..) Goethe (de quem, digamos de passagem, não gosto), declarou uma vez que os atores deviam se assemelhar a equilibristas.

Isto significa que aconselhasse ao intérprete de Hamlet que andasse numa corda bamba? Claro que não. Queria simplesmente aconselhar seus alunos a conseguirem, em cena, a mesma precisão absoluta de todos os movimentos.” [58]

Como professor, apesar de conhecer cada gesto, cada entonação, cada fração de segundo do trabalho de meus alunos e saber que eles fazem tudo com consciência total, as vezes com extrema frieza, nos seus melhores momentos, quando estão mais seguros, me surpreendem com o inesperado, com o inusitado. É como se brincassem com a precisão e, nesses instantes, do mais fundo do seu íntimo, submergisse algo extremamente novo, uma espécie de demônio, que me assusta e me emociona. Algo que, como professor não sei explicar, mas que me faz chorar.

C.3. EXEMPLOS DE EXERCÍCIOS

C.3.1 O Significado das palavras / A Espacialidade de seus sons

Como Eisenstein percebeu, no teatro japonês “escutamos” o movimento e “vemos” o som.”[59]

Voz adequada à Melodia. Espacialidade da voz - A música das palavras: a sinfonia da voz: Enquanto improvisam a situação do ritmo externo e interno nas microcenas, pinçar palavras ou trechos do texto, buscando a música e a espacialidade das palavras. Definir palavras chaves em cada microcena e procurar o significado no dicionário: trabalhar etimologicamente com o seu significado...tentar estudar seu conceito ( imagem que a palavra traz em si) Descobrir a sua sonoridade, tentar pronunciá-la com ênfase em diferentes sílabas, com pausas aleatórias no meio... para ver se o significado muda. Pronunciá-las como se fosse cada palavra uma cena .Fazer uma leitura dramática da cena...como se fosse somente isso... o que o público iria ver e ouvir...gravar a leitura e pensar no resultado... treinar com o companheiro o tom da conversa, como se fosse um dueto.... ler esse dueto....Escolher para as microcenas imagens que possam ser transpostas para a voz, já pensando também numa espacialização da mesma. A grande dificuldade é não pensar numa imagem separada, estanque, como idéia da microcena, mas numa imagem vocal física que possa provocar uma reação no outro. Por exemplo, falar uma frase como se saíssem flores de sua boca; ou como se cada palavra, cada silaba fosse uma alfinetada no outro, e por aí em diante.

C.3.2 Deslocamento e ritmo – A Marcação Orgânica

“A maior felicidade das crianças parece constituir em mover: mesmo as quedas não as desagradam. Aborrecer-lhes-ia menos uma venda nos olhos do que um laço que lhes prendesse os pés e as mãos. Com efeito, é ao movimento que elas devem a consciência mais viva de sua existência. A visão, a audição, o paladar, o olfato parecem confiná-la num órgão, mas o movimento a distribui por todas as partes, e permite gozar o corpo em toda a sua extensão.” [60]

Construir, baseado sempre na “Potencialidade Expressiva” e, para cada microcena, uma coreografia (deslocamento ritmado) que deverá se configurar como ponto de comunicação, contacto, jogo, para a improvisação. Pensar em possibilidades que vão desde os microdeslocamentos que quase se assemelham à estaticidade, até grandes movimentos que podem explorar todo o espaço arquitetônico do palco. As coreografias devem ser ensaiadas separadamente, por cada aluno/ator e depois quando se encontrarem na sala, deverão improvisar livremente tendo como base apenas os deslocamentos ritmados.

O público (professor e assistentes) observa uma espécie de “dança dramática” com significação própria. O ator começa a entender que a “marca” cênica, em primeiro lugar deve ser uma exteriorização consciente de seu estado orgânico e, ao mesmo tempo que estará constantemente dançando em cena. Esta improvisação poderá ser repetida com a inclusão de sons e até mesmo algumas palavras pesquisadas no exercício anterior.

C.3.3 Compartilhando com o público

É comum haver uma espécie de acomodação dos atores na fase de formalização no que diz respeito ao jogo de forças que ancoram as microcenas. Este exercício tem dois objetivos específicos. Em primeiro lugar saber que suas ações tem que possuir a força de “convencimento” em relação ao colega de cena, que no fundo o teatro não passa de um “jogo” de forças. Um jogo que acontece na frente de um público e que esse público deve acreditar que o “jogo” é “para valer”. Assim é que cada ator , em separado, deve definir, para cada momento, o jogo fundamental, ou seja o que a personagem quer do outro ou para o outro e nomear esses jogos. Estabelecer uma série de estratégias para conseguir seu intento... Passar para a platéia as estratégias por escrito... e através de improvisação levar até as últimas conseqüências suas estratégias... não esquecendo que o seu companheiro também estará preparado com as estratégias próprias. [61]

C.3.4 Exemplos de qualidade

George Steiner, que viu Weigel no Berliner Ensemble, relata:

“Ela voltou a cabeça e abriu bem a boca, tal como o cavalo gritante no Guernica de Picasso. Um som áspero, terrificante, indescritível, foi emitido pela sua boca. Mas, de fato, não havia som. Nada. Era o som do silêncio absoluto. Um silêncio que gritava e gritava através do teatro, fazendo a platéia curvar suas cabeças como se tivessem sido atingida por uma rajada de vento.” G. Steiner, A Morte da Tragédia, 1961) [62]

Conhecer variantes, exemplos de qualidade relativos ao trabalho de grandes artesãos da iconografia, da música e dos movimentos afim de que aumentem as opções de formalização, tendo como base, sempre, as “Potencialidades Expressivas” surgidas durante os exercícios de sensações. Trata-se de reeducar a vista os ouvidos e o tato (senso de ritmo e movimento). Pesquisar elementos exteriores de qualidade (opções estéticas) , que podem ser : iconográficos (fotos, desenhos, pinturas, esculturas, gesto), sonoros (músicas, vozes específicas, ritmos, sons instrumentais, sons ambientais), deslocamento no espaço (danças, andares característicos), filmes, peças de teatro etc. Em resumo, procurar uma elaboração mais ampliada das expressões pessoais. Criação de Signos expressivos de alta qualidade (gesto, fala e deslocamentos). Adaptar “Potencialidades Expressivas”. A partir deste exercício os alunos atores devem definir com extrema precisão a partitura final do texto do palco e sempre apresentar este texto para que o público (professor e assistentes) forneça um retorno para suas formalizações. A repetição agora deve ser feita até que a partitura esteja cada vez mais consciente e dominada, durante quanto tempo o ator tiver para tal . “ Elas podem ser separadas apenas quando a ação do ator é submetida a uma visão analítica, que as separa em partes e quando o ator compõe a ação detalhe por detalhe. Mas quando a ação é realmente feita, as posturas individuais desaparecem e o que aparece ao espectador é uma ação simples, freqüentemente em turbilhão.” [63]

V – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Manhã, como tantas outras no Departamento de Teatro da ECA. O local parece destoar da confusão barulhenta da cidade de São Paulo. Em uma sala, bastante comum, alguns jovens, em silêncio, preparam-se para uma espécie de aventura. Possuem um objetivo muito definido. Criar personagens, encontrar-se em ações humanas típicas, exemplares.

Eu me sento e os observo, absortos, em seus rituais de aquecimento físico e também me aqueço, aqueço o meu coração, a minha vocação.

Logo minha curiosidade e imaginação se agitam. Sinto-me em casa, mas numa casa que nunca é a mesma. Na oficina do meu ofício, os momentos nunca se repetem.

Um pouco ansioso, espero, pacientemente, respeitosamente terminarem o seu ritual, que não é somente físico mas, principalmente espiritual e que consiste em abrir-se para um encontro com a magia, com os sonhos, com as fantasias, com o que há de mais universal nos seres humanos.

Essa atenção, esse respeito e essa admiração pelo que fazem é o meu aquecimento.

Terminado o ritual nós nos olhamos frente a frente e iniciamos uma aventura indescritível para quem não a vive. Ela compromete e absorve a nossa carne, nossos ossos, nossa alma. Juntamos toda a coragem que possuímos e mergulhamos decididos. Uma vez iniciado o percurso, a trilha nos encaminha para que olhemos para nós mesmos, lá dentro, bem no fundo, como disse Lorca... “onde treme a escura raiz do grito”. Outras vezes temos que olhar, ostensivamente, para fora, para o mundo que nos rodeia, como se saíssemos de nós mesmos. Entretanto sempre voltamos, mais sábios, mais plenos, mais humanos.

Nesse ir e vir, muito trabalho, muita diversão e, principalmente, muita união, unha e carne.

Aos poucos e invariavelmente, como em qualquer lugar de intenso trabalho, ficam pelo chão e chega até a voar por toda a “oficina” algo, que na falta de melhor nome, chamamos de “aparas”. No fundo elas são bonitas e fazem nos acostumarmos com essa espécie de confusão. Chega um momento, entretanto, que são tantas que somos obrigados a permitir que sejam dali retiradas, definitivamente. Não temos outra saída. Nosso ofício exige escolhas cruéis, mas obrigatórias. Elas entretanto não saem da nossa memória, maravilhosas que foram. São nossas. Ninguém jamais as viu, ouviu, provou ou tocou, somente nós... em nós mesmos.

Debaixo das aparas, entretanto, começam a aparecer, difusamente, alguns esboços, alguns desenhos. Aos poucos, começam a se materializar em três dimensões... espécie de fantasmas...Nós os olhamos e eles nos olham meio indiferentemente... Esquisitos ainda com restos de aparas penduradas.

Às vezes e, nesta época, sempre tenho que abandonar a “oficina”, porque invariavelmente, quando essas “personas” começam a aparecer, tenho que estar presente e ausente ao mesmo tempo, sob pena de se criar um ambiente de discórdia e desamor entre os jovens e os esboços das personagens. De fora, relato a eles que as “personas” são veladamente, incríveis. De outro ângulo, começo a perceber alguma beleza nelas, quando o vento consegue esvoaçar seus véus.

É incrível a magia dessa aventura, e ao cabo de um bom tempo, quando estou de novo dentro da “oficina”...pasmem... como num toque de mágica, esses “seres” desaparecem, evaporam –se, escafedem –se... como demônios. Estremeço quando percebo que meus alunos também não estão mais ali...Quero dizer, estão, mas eu não os reconheço...é um pouco confuso...

Mais uma vez, num passe de mágica... as luzes se acendem. A ‘oficina’ lotada de pessoas. Entram alguns jovens, fantasiados, pintados mascarados. Habilidosamente começam a nos entreter...Aos poucos entretanto, quando as luzes ficam mais fortes, por detrás das máscaras, das tintas, dos véus, começo a perceber os sinais evidentes da identidade dos mascarados... Graças a Deus, são eles mesmos, meus alunos, cheios de vida e humanidade. Não são somente desenhos e manequins, como suponha.

Então, como no primeiro dia que os encontrei, quando cheguei na “oficina”... eu espero, junto com o público...um pouco ansioso, mas pacientemente, respeitosamente. E também participando daquele ritual, me abro para um encontro com a magia, com os sonhos, com as fantasias, com o que há de mais universal nos seres humanos. No final, me sinto mais pleno, mais humano e, por isso mesmo, me emociono e, sem perceber, minhas mãos começam a bater, fortemente, uma na outra.

Eis o que acontece, na nossa pequena “oficina”, por mim pretensiosamente chamada de “Oficina da Essência”.

Departamento de Teatro da ECA/USP, fim do verão de 1999.

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ROUBINE, Jeans - Jacques. A arte do ator. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1987.

SARTE, Jean – Paul. A imaginação. São Paulo, Difel, 1964.

SILVA, Armando Sérgio da. Oficina: do teatro ao te-ato. São Paulo, Editora

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SILVA, Armando Sérgio da. Uma oficina de atores: a Escola de Arte Dramática

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SILVA, Armando Sérgio da.(org.) Jacó Guinsburg: diálogos sobre teatro. São

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SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo, Editora Perspectiva, 1979.

STANISLAVSKI, Constantin. A construção da personagem. Rio de Janeiro, Ed.

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STANISLAVSKI, Constantin. A preparação do ator. Rio de Janeiro, Ed.

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STANISLAVSKI, Constantin. Minha vida na arte. Rio de Janeiro, Ed.Civilização

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STANISLAVSKI, Constantin. A criação de um papel. Rio de Janeiro, Editora

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STANISLAVSKI, Constantin. Manual do ator. São Paulo, Martins Fontes, 1997.

DISSERTAÇOES E TESES

BURNIER, Luis Otávio. A arte de ator: da técnica à representação; elaboração, codifiçação e sistematização de técnicas corpóreas e vocais de representação para o ator. São Paulo, Tese de Doutoramento - PUC, 1994.

VII – O TEXTO DO ATOR

Deixando de lado o critério do gosto estético (e aqui seria difícil eu criticar o resultado de um trabalho no qual estive diretamente envolvido), a observação cuidadosa dos tapes e das fotos de todo o processo de experimentação realizado com o elenco de “A Falecida”, de Nelson Rodrigues que culminou com a apresentação pública do espetáculo formalizado por uma colagem das cenas, acredito confirmar, as minhas hipóteses de pesquisa, que assim se resumem:

Através de cerca de vinte encontros semanais de quatro horas, além de tempo extra para realizar as pesquisas, jovens atores passando pelas mesmas Ações, seguindo os mesmos procedimentos e realizando os mesmos exercícios conseguem, ao término do processo, interpretar personagens que possuem em comum a organicidade, quer dizer são verossímeis para os próprios atores, na medida em que possuem as marcas de suas individualidades e, ao mesmo tempo e, exatamente por isso, são construídas esteticamente, de maneira bastante diferenciada. A originalidade e a riqueza da referida construção viriam exatamente das particularidades do processo.

Para comprovar que tais hipóteses se refletem nos resultados, devo fazer uma demonstração da composição final de cada ator, para explicitar, mais detalhadamente, a coerência de minha sistematização pedagógica. Para esta síntese recapitulo os processos de composição, pois os depoimentos e exemplos isolados, talvez não tenham ainda conseguido a concatenação necessária para o entendimento dos complexos caminhos perseguidos pelos quatro atores. A exposição seguinte é baseada na transcrição dos exercícios, nos tapes gravados, em textos escritos pelos atores finalmente em observações pessoais e esparsas após a consecução do processo, incluindo a apresentação de dois espetáculos ao público.

A Zulmira em Clarissa ou a Clarissa em Zulmira –

( Contendo transcrições de trechos feitas pela atriz )

A personagem foi se configurando para Clarissa a partir dos primeiros estímulos, como uma mulher do quotidiano, todos seus prazeres eram direta ou indiretamente ligados ao relacionamento com o marido e com suas reflexões a respeito de sua existência de mulher de meia idade. Seus anteparos musicais, em sua maioria de músicas populares brasileiras, tinham letras que falavam dos estados de espírito, do estado interior da personagem ou de momentos de seu relacionamento com as ações das outras personagens. Seus exercícios sempre foram muito detalhados como se procurasse sempre nuanças da alma feminina. Previa-se portanto que procuraria as formalizações que brotassem de seu interior que se colocava como delicado e detalhado. Seu exercício sobre as “Sensações Variadas” neste aspecto foi típico, trabalhou apenas com sensações olfativas, palatinas táteis e sonoras, evitando as visuais que pudessem configurar qualquer aspecto mais exterior da personagem. Para se ter uma idéia, escolheu para a primeira aparição de Zulmira o cheiro de cebola. Alguma coisa mais quotidiana? Sua visão era sempre cheia de angústia como se o sofrimento de Zulmira fosse a principal âncora da personagem. Tal visão levou-a escolher, como objeto, um véu transparente e como instrumentos musicais, sininhos delicados e instrumentos de sopro, que somente eram manipulados quando sua respiração estivesse pronta. As imagens que a inspiraram refletiam essa angústia, essa tristeza, essa espécie de confusão mental do seu encontro com Zulmira. Veja a esse respeito o quadro de Miró que inspirou o mundo interior da personagem, e os dois desenhos resultantes de seus exercícios com materiais de artes plásticas. Na cena do “cravo” construiu com Adryano um coração negro cheio de lixo dentro, e na cena da “Praia” mostrou para Guilherme um desenho cheio de borrões cor de vinho ao lado de uma cruz negra. Quando junto com Adryano improvisou sensações corporais, trabalharam muito com a sustentação dos dois corpos, como se a tarefa de ambos fosse segurar um ao outro, pesando demasiado para si e para o outro.

A formalização de sua primeira cena, do “Cravo” reflete a organicidade de seus experimentos. Um foco nos seus pés que se esfregam e se contorcem, um ritmo semelhante à musica “Arrastão” um de seus primeiros estímulos, já iniciam sua proposta de configurar uma Zulmira carregada de imensa tristeza, infeliz, desencontrada, que vê em Glorinha o bode expiatório para seus males (vide a esse respeito foto estímulo de mulher com cabeça abaixada). Tuninho entra e tem dificuldade para separar as suas pernas, pois quer encostar –se na mulher para que ela lhe esprema um cravo nas costas... seu olhar está perdido como se procurasse fora do quarto alguma coisa. A atriz aqui fixou um ponto na parede da sala que acabou sendo um símbolo da personagem Glorinha para todos os atores do elenco. Espreme o cravo como uma tarefa mecânica, como cozinhar, passar roupa ou descascar cebola.

A composição espacial da cena que configura a cama de casal em uma escada de três degraus, já mostra a ausência de relacionamento afetivo e, ao mesmo tempo, pelo espaço pequeno, cerca de um metro quadrado, que os gestos seriam todos discretos e de micromovimentos. Zulmira dorme no primeiro degrau e Tuninho no último. Fica claro durante toda a cena que cada um se isola no seu mundo....Tuninho se aliena e dorme, Zulmira, absorta tenta descobrir o enigma da cartomante. O ritmo do diálogo e lento como um compasso de espera. Zulmira de camisola de dona de casa... constrói um quotidiano caracterizado pela monotonia, quase no mesmo ritmo Tuninho, descansa e não quer ouvir a mulher. A cena só muda de ritmo quando Tuninho dá as pistas da prima Glorinha os dois se aproximam....trocam de degraus... e quando ela acerta o nome da prima...a configuração é a de uma partida de boliche... e a frase .... é a Glorinha estoura como se derrubasse os pinos.... Tuninho comemora o “strike”. Zulmira termina a cena num grande desabafo de alívio por descobrir o bode expiatório de seus males e Tuninho, nem sequer, pode dormir em paz. A cena termina lúgubre, com o medo de Zulmira e o clima se configura negro, como um coração cheio de lixo.

A cena da “Praia” na qual contracena com o Tuninho de Guilherme, Clarissa já mostrou, logo nos primeiros exercícios, uma face diferente de Zulmira, suas dúvidas se dissipam e ela torna-se forte. No exercício da Improvisação de Sensações Variadas quando Tuninho tenta levá-la para a praia, torna-se obstinada e agressiva, chegando mesmo a dar uma surra em Guilherme. Foi um exercício de muito contato físico que pode, com verossimilhança, provocar a variação qualitativa da Zulmira distante e indefesa da cena do “Cravo”, para esta, determinada e vigorosa. Para se ter uma idéia dos anteparos musicais que compuseram a trilha sonora desta cena basta a nomeação de três canções: “São João” ( fagulhas pontas de agulhas...de São João) cantada por Gal Costa, “Morena Tropicana” e uma “Rumba Cubana”. No exercício dos Instrumentos Musicais realizaram um “tour de force” primeiramente instrumental: Guilherme com bumbo enorme e ela com sinos, apitos e depois uma espécie de desafio ancorado na repetição simultânea de monossílabos, semelhante a uma confusão de sons radiofônicos. A determinação de Zulmira, nos exercícios foi tão definida que a platéia chegava a se condoer das insistentes investidas frustradas de Tuninho que encontrava ou a mulher agressiva ou a companheira que se isolava em seu mundo e não mais o ouvia. Na improvisação com os objetos olfato, Clarissa teimou em limpar o ambiente e o próprio Guilherme com sua própria camiseta. Colocou todos os objetos dentro de uma lata e, depois de tudo limpo, abraçou a lata e se isolou melancolicamente.

Todas essas “Potencialidades Expressivas” foram formalizadas, na Ação C, de maneira muito interessante.

Zulmira já está em cena e, ao convite para ir a praia do marido, responde estática com um estridente “Não” que de tão sonoro ( a atriz possui um ótimo volume de voz) faz com que, por um instante, Tuninho desabe, cai –lhe da mão a toalha que levaria à praia. Tuninho se recompõe e tenta nova investida agora mais carinhosa. Neste momento se configura uma outra faceta de Zulmira, a manipuladora consciente de sua nova verdade, a purificação. Como se preparasse uma armadilha faz voz doce e quase infantil e provoca o suspense da novidade de sua conversão ao “teofilismo”. Curioso Tuninho se entrega, para de argumentar e de se movimentar. A presa está nas suas mãos. Zulmira encosta sua cabeça na de Tuninho e, com extrema rapidez e destreza, retira-lhe a camiseta e a coloca na sua cabeça agora com um formato de véu de santa e diz “À igreja teofilista” . Esse interessante signo, que sempre provocou reação favorável do público, surgiu exatamente na improvisação quando Clarissa queria limpar tudo e, na falta de pano, arrancou a camiseta de Guilherme. A junção dos diálogos musicais já mencionados com o exercício de espacialidade das palavras e de deslocamento e ritmo configuraram o próximo momento onde Tuninho novamente tenta persuadí-la. Rodeiam-se e falam, um no ouvido do outro, num ritmo frenético, como se jogassem mutuamente nos ouvidos moscas varejeiras. Zulmira acaba enfurecida dá um grito definitivo na cara de Tuninho, como um dos tapas do exercício de “Sensações variadas” e os dois sentam-se nos cubos. Os diálogos finais quando Tuninho, de maneira autoritária, manda-lhe colocar o maiô e ela diz ter jogado no lixo , acaba se configurando como um dueto de canto e contracanto acompanhados pôr uma nítida coreografia feita pelos deslocamentos das cabeças em varias direções, sempre em oposição. O ritmo vai diminuindo, assim como os movimentos, e os dois acabam estáticos, em silêncio. Afastados um do outro numa clima de solidão, muito parecido com o momento da improvisação com objetos, quando Zulmira, após ter arrumado a casa, abraçou –se a sua lata escondendo o lixo junto com o seu maiô.

Para a cena do “Apartamento” quando vinga-se do marido traindo-o com Pimentel, feito pôr Adryano (ver texto adaptado no Apêndice) Zulmira modifica-se mostrando um outra face, mais leve e solta. Esta nova máscara já se evidenciava através de suas primeiras associações. A música tema da cena é “Faz parte do meu Show” de autoria de Cazuza. Seus estímulos sensoriais mudam radicalmente: barulho de água, gelo nos pés, carinho no rosto, morango com chocolate, fogo/calor e movimentos de sacudir. No exercício com instrumentos partiram de um uníssono respiratório que ia aumentando o ritmo até chegarem a simulação do orgasmo, pela primeira vez Clarissa brinca e ri como criança nas improvisações com Adryano.

Foi muito importante para a configuração dos signos teatrais de Zulmira nesta cena o exercício da espacialidade das palavras. As adaptações feitas a partir deste exercício, bem como a pesquisa dos exemplos exteriores de qualidade, compuseram o seguinte texto da atriz:

Sua aparição interrompendo Pimentel e Tuninho no exato momento em que Pimentel falava ao seu marido da visita ao apartamento, acontece em pose espetacular, no topo de uma escada, como uma grande estrela pronta para iniciar o seu “Show”. (Cazuza) Os exercícios de improvisação de risadas infantis foram adaptados para um espécie de sensualidade, que se configurou como um misto de ingenuidade infantil e de sons felinos ronronantes e suaves. O trabalho tanto de Clarissa, como o de Adryano, sofreu ampliações e adaptações muito grandes durante a fase da construção dos signos, veja-se, por exemplo como elaboraram para todo o texto a devida espacialização das palavras e em alguns momentos reviveram contatos sensoriais dos exercícios:

Pimentel pergunta se o marido lhe fez alguma coisa com a imagem de falar para um cone.

Zulmira: “- Fez” – como uma bexiga murchando.

Pimentel: “- Alguma Maldade?” – como um gato se esfregando. Zulmira: “- Pior que maldade..”– como se fosse espirrar ou perder o ar.

Pimentel: “- Diz.” – a resposta .Enquanto acontece essa passagem Pimentel vai se aproximando de Zulmira.

Zulmira começa a explicar o que aconteceu, e em sua voz, as palavras saem lentas e pausadas – imagem de dobrar roupas.

Zulmira levanta as mãos e grita como um relâmpago “- Lavar as mãos”.

Zulmira fala sobre Tuninho com um pouco de autopiedade mas também de certa forma irônica.

Zulmira ao falar “Fria, coitado”, olha para Tuninho “congelado” do seu lado.

Zulmira vai à boca de cena e diz: “Sou fria, sou?” Com se escrevesse a frase no ar.

Pimentel vem logo atrás e grita que ela é um espetáculo (como se abrisse uma janela)

Zulmira (sentindo o sol entrar) com prazer diz, como se quisesse se convencer, que odeia seu marido. Esta infantilidade sensual remeteu Clarissa , como exemplo de qualidade exterior, à atriz Marilyn Monroe e, neste momento, levanta o vestido inspirando –se na famosa cena do vento que vem do bueiro, enquanto grita: “Eu odeio o meu marido!”

Tuninho ostensivamente pede a Zulmira que diga que está traindo o seu marido. Depois, trabalhando a imagem de uma gangorra, simulando um ato sexual, (constância e muitas improvisações) Tuninho e Zulmira gritam

Zulmira , bem perto de Tuninho (Guilherme) grita a frase, no ritmo do embalo da gangorra.

Tuninho grita “- Mais! Repete” como se gritasse “– Goooollll!!!!”

A Zulmira em Lívia ou a Lívia em Zulmira

( Contendo transcrição de trechos feita pela atriz)

Já foi devidamente comentado o estímulo inicial que Zulmira sugeriu a atriz Lívia. Como ela mesmo afirmou, foi um estímulo tão forte que, apesar da cena não ter sido realizada a idéia do mistério, do sonho, do onírico e da liberdade mantiveram-se até o final do seu processo de composição. Lívia enquanto realizava tanto os exercícios de anteparo como os de improvisação corporal, procurou sempre contatos sensoriais, bastante complexos e inusitados e foi aos poucos encontrando uma Zulmira irreverente, bastante dividida entre uma sexualidade exacerbada e um fanatismo doentio. A respeito da irreverência, veja- se logo no início de seu trabalho ter escolhido, por exemplo, Rita Lee, das mais irreverentes roqueiras nacionais, ou o batom vermelho esfacelado, ou os óculos escuros. Outra característica da atriz é a de procurar, sempre que possível, estímulos visuais que tenta durante as improvisações sensoriais incorporar no seu trabalho. São constantes suas escolhas de “Potencialidade Expressivas” que são fundadas no ângulo que deseja ser observada pelo público, como se conseguisse se imaginar da platéia. Grande parte de suas improvisações com o Tuninho/ Guilherme na cena da “Fofoca” encaminharam –se para uma sexualidade muito forte que, aliás, se inicia com a mordida na maçã, o fruto proibido. Ambos encaminham –se para o final apoteótico de um orgasmo de maledicência e risada desbragada. Ë impossível deixar de dizer que a composição de Zulmira, nesta cena, parece ser uma incorporação da imagem que a “Falecida” tem da pecadora Glorinha, sua prima. Na cena do Maiô as improvisações tiveram um forte conteúdo de afirmação de individualidade contra a violenta perseguição sofrida pelo Tuninho/Adryano. Essa espécie de perseguição incitou os atores, no exercício de deslocamento e ritmo, a construírem uma verdadeira coreografia de desencontros usando para isso uma escada de quatro degraus. Outra idéia constante nas improvisações foram as escapadas que ora se assemelhavam a lixas, ora ao desenrolar de véus, baratas pisadas e assim por diante.

Vejamos com se formalizaram, no espetáculo, essas “Potencialidades Expressivas” e essas opções estéticas surgidas dos exercícios da Ação C.

Cena do “Maiô”

Zulmira lê a Bíblia, no alto de uma escada, com os olhos fixos, enebriada por aquelas palavras, aumentando, gradativamente o tom e a altura da voz. Quando está quase no auge de sua leitura, chega Tuninho ao seu lado, como se fosse um sol pedindo praia. Zulmira assusta-se como alguém que fecha e abre os olhos, zonza pelo reflexo do sol numa janela de vidro. Pára a leitura, atônita, assustada.

(Quem me dera que tu me encobrisses no sepulcro, e me escondesses nele até Ter passado o teu furor, e me assinalasses o tempo em que te lembrarás de mim. Pensas, por ventura, que um homem já morto tornará a viver? Todos os dias em que agora combato, espero que chegue a minha mudança. Tu me chamarás e eu te responderei! Estenderás a tua destra para a obra de tuas mãos. Em verdade, tu contaste todos os meus passos, mas perdoa os meus pecados!... / PRAIA! Zulmira, vamos à praia?)

Zulmira fecha a Bíblia e desce um dos degraus, para fugir dele.

(Não!)

Tuninho a segue, desce, tenta envolvê-la. Seu corpo e sua voz são no sentido de amarrá-la com uma corda; ela tenta se desvencilhar. Ela desce mais um degrau. Ele também desce e tira-lhe a Bíblia. Ele passa a toalha de praia que tem, em volta de seu ombro/pescoço.

(Vamos! Agora, que eu estou desempregado, podíamos aproveitar, ir até todo o dia à praia)

Ela tira a toalha de seu pescoço, desenrolando-se, descendo mais um degrau e saindo da escada, falando num tom que comece a intrigá-lo.

(Deus me livre! / Por que, ué?)

Um gosto azedo arrepia sua boca e seu corpo inteiro, a estica. Um gesto de tirar luvas surgiu no exercício da imagem vocal. Surgiu só o gesto, incorporamos a luvinha ao figurino. Neste momento, ela tira a luvinha, fazendo um suspense para Tuninho, jogando essa idéia. Tuninho a captura e a neutraliza como se fosse um joguinho de videogame, um “come-come”. Ela bate a luvinha em seu rosto e sai, com os braços abertos, caminhando de lado, enquanto ele a segue.

(Sabe onde é que eu fui hoje?/ Não./ À Igreja Teofilista!/ Que mágica é essa?)

Ela engasga com a ansiedade, e repete (À Igreja Teofilista!). Agarra sua mão e ajoelha, como numa prece ou um batismo. Desmancha-se, deitando no chão. Sensação de prazer, de deslumbramento. Ele sai de perto de Zulmira e volta para junto da escada, para ver a Bíblia.

(Eu me converti, Tuninho! Vou me batizar outra vez! / Por que, carambolas? Domingo passado tu foste à missa. E já viraste a casaca?)

Zulmira levanta-se e anda, para trás, como se afastasse de um enterro Teofilista. Encosta em Tuninho, mística, aceita seu apoio, pela demonstração de seu interesse. Aceita sua proteção, encostando-se em seu peito. Retesa-se, quando ouve falar, novamente, de ir à praia. Tenta soltar-se. Tuninho resiste.

(Uma vez, há muito tempo, eu vi um enterro Teofilista. Na hora de fechar o caixão, cantaram hinos. Nunca mais me esqueci. / Olha! / Fala! / Eu não tenho nada com isso. Você é maior, vacinada, tem a religião que quiser e pronto. Mas vamos à praia, ora bolas! O que é que tem a praia a ver com as calças?)

Zulmira finalmente se livra, com força. Arruma o véu negro que traz na cabeça e sobe os degraus todos da escada, novamente, ficando de costas, com os braços cruzados, como quem encerra um assunto. Tuninho a olha de baixo para cima.

(Tu me achas com cara de ir à praia? Agora que me converti? / Será que em tudo, agora, você me contraria?)

(Zulmira está com um vestido preto, abaixo dos joelhos, sapatos fechados, um véu preto nos cabelos presos. Luvas cor da pele. Uma Bíblia grande nas mãos. Uma maquiagem discreta. Tuninho está de short estampado e camiseta, além de uma toalha branca de praia. O cenário é apenas uma escada preta. Iluminação frontal, geral branca, bem clara)

Tuninho a chama. Ela só se vira na Segunda vez. Ouve o que ele tem a dizer, posando de dono da casa, metido a dar ordens. Ela faz pirraça, humilhando-o, como quem pisa uma barata.

(Zulmira. Zulmira!!!! Anda, vai, põe o maiô! / Não tenho maiô!)

Tuninho vai ao seu encontro. Então, ela resolve escapar, descendo a escada e fazendo uma voz de quem o lixa inteiro, para irritá-lo. Ele desce as escadas, como uma avalanche, gelada, para curar as “feridas” da lixa. Ela, sensual, tira o véu e sobe as escadas, rebolando, sem se dar conta de que ele a observa quase rindo.

(E o teu ? / Joguei no lixo !! / Mentira! / Te juro!)

Este trecho deve ter a musicalidade de um soluçar. Uma frase responde à outra, sem titubeio. Lembrou-me o cinema mudo, com seus casais em eterno conflito e desencontros. A fisicalização disso foi o subir e descer da escada, alternando quem está embaixo e quem está em cima. Como um jogo de crianças. Esta é uma Zulmira mais infantil, pirracenta; é um casal que não se entende no seu dia-a-dia. Ela jogou fora o seu maiô novinho, do mesmo modo como os dois jogaram fora um casamento novinho, em plena lua-de-mel. Um lavando as mãos e a chamando de fria; a outra, preparando a traição. Sempre pensei nesta cena em "flashs" (um apaga, acende, que poderia ser incorporado na iluminação, com uma luz frontal por exemplo); o salto para um outro mundo, de fantasia, enquanto ele está na realidade. São dois ritmos diferentes.

Perplexo, Tuninho senta no último degrau da escada, rindo, nervoso, tirando um sarro também. Ela vira-se, e chega junto dele, puxando o vestido e abrindo a perna, sem perceber que fala uma coisa e seu corpo fala outra. Ele se apoia na mulher, os dois de frente para a platéia. Zulmira afunda a cabeça de Tuninho, negando sua sexualidade, pela proximidade com o marido.

(Que bicho te mordeu? / Não sei. Mudei muito. Sou outra. / Essa é a maior! / Não aprovo praia, não aprovo maiô).

Zulmira pega a Bíblia, para acalmar sua excitação, sua euforia. Desvencilha-se de Tuninho, cobre o sexo com a Bíblia, com vergonha e exibicionismo ao mesmo tempo. Fala com a platéia, tentando convencer-se (e convencer a platéia) de sua pureza e retidão. Até que se exalta novamente, num prazer, agora, religioso, recitando outro trecho da Bíblia e saindo pelo centro das duas arquibancadas, olhando, ora para a esquerda, ora para a direita, nos olhos dos espectadores.

(A mulher de maiô está nua. Compreendeu? Nua no meio da rua, nua no meio dos homens! Compreendeu? A mulher de maiô está nua, nua no meio da rua compreendeu?, nua no meio dos homens. Compreendeu? Vingança de Absalão: dois anos passaram-se e aconteceu de tosquiarem-se as ovelhas de Absalão em Balhaassor, junto de Efrain. E Absalão convidou todos os filhos do Rei. E foi ter com o Rei e disse-lhe: Eis que se tosquiaram todas as ovelhas de Absalão, rogo pois, que venha o Rei e seus criados, a casa do teu servo....)

Cena da “Fofoca”


Zulmira resmunga, de um lado para o outro, comendo uma maçã, sobre se não poderia imitar Glorinha, se quisesse, porque “ela, sim, tem linha até debaixo d’água!...E se quisesse ser assim cem por cento, que nem a Glorinha?...” (estímulo “Todas as mulheres do mundo”, de Rita Lee, como ritmo interno da personagem). Como fundo musical da cena, música de Adoniran Barbosa, que diminui gradativamente, até que ela senta na cadeira.

Tuninho entra e começa a assobiar, chamando a atenção de Zulmira, dando a musicalidade de uma hipotética Glorinha que sai de um sobrado em frente, do outro lado da rua, desce as escadas e passa em frente à janela da casa de Tuninho e Zulmira, indo até o fim da rua e dobrando a esquina.

Zulmira vê Glorinha saindo de casa, e senta numa cadeira, para acompanhá-la. Aflita, morde continuamente a maçã, nariz, boca e maçã como uma coisa só, e vira-se toda na cadeira, esticando-se, seguindo Glorinha até o fim da rua. Faz cara de desdém quando ela passa em frente à sua casa e nem a cumprimenta. Curiosa, fica com raiva quando não consegue mais acompanhar Glorinha e vira-se encontrando Tuninho, como quem o culpa por distraí-la de seu intento. Este é um esboço de dança rítmica: enquanto Tuninho faz um som contínuo, constante, Zulmira tem um movimento entrecortado com a maçã, até ser cortante, quando o barulho pára. A estrutura se repete na próxima microcena: ele contínuo no círculo, fazendo suspense, ela entra no círculo, cortante.(A idéia de Zulmira como centro do mundo, todo o mundo conspira para que as coisas a atinjam)

Está de camisola amarela e chinelo de dedo. Os cabelos soltos. Batom na boca. A cena é clara, colorida, crua. Está calor. Tuninho está de moletom, camiseta e chinelos também. A idéia da casa de Zulmira e Tuninho veio do exercício da iconografia que Guilherme Jorge trouxe.

Zulmira caminha até Tuninho e oferece-lhe a maçã, de má vontade, como que para contentá-lo e deixá-la em paz para voltar à janela. Ele morde a maçã e, mesmo com a boca cheia, ansioso, quer falar. Ela volta para junto da cadeira e deixa lá a maçã.

(Vem ouvir a maior do século! / Que foi?)

Tuninho circula ao redor de Zulmira, “ventando”, imitando o som da garrafa do exercício da musicalidade. Puxa as pernas da calça de moletom, descobrindo o par de chinelos, e anda, na meia ponta dos pés, imitando Glorinha. Parece um pingüim desgarrado de seu bando. Zulmira impacienta-se com o “show” do marido, e corta seu ritmo, como se jogasse uma bolinha de tênis que quica no chão.

(Imagina! Imagina!... / Fala, criatura!)

Tuninho continua em círculos, mas diminui gradativamente o seu ritmo, com a intenção de conquistá-la para a notícia que vem trazendo. Aumenta a paródia de Glorinha. Zulmira que, a princípio não lhe dava atenção, ao ouvir o nome de Glorinha passa a interessar-se, a ponto de agradá-lo. Corre atrás do marido, querendo saber o que há de novidade, imitando sua postura e sendo o centro desta circunferência.

(Sabe por que a tal da Glorinha é o maior pudor do Rio de Janeiro? E por que toma banho de camisola? E não vai à praia? E tem nojo do amor? Sabe?)

Zulmira, interessadíssima, agarra o marido pelas bochechas, apertando-as como se aperta um bebê. Faz biquinho e fala apertadinho, querendo ser simpática, fazendo manha para conseguir o que quer. Um quase beijo, joelho com joelho, abaixam um pouquinho, juntos.

(Fala criatura!)

Tuninho, com água na boca, numa aflição, pega a orelha de Zulmira e fala em seu ouvido. Zulmira reage em estado de graça, como um pincel passando em seu rosto, numa das improvisações. Tuninho fala baixo, só em seu ouvido, até a reação de Zulmira. Depois, repete o que disse, com a imagem de um açougueiro que corta com facão uma peça de carne, no “extirpar”, e cujo gesto é imitado por Tuninho, em seu próprio corpo. Por sua vez, Zulmira aperta o próprio seio, e “arranca-o”, como um lobo, que uiva. Num barulho de puxar o ar para falar, como um asmático, “arqueja”.

(Porque teve câncer e tiveram que extirpar um seio!/ Juras? Tem um seio só?!!!!)

Zulmira engasga e começa a rir (estímulo de comer maçã, logo no exercício das sensações variadas, ou comer várias bolachas de chocolate, seguidas, falando de boca aberta. Minha intenção era uma risada que mostrasse o lado grosseiro, classe baixa, de Zulmira). Cai no chão, de joelhos, admirando o punho fechado em sua frente, que representa um seio só. Tuninho vai ao seu encontro, eufórico com a reação da mulher. Eles se excitam mutuamente, como numa relação sexual, em que um estimula o outro. No caso, esse crescente é feito com palavras, derivadas da idéia de câncer, estabelecendo uma proximidade entre o casal. Um faz uma “cama de som” para o outro, com interjeições e risadas.

(Foi o médico que me disse! Agora mesmo! A doença misteriosa era câncer!/ Cancro!/ Tumor na glândula mamária feminina!/ Cancerígeno, maligno! / Monoteta!!!)

Zulmira traz o seio só para o próprio seio, novamente, e agarra o outro também, numa clara atitude de provocar a memória da desgraça da outra, afirmando sua saúde e sexualidade exacerbada. Tuninho está por trás de Zulmira, e agarra seus dois seios, no auge da conquista, gabando-se de tanta proximidade, da esperteza em ter trazido a notícia certa para casa. Zulmira exulta; ri. É um momento em que os dois estão na mesma sintonia, aumentando de intensidade até o máximo.

(Eu? Dar em cima dessa cara? Nem pagando!)

Zulmira volta a se lembrar da passagem de Glorinha. Usa o apoio de Tuninho para se lamentar —já desligando-se dele, pessoalmente, e voltando ao seu interesse primordial, Glorinha — e, logo depois, extravasar a sua raiva, o seu ódio camuflado, pela prima. Faz “não” com a cabeça, bate no chão, como se jogasse coisas fora, como surgiu numa improvisação. Imita o rosto de Glorinha virando-lhe a cara, torcendo o nariz, e “escala” Tuninho, subindo ao alto, querendo sentir-se superior à prima, debochando dela. No alto, pega uma maçã —agora, imaginária; símbolo do pecado original, de Adão e Eva, segundo a Bíblia. É o ápice da maldade, uma vez que Zulmira sabe porque a prima não lhe cumprimenta...porque a viu de braço dado com Pimentel na rua, traindo o marido. A palavra “castigo” tem acentuado o som do “s”, com uma pausa para as próximas sílabas, como num tapa, que se prepara e se configura. (um outro estímulo foi a palavra “desgraçada!”, como subtexto e sonoridade).

(Não me cumprimenta: passa na rua e nem me cumprimenta; torce o nariz prá mim, que nunca lhe fiz nada! Castigo, minha filha; castigo!; CASTIGO!!, CASTIGO!!!!!!)

Tuninho chega cada vez mais perto da vitória, perto de Zulmira. Sentindo-se o máximo, levanta o seu troféu. O som do gol chega também ao seu clímax. Blackout numa foto congelada dos dois. Entra o barulho da torcida, no escuro, para que a foto se desmonte.

(Tem um seio só!)

Tuninho e Pimentel em Adryano ou os Adryanos em Tuninho e Pimentel

( Com transcrição de trechos feita pelo ator )

Adryano, o mais jovem ator do elenco, possui uma característica , que precisa ser ressaltada. Sua preocupação constante com o eixo da concatenação. Suas improvisações, pôr isso eram as mais detalhas, como se quisesse a cada exercício, encontrar já os suportes corporais definitivos para cada momento da cena. Patrícia Leonardelli observou muito bem essa característica, em vários momentos. Pôr exemplo no exercício dos Instrumentos Musicais, enquanto Clarissa se detinha demoradamente na pesquisa de som, Adryano mudava constantemente de instrumento, como se para cada marca da personagem identificasse instrumentos diferentes. Seu trabalho no exercício dos jogos, chega ao ponto da estratégia transformar-se em marca do texto do ator e ser incorporada no espetáculo. As fotos de seus exercícios são as mais limpas, como se buscasse , através das improvisações, suportes corporais para as possibilidades de formalização, ali já implícitas.

O pontos de contato iniciais de Adryano com Tuninho eram ligados ao quotidiano, ao relacionamento do casal. Principalmente na cena do “Cravo” estimulava-o a aridez de um casamento acabado. A mulher que nega um beijo e nem sequer entende de futebol. Seus anteparos inicias neste sentido são interessantes e vão desde “A Pantera Cor de Rosa”, passam pela Heavymetal e chegam em “Assim falou Zaratrusta”. As sensações escolhidas como ponto de contato com esse quotidiano incluíram cheiro de eucalipto e “tostex”. Trabalhou corporalmente para a primeira cena a sensação de peso de cansaço. Tirar-lhe o cravo das costas significava diminuir lhe o peso, o cansaço. Suas associações normalmente se afastam do visual encaminhado-se mais para o olfato e paladar e, principalmente, o tato que lhe produzem reações de deslocamento. Se na primeira cena mostra uma faceta quotidiana e desinteressada de Tuninho, quase que monocórdica, na cena do “Maiô” revela seu interesse por Zulmira e sua negação para o prazer, para a praia, fazem-no cheio de estratégias. Não faltaram nas improvisações desta cena recursos físicos de sedução para a conquista da parceira. Talvez sugeridos pela divisão da Zulmira/Lívia entre o prazer e a purificação. O Tuninho desligado da primeira cena suplica pela atenção de Zulmira, neste segundo momento.

Como as transcrições das cenas de Lívia e Clarissa foram bastante detalhadas, já ficaram explícitos alguns signos teatrais dos Tuninhos de Adryano e Guilherme. Para evitar, portanto, a redundância que, neste caso seria inevitável, limitarei a ressaltar no “texto partitura” composto pelos atores, aspectos que ajudam a definir a coerência de seus processos de descoberta e de formalização . Os trechos da partitura de Adryano/Tuninho, ( que reproduzirei a seguir) revelam e comprovam as afirmações acima:

Cena do “Cravo”

Tuninho entra em cena andando lentamente, com tonus corporal pesado (aqui vou trabalhar o desequilíbrio e o peso); coloca a mão direita na perna de Zulmira tentando abri-la, como ela resiste, ele a olha. Tempo do olhar. Zulmira acaba cedendo e abre as pernas. Tuninho senta no degrau abaixo do de Zulmira e manda espremer a cravo das costas, levantando a camisa até o pescoço. Olhar parado para frente Zulmira começa a expremê-lo. Tuninho dá um primeiro "ái!" um pouco bruto, resistindo ao ato. No segundo "ái!" Tuninho já cede à mulher. Zulmira chega próximo ao marido e conta que foi à cartomante. Tuninho tem um susto, se levanta abaixando a blusa. Para ao lado da mulher e grita:

"Você é teimosa! Disse pra não ir!", Zulmira fala que a tal mulher lhe abriu os olhos, Tuninho fala "Te tapiou!", dando um tapinha no ombro de Zulmira deslocando-a para o lado (intenção de zombar dela, falar quase que rindo), então começa a subir a escada enquanto a mulher continua se explicando e falando da tal loura mencionada pela cartomante, para lá encima quase de costas, olha de lado pra baixo para a mulher e diz: "E daí?".

Tuninho senta na parte lateral da escada, olha de lado para Zulmira dizendo: "Mas só isso?", com uma contração de ombros passando indiferença. Próxima fala Tuninho vai deitar para trás, "Ora, não amola!" . Tuninho vai reclamar falando do "toró" gesticulando com as mãos (passar a imagem do toró com a voz e com o balançar das mãos) olhando para cima. Zulmira vai falar andando para trás da escada, quando chega perto do marido, ele resmunga virando para o lado esquerdo. Tuninho quer saber se Zulmira perguntou sobre seu emprego, vai sentar do mesmo lado que estava anteriormente sem olhar para ela. Ao responder que não, Tuninho vai para o chão (imagem de cair no abismo) caindo, olha-a decepcionado e: "Não perguntaste?"(imagem de queimá-la com uma brasa). Começa a reclamar da mulher subindo a escada, deita ainda falando e se prepara para dormir. Vai responder à mulher resmungando com os olhos fechados. Até que cai a ficha, ele dá um sobressalto e arca no degrau da escada olhando para a mulher: acaba de descobrir quem é a loura, é a prima Glorinha. Enquanto fala: "Ora, Zulmira! Qual é tua prima que mora nesta rua?

Aqui do lado? Qual?" A imagem é a de um jogo de boliche , a bola está rolando, há grande expectativa, quando Zulmira descobre também tratar-se de Glorinha. Neste momento a bola atinge em cheio os pinos e Tuninho comemora dizendo: "Custaste!" ... "Batata!". Os dois se olham cara a cara, pausa, Tuninho manda apagar e quer ir dormir. Deita novamente, Zulmira continua falando de seu mal, Tuninho meio puto diz que é gripe. Zulmira o rebate com "macumba" (que faz tremer a terra com a batida de carro). É o basta para Tuninho que se levanta esbravejando pega o travesseiro e vai dormir em outro lugar, saindo de cena.

2) Cena do maiô:

Tuninho entra em cena alegre bate as mãos na escada e grita "PRAIA !" fala para Zulmira, que está rezando no alto da escada, para irem à praia, tocando na coxa dela. A mulher recusa, Tuninho se levanta no alto da escada e vai envolvendo-a com uma toalha de rosto que trazia nos ombros, descem um degrau, continua na tentativa de persuadi-la, descem mais um degrau e Tuninho tira a bíblia de sua mão e a joga na escada. Zulmira sai de perto dele. Tuninho quer saber o porquê e chega por trás dela, cabeça com cabeça. Zulmira fala da igreja teofilista, Tuninho toma um susto, escorrega pelo braço da mulher, segura-a pela mão e pergunta: "Que mágica é esta?". Zulmira ajoelha-se aos pés de Tuninho, que se solta, vai até a escada, pega a bíblia e fala para Zulmira como se fosse um pastor pregando, erguendo a bíblia na mão direita. Zulmira vai indo para trás até que Tuninho a agarra por trás. Agora ele vai ser sedutor, alisando-a, abraça-a, mexendo nos cabelos dela. Zulmira dá um tranco, desvencilhando-se do marido, sobe a escada. Tuninho grita com a mulher de frente para o público, vira e manda Zulmira colocar o maiô. Ela diz que não o tem. Tuninho sobe rapidamente a escada enquanto ela foge descendo (imagem de Tuninho querendo pegar uma galinha que foge), Zulmira diz que jogou-o no lixo. Tuninho decepcionado desce lentamente e diz também devagar: "Mentira!" Zulmira confirma, então Tuninho precisa de local para se apoiar, vai sentar no primeiro degrau da escada: "Que bicho te mordeu?". Zulmira diz que mudou

muito, Tuninho acha graça, começa a rir, se apoia em suas pernas: "Essa é a maior!" Zulmira começa abaixá-lo e passa por cima dele (imagem de afogamento).

Se sua composição final de Tuninho resultou num trabalho extremamente discreto, como se não quisesse explicitar os signos, o seu Pimentel revelou um Adryano surpreendentemente clownesco. Suas improvisações com Guilherme transformaram-se em atrações para a platéia, tal o cinismo e a estratégia sádica de suas investidas. Os estímulos de seu Pimentel, configuram-se desde o início como inusitados e a opção pelo cômico acabou surgindo das improvisações.

Sua relação com Zulmira, por exemplo, nos anteparos era embalada pelo “rock” de Madonna, e nas “sensações variadas” pediu : bala de côco, cafuné no pescoço, piadas engraçadas, mel na boca e perfume fino de mulher.

No exercício de ‘incorporação das sensações” obrigou Guilherme a cheirar-lhe o pé enquanto falava sobre a relação sexual com sua esposa dentro do banheiro. Identificou Zulmira com um “chiclet” que foi incorporado ao espetáculo de maneira hilária, visto que após a consumação do ato sexual com Zulmira degustava a goma na frente do estupefato e desesperado Tuninho. No exercício com instrumentos musicais encontrou “Potencialidades Expressivas” que merecem ser lembradas, conforme o relato de Patrícia Leonardelli: “Adryano trabalha basicamente as variações das expressões gramaticais. Partindo de um fonema de alta ressonância "boo" (de som semelhante ao badalar de um sino) ele chegou a "bobo" e "bobão". O fonema "cha" virou "chato" e "cala a boca" , e assim por diante.” (...)Adryano toca uma música na gaita de boca que se assemelha a uma risada (o resultado desse momento é particularmente expressivo, produzindo um tom inédito de gargalhada).”

No exercício de Traços e Tintas, suas interferências nos desenhos de Tuninho, estragando todo o seu trabalho, ou borrando –lhe o rosto, forma elementos estimulantes para a vingança final, de Tuninho/Guilherme.

Para a cena com Zulmira incorporou deste exercício de instrumentos musicais o ritmo da respiração de cachorrinho, o que transformou em signo próximo do desenho animado quando recebe Zulmira com muitos beijinhos em seu braço. A sintonia dos dois atores nesta cena foi muito fácil, desde as improvisações iniciais. Seus sons entravam facilmente no mesmo ritmo, como observou Patrícia Leonardelli.

Vejamos como se configuraram estas “Potencialidades Expressivas” nas cenas: “Revelação”, “Apartamento” e “Cobrança”.

Pimentel entra e Tuninho está em cena. Pergunta o que ele quer com a
imagem de uma chicotadinha leve, pouco de desprezo. Tuninho fala de
Zulmira e Pimentel continua com pouco caso, ainda não lembra. Pimentel
começa a se recordar de Zulmira: “Uma moreninha?”(imagem da procura de
alguém no meio da multidão). Tuninho confirma, então Pimentel dá uma
virada de cabeça em direção a Tuninho, até então não olhava para ele.
Pimentel se levanta, arruma a poltrona e manda Tuninho se sentar, acaba
de se lembrar de Zulmira. Tuninho senta na poltrona, Pimentel ainda fala
que se recorda de Zulmira, senta no braço da poltrona ao lado de
Tuninho. Pergunta do paradeiro da mulher batendo nas costas dele(imagem
de passar a mão em Zulmira de raspão), Tuninho diz que ela morreu.
Pimentel sente um frio na espinha e faz perguntas sobre como morreu,
quando e numa coreografia de girar em torno da poltrona (imagem de gato e rato). Pimentel sente a dor do pulmão de Zulmira batendo forte no peito, cai sentado totalmente desorientado. Tuninho aproveita e fala do pagamento do enterro dando a caixinha que trouxe de Zulmira. Pimentel pega sem perceber e só depois lhe cai a ficha, ele devolve a caixinha perguntando do marido desconfiando de Tuninho, que diz que é primo(os dois falam ao mesmo tempo). Pimentel ao abrir a caixinha e ver o chiclete se lembra de Zulmira e muda o tom de fala. Então se senta ao lado de Tuninho e começa a descrever o encontro com a Zulmira. Ao falar que abriu a porta das senhoras empurra Tuninho para o chão. Quando fala do marido na mesa sentado tomando sorvete, põe o pé no rosto de Tuninho(apareceu no exercício da improvisação corporal). Durante o relato coloca o chiclete na boca(imagem da relação dos dois no banheiro).

Zulmira entra em cena e Pimentel a pega pelas mãos. Quer saber o que o
marido fez com ela. O estalar dos beijos dão o tom manhoso de falar.
Quando Zulmira fala que o marido lavava as mãos, Pimentel chega até
Tuninho e dá sinal de que não entendeu, os dois perguntam juntos: “E
daí?”. Acontece a parte de Zulmira perguntar se é fria e Pimentel
responde que é um espetáculo(imagem de escrever no vidro da janela,
Pimentel vem e abre a janela para o sol bater no rosto dos dois). Os
dois se bolinam e depois Zulmira vai embora. Pimentel volta a falar com
Tuninho e diz que vai pegar o dinheiro. Quando Tuninho diz quanto é,
Pimentel tem um susto, discute com Tuninho num crescente utilizando
o grave da voz. Quando Tuninho revela que é o marido os dois olham para o
lugar que convencionalmente seria a sorveteria. Pimentel fala que não
vai pagar, mas Tuninho fala do Radical e Pimentel encurralado é obrigado
a pagar a quantia toda. Fica arrasado, tem que pegar o dinheiro e dar na
mão de Tuninho. Quando o marido conta as notas Pimentel se retém em sua
raiva. Sai de cena gritando “Cachorro!!!”.

Tuninho em Guilherme ou Guilherme em Tuninho

( Com trancrições de trechos feitas pelo ator)

As associações iniciais de Guilherme aos impulsos dramáticos, formulados por Nelson Rodrigues, para a personagem Tuninho, foram totalmente ligadas à tradição popular, que como já dissemos, provém de sua experiência de vida ou foram encontradas em ruídos e iconografias ligadas ao futebol, samba, botecos, etc. Misturou torcedores e seus ruídos com platéia de "show" de "rock". Outros climas foram ligados, até mesmo, ao Jazz.

Suas iconografias já pesquisadas no primeiro semestre (juntamente com a atriz que adoeceu) incluíam estádios lotados, torcedores populares e poses de família.

É um ator que não reluta em acreditar em suas “Potencialidades Expressivas” com grande dose de coragem. Seu trabalho consistiu em adaptá-las de maneira bastante ampliadas, procurando configurações simbólicas marcantes. Apenas como exemplos, um desanimado bater de camiseta na perna, transforma, depois da repetição e ampliação, numa coreografia ritmada de desespero para resmungar da má sorte em não conseguir levar sua mulher à praia. Carregar Lívia no colo em determinado exercício transformou se no levantar de um troféu ganho numa partida de futebol. Em outro exercício, ser segurodo pelas costas, por Pimentel, acabou por transformar o oponente em enorme bandeira do Vasco, que ele arrasta pelo palco, como símbolo de poder e vingança no final do espetáculo.

Sua composição explora algumas facetas bem diferentes da personagem: o Tuninho eufórico, apaixonado, vibrante na cena da “Fofoca”, o Tuninho rejeitado, perdedor, melancólico na cena da “Praia” , o Tuninho humilhado, humilde, simples na cena da “Revelação” e o Tuninho vingativo, malandro e cruel, em seu desespero, na cena da “Cobrança”.

Eis suas formalizações:

Cena da “Praia”

“Vamos reter uma praia?” – Tuninho começa a cena seguindo a empolgação da cena anterior, sacando sua espada que é sua toalha. A mulher quebra sua expectativa. Não quer ir, mas o dia está lindo e ele está desempregado. Sai andando atrás dela, como se fosse um enxame de pernilongos, em círculos, ao redor dos cubos. Chantagiá-la, para que, por pena dele, ela acabe indo. Ela breca, querendo minar a chantagem. Pára na frente dele “Deus me livre”. “Por que né?” “Sabe aonde eu fui hoje?” – vem se aproximando para tirar-lhe a camiseta. “Não” – Ela quer o seu perdão, mas ele já não entende mais suas atitudes. “A igreja teofilista” – Ele coloca sua camiseta dando a impressão de manto, do véu santíssimo. Tuninho batendo com as mãos e resmungando: “Que mágica é essa.”

Vai aumentando sua fúria, girando ao redor dela. “Eu me converti, Tuninho.” Está de pé em cima dos cubos no centro. Ele senta no outro cubo e bate a mão gritando alto: “Por quê. Caramba!!!”

Cena da “Fofoca”

Tuninho fica em cena, após arrumar o cenário (colocar a escada para o fundo), assobiando para chamar atenção de Zulmira. Corpo pulsando pela novidade. Aumenta assobio. Assobio descreve a trajetória de Glorinha. Ela olha, oferece a maçã, que para ele é o amendoim surgido na improvisação para sugerir a fofoca entre amigos Come um bom pedaço e passa por ela, que fica repetindo “Que foi?” Passa por ela, querendo que ela o siga. Estratégia de ficar em silêncio para ela se corroer de curiosidade. Diz “imagina” como um pingüim que tenta alcançar o grupo à frente. Isso faz com que ele comece a correr a sua volta, erguendo sua cabeça e estalando como o som da garrafa de 2 litros (improvisação dos instrumentos). Ela breca TUNINHO impondo sua curiosidade e supremacia feminina. A atenção, a preocupação e o corpo para ele, à sua frente. Está conquistada. Ele começa a imitar Glorinha, nos seus gestos mais caricatos, narrando de quem ela vai falar, sabendo que ela quer saber coisas sobre a prima. Começa sua encenação. Sabendo que o assunto, a fofoca envolve Glorinha, Zulmira faz de tudo para agradá-lo, como por exemplo, colocá-lo sentado e servir cerveja. Sua frase: “Sabe porque a tal Glorinha...” enfatiza Glorinha, salientando o PUDOR, explodindo no P e “toma banho” é como água escorrendo pelo ralo da banheira.

“E não vai à praia?” – é imitando o jeito da própria Zulmira de não querer ir à praia (cena do maiô) entre Lívia e Adryano. “E tem nojo do amor? Sabe?” Ela espreme sua bochecha “Fala criatura”. Ele abre seu cabelo em busca da sua orelha, ela já se derrama de excitação no sussurro do ouvido: diz ao seu ouvido que Glorinha teve câncer, o que faz com que ela sinta o prazer da fofoca quente. Seu rosto se dilata para ele, na empolgação confirma enfaticamente dizendo para o público. “Teve câncer e tiveram que extirpar um seio!” grifando CÂNCER, de forma irônica e debochada e EXTIRPAR fazendo a imagem do açougueiro cortando uma costela com uma faca de cortar osso. Zulmira comemora cuspindo no público: “Tem um seio só!” Tuninho ainda se empolga no proscênio enquanto Zulmira já está relembrando todos os atos de Glorinha. Tuninho conta em tom de fofoca que foi o médico quem lhe contou agora mesmo...“A doença misteriosa era câncer. Ela põe as mãos dele nos seus seios para mostrar que ela tem os dois. Ele grita de euforia. O urro travando os dentes. “Eu, dar em cima dela? Nem pagando!” pois ela sim é a sua mulher que ele estaria digerindo. Ao final ele diz “Foi o médico que me disse... A doença misteriosa era câncer!” – O casal cai numa ironia profunda, pronunciando todas as similaridades de CÂNCER. Ela começa a jogar as coisas, se desfazendo de seus pudores para com ela, Glorinha “Não me cumprimenta... torce o nariz...” Quando ela começa a falar isso procura a Glorinha na platéia. Tuninho, pôr trás, olha na mesma direção e assobia para ela, como no começo. “Castigo”. Ela começa a pular, enquanto ele está acompanhando de perto para levantar seus troféus. Ao terceiro salto ele a ergue, é a sua conquista e diz para todos ouvirem! “Tem um só seio!”- saltando como se estivesse apostando contra a torcida do fluminense.

“Cena da Revelação”

“Tuninho no alto da escada, toca a campainha:”

Ação interior: nervosismo pela chegada na casa de um homem descrito mas nunca visto.

Arruma o cabelo de forma nervosa.

(Este gesto teve início ainda nas improvisações iniciais, onde eu e o Adryano estávamos apenas experimentando os personagens. Antes dos sons.)

Quando ele vem em receber com a poltrona (já estava incorporada também nos primeiros exercícios a visualização da sua sala surgiu o exercício de “Deslocamento e ritmo”)

Pergunto:

“Vim aqui da parte da Zulmira...” fazendo ele se lembrar quem seria? (surgiu numa improvisação: Exercícios dos “Jogos e Estratégias”)

Ele até me colocou fora da sala e eu gritava lá de fora “Zulmira, Zulmira, o Senhor não se lembra!...”

“Morena, morena de olhos verdes” – meu gesto é de um olho entre os dedos que pega um foco, como câmera fotográfica – (improvisação dos instrumentos, onde trouxe uma lata de wisky e uma bolinha de gude que girava ao redor dessa tampa da lata)

“Que fim levou ela” – Pimentel vem caindo sobre mim. Surgiu na improvisação que usava tinta e tentava me safar de suas pinceladas. Ele cai sobre mim e eu vou desviando até que digo:

“FALECEU”

Aí começa a corrida sobre a poltrona, um ballet que surgiu também do exercício de “Deslocamento e Ritmo”.

“PULMÃO – PULF”

Essa explosão é ótima. Eu vejo o pulmão estourando na minha mão. Exercício de “Espacialidade da Palavra”.

A caixinha com chiclete que entrego para o Pimentel foi um bom signo para simbolizar o ciúme de Zulmira (Exercício de Objeto/ Olfato)

Cena: “Do apartamento e da Cobrança”

“Tomando sorvete com o pé na minha casa, vieram os primeiros exercícios, em que um torturava o outro.

O chiclete veio dos cheiros e gostos que um oferecia para o outro que instigou muito o Adryano: - Funcionou.

Quando ele mastigou o chiclete, também foi uma cena de improvisação que eu senti uma grande perda. O chiclete era para eu sentir o cheiro, e o Adryano comeu. Encaixou perfeitamente para passar a idéia que ele comeu minha mulher.

Chegada de Zulmira, e eu fico em uma cena passivo assistindo à transa. Um detalhe interessante é que ela não me vê, mas ele fica perguntando para mim se é verdade que eu lavava as mãos.

Eles simulam a transa na minha frente e quando ela vai embora eu fico em estado de catatonia e ira interior, que veio das improvisações que eu apanhava muito, era pisado pelo Adryano e pintado por todo o rosto.

Quando conto que sou o marido, o próprio, veio muito a ação física de estar debruçado sobre o Pimentel, na improvisação com o pincel, agredindo-o como na cena seguinte onde Tuninho debocha dele dizendo que vai ao jornal Radical. É a cena da desforra, a vitória do Vasco sobre o Fluminense em estádio lotado.

Quando ele sai gritando “chuta!” retoma-se uma cena final do Tuninho, onde a rubrica diz, “chorando com o mais infeliz dos homens”. Eu sinto carregando uma grande bandeira, puxando o Adryano como foi na primeira improvisação.”

A grande dificuldade e, por isso mesmo, o grande desafio deste trabalho foi o de descrever o indescritível. Eu já havia sentido essa ansiedade, quando fiz meu livro sobre o Teatro Oficina,[64] quando demonstrei a criatividade, a qualidade e a irreverência daquele grupo nos anos sessenta. A dificuldade de descrever e analisar formalizações espetaculares, entretanto, é bem menor do que narrar os processos que incluem, por vezes, exercícios sem qualquer intenção de comunicação formal. Exercícios longos que, por algum pequeno momento, revelam, somente ao ator caminhos estimulantes para o seu desempenho.

É preciso destacar, ainda mais uma vez, que minha hipótese pedagógica, é bastante calcada na realidade do local onde trabalho, o Departamento de Teatro da Escola de Comunicações e Artes da

Universidade de São Paulo: seus jovens alunos, as condições materiais ali
disponíveis e, principalmente, o tempo que dispomos para completar o processo de ensino. Tudo o que foi relatado aconteceu em uma sala de ensaios padrão do departamento, e durante vinte encontros semanais dos quais quinze foram usados para os exercícios e cinco para repetições. Neste tempo, além dos cuidados com suas personagens os atores ainda conseguiram realizar uma colagem dramatúrgica das cenas (transcrita no apêndice) e cuidar de detalhes como figurinos, iluminação, objetos de cena, trilha sonora, etc. Tais complementos, concebidos em tempo recorde, muito devem ao fato de terem sido originados a partir dos exercícios de interpretação. A atriz Lívia, foi uma das que mais explicitou, em seus depoimentos, as relações da formalização técnica com as descobertas feitas durante os exercícios. Concluo pois, que o tempo foi o suficiente para os atores, com segurança, chegarem a realização do espetáculo / interpretação, que por sinal, recebeu de grande parte do público presente (inclusive vários professores do departamento) comentários muito estimulantes.

Se o resultado possui relevância, mais importante é o fato de que os atores tenham adquirido consciência da seqüência de Ações e Procedimentos que realizaram para chegar, ao cabo dos encontros, com segurança e portanto com o prazer de expor seu trabalho ao público.

Penso que ficou evidente o fato de que as Ações são obrigatórias, que os procedimentos são facilitadores de consecução e estimuladores da criatividade. Em outras palavras, os quatro atores conseguiram, com tranquilidade e, neste tempo, chegar a composição final de suas personagens porque usaram, num primeiro patamar, de suas experiências sensíveis como “analogon”, como associações, para que iniciassem o processo de conhecimento de um “objeto” apenas sugerido. Que a personagem se revela por suas ações, mas principalmente por seu impulsos dramáticos que os estimulam teatralmente. Que estas associações devem ser feitas com momentos dramaticamente bem diferenciados, porque é somente nos detalhes, nas nuanças que se desvela o objeto/personagem e que se revela o próprio ator. Que o princípio do prazer teatral é aquele que provoca a abertura para o surgimento dos “analogon”. Que as opções de contato marcam definitivamente, e de maneira ímpar, a epifania do objeto na consciência.

Conscientes agora da existência de algo palpável, que está paradoxalmente, fora e dentro do ator, podem incorporá-lo, experimentá-lo radicalmente em seus corpos. Chegamos ao segundo patamar. O patamar da “Impressão Digital”. A palavra “impressão” possui aqui um sentido duplo: o de imprimir, colar, fazer parte e também o de marca de identidade pessoal quando ligada ao adjetivo “digital”. A palavra orgânico que já ouvi muitas vezes usada de maneira imprópria no meio teatral, como uma espécie de adjetivo de qualidade, significa, textualmente, o que se procura durante essa Ação”. [65]

Neste degrau o ator começa a usar o seu instrumento de trabalho, o corpo, para experimentar fisicamente, através de improvisações, o objeto que já estava na consciência. Os procedimentos por mim definidos para esta Ação, baseiam-se no conhecimento humano, por isso o uso, através de improvisações, de estímulos abrangendo os cinco sentidos, à maneira da “estátua” de Condillac que proporcionam ao ator reações espontâneas que caracterizam a sua “impressão digital”, marca de identidade que deve ser documentada e preservada para a realização da terceira Ação.

Comprometidos, através de reações corporais espontâneas, com os estímulos dramáticos/sensíveis, sugeridos pela personagem, podem escolher momentos que, se constituam em promessas futuras de signos teatrais - as “Potencialidades Expressivas” - que deverão ser ampliadas, adaptadas segundo alguns princípios de qualidade da linguagem teatral enunciados suficientemente no capítulo V. Os procedimentos adotados para esta Ação baseiam-se em alguns jogos protótipos de “opção estética” que visam abrir caminhos para configurações expressivas nas dimensões temporal e espacial.

O objetivo último deste processo é o de chegar a uma interpretação orgânica e , por isso mesmo, individualizada e diferenciada por opções estéticas muito conscientes e radicais.

Uma das conseqüências decorrentes de minha hipótese metodológica, a diferença entre as concepções de cada ator, foi sendo detectada, acredito no decorrer da descrição dos processo de criação dos quatro atores. Os estilos de formalização, apenas como exemplo, entre os Tuninhos, de Adryano e Guilherme, e entre as Zulmiras, de Lívia e Clarissa, foi tão significativa, que, após o espetáculo, disseram-me não ser fácil a lembrança de que tinham feito a mesma cena.

Não vou mais me reportar aos detalhes das composições das personagens de “A Falecida”, sob pena de me tornar, muito repetitivo. Quero entretanto identificar pelo menos um exemplo rápido de um corte vertical (no meio de tantos) de composição da personagem que comprova a coerência de meu processo pedagógico: [66]

Guilherme no primeiro patamar (Ação A) pensa em futebol e bandeira. Num segundo patamar (Ação B), durante uma improvisação de sensações, depois de agredir fisicamente Pimentel, é agarrado por trás e o arrasta pelo palco, urrando.

No terceiro patamar (Ação C) trabalha deslocamento e ritmos com o companheiro, numa coreografia com ritmo ascendente, que se inicia em círculos e depois caminha em linha reta para o público. Neste mesmo patamar adapta a figura de Pimentel à bandeira enorme time do Vasco da Gama. Adapta a multidão de um estádio de futebol à platéia. Adapta o “urro” à palavra de ordem das torcidas organizadas. “Chupa” - texto do Nelson Rodrigues.

Consegue assim no final do espetáculo, através desses elementos muito pessoais, totalmente físicos e posteriormente elaborados, construir um signo teatral que exprime alegria, misturada com angústia da personagem. Somente Guilherme através de sua memória, analogias e concepções estéticas faria esta configuração, por isso mesmo ela é a sua “Impressão Digital”, como ser humano e como ator consciente do trabalho de composição de signos expressivos.

“A história das faculdades de nossa estátua mostra o progresso de todas essas coisas. Quando ela estava limitada ao sentimento fundamental, todo seu ser, todo seu conhecimento, todo seu prazer consistiam numa sensação uniforme. Ao lhe conceder sucessivamente novas maneiras de ser e novos sentidos, vimo-la formar desejos, aprender com a experiência a regrá-los ou a satisfazê-los, e passar de necessidade em necessidade, de conhecimento em conhecimento, de prazer em prazer. Portanto, ela não é senão o que adquiriu. Por que não haveria de ser o mesmo com o homem?” [67]

Entendo que os atores, ao adquirirem a consciência destas necessidades básicas, acabarão por incoporar o que é essencial neste processo, mas deverão criar circunstâncias de estilo e imaginação pessoais para a composição de suas futuras personagens.

Finalmente quero dizer que essa sistematização pedagógica não deve significar um “how to”, para ninguém. Aliás nenhuma sistematização deveria servir para tal. Acho que ela será mais útil aos colegas que se dedicaram a essa difícil tarefa, se entenderem meus procedimentos como hipóteses adaptáveis ao seu estilo. Sempre acreditei que a tarefa de educar é tão criativa como o ofício dos atores e, pôr isso mesmo, muito pessoal.



[13] Vide capitulo I, quando definimos pressupostos desta pesquisa.

[14] Eugênio Barba e Nicolas Savarese, op. cit., Pp. 69 e 242.

[15] Étienne Condillac. O tratado das Sensações. Campinas/SP, Editora da UNICAMP, 1993, p. 19.

[16] Anatol Rosenfeld, “O fenômeno Teatral” in Texto e Contexto, São Paulo, Editora Perspectiva, 1969, p. 25

[17] Étienne Condillac, op. cit., p. 18.

[18] Stanislavski, A criação de um papel, p. 25

[19] Jean Paul Sartre, A Imaginação, São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1964, p. 120.

[20] Sarte, cit. em Maurice Merlau- Ponty. Ciências do Homem e Fenomenologia Saraiva, 1973, p. 35)]

[21] Imagine se o ator procurando as ações físicas de Hamlet durante o monólogo do “Ser ou não ser”?.

[22] STANISLAVSKI. A criação de um papel.....pag.220 e 242

[23] O teatro de Meyerhold, op. Cit. p. 209

[24] Meyerhold cit. em Eugênio Barba e Nicolas Savarese, op. cit., p. 216

[25] Constantin Stanislavski. Manual do ator, p. 166

[26] Étienne Condillac, op. cit., p. 228

[27] Lembro-me de certa vez um aluno dizer que a cena do primeiro encontro de Petrúquio e Catarina, em “A megera domada”, se caracterizava toda ela pela agressão entre ambos. Pedi que eles a improvisassem. Evidentemente não conseguiram. O gesto do ator nasce obrigatoriamente do particular, do detalhe.

[28] Dicionário Aurélio, p. 129

[29] Um aluno durante um dos meus cursos de graduação insistia em fazer uma análise de Beckett segundo tinha lido nos livros. Depois de sofrer alguns meses acabou por entender que Estragon em algum momento sonhava com uma cama quente, em outros eram os seus sapatos que o atrapalhavam, e em quase todos os momentos que não tinha o que fazer sentia a presença do tempo e a espera angustiada tornava-se presente. Entendeu que se fizesse esses contatos físicos talvez o público sentisse tragicidade da condição humana” . Somente dai em diante começou a criar o seu papel.

[30] Eugênio Barba e Nicolas Savarase, op. cit., p. 25.

[31] “A fragmentação é indispensável senão se deseja cair na descrição. Seres e coisas devem ser vistos em suas partes separadas. Isole essas partes. Faça-as independentes a fim de dar-lhes uma nova dependência. Eugênio Barba e Nicolas Savarese, op. cit., p.171.

[32] Nos próximos exercícios desta Ação, abandona-se o uso das palavras, uso da mediação articulada, em direção a processos de livre associação. Usa –se de anteparos ligados às linguagens, temporais e espaciais, que serão os esquemas de comunicação usados na expressão do intérprete . Os próximos exercícios, em última análise visam continuar o desvendamento da personagem e refazer a divisão inicial, dando-lhe maior sutileza para se conseguir, desta maneira, a configuração, com os companheiros de cena, das microcenas.

[33] Em cada uma de suas realizações, Meyerhold imprime o seu tempo na encenação. (...) Apoderando-se de ‘A Dama das Camélias’ dispensa-lhe o tratamento de uma sonata. O primeiro ato, cujas seqüências intitula: 1. Depois da Grande Ópera, e Passeio à Festa 2. Uma das Noites 3. O Encontro foi realizado, dramaticamente, segundo os tempi de:

1. Andante, Allegro, Grazioso, Grave 2. Capriccioso, Lento (trio), Scherzando, Largo e Mesto 3. Adagio, Coda, Strepitoso etc." Odette Aslan, Op. cit., p. 152

[34] Adolphe Appia. A obra de Arte Viva, Lisboa, Editora Arcádia, s/d, p. 159

[35] ILINSKI, Igor : “ Sobre eu mesmo” Edição da Sociedade Teatral Pan-Russa Moscou, 1961, p.. 154 , em O teatro de Meyerhold, op. cit. p. 160 )

[36] Roland Barthes. “ Essais critiques”, p. 72, em Jean Jacques Roubinne A Arte do Ator, op. cit., p. 75

[37] Quando Stanislavski explica o famoso “se mágico” base para excitação da imaginação de seus atores percebe-se que a ênfase está toda na sensação: - Que faria eu se, voltando para meu quarto no hotel, ouvisse atrás de mim a voz do proprietário? Mal havia pronunciado o "se" mágico e senti como se alguma coisa me tivesse atingido pelas costas. Comecei a correr, mal sabia o que estava fazendo, e de repente me achei dentro do meu quarto de hotel imaginário." Constantin Stanislavski . A criação de um Papel, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1990, p. 217

[38] Constantin Stanislavski. A criação de um Papel, op. cit., pp. 228 e 22

[39] Constantin Stanislavski . A criação de um Papel, op. cit., p. 220

[40] Continua Stanislavski em outro trecho: “O diretor estabeleceu a distinção entre a memória das sensações (...) ligada aos nossos cinco sentidos - e a memória das emoções. (...)O sentido da visão é a mais receptiva das impressões. A audição também é extremamente sensível. (...) Embora os nossos sentidos de olfato, paladar e tato sejam úteis, e até mesmo importantes em algumas ocasiões, (...) sua função é meramente auxiliar, e têm por finalidade influenciar nossa memória das emoções.” STANISLVAVSKI. C. MANUAL DO ATOR. pp. 108, 131 e 132.

[41] Étienne Condillac, op. cit., p. 186

[42] Odette Aslan, op. cit., p. 267

[43] Husserl cit. em Merleau Ponty Ciências do homem e fenomenologia, op. cit., p. 62

[44] Mikel Dufrenne, Phénoménologie de l'expérience esthétique, Paris, Presses Universitaires de France, 1967, p. 59

[45] Anatol Rosenfeld. Op. cit., p. 31

[46] Étienne Condillac, op. cit., p. 12 e 15

[47] Étienne Condillac, op. cit., p. 204

[48] Que o teatro é uma articulação de signos expressivos, ninguém discorda, até mesmo Stanislavski, que para muitos é “naturalista”, entendia que o seu trabalho, em determinada fase se elevaria “(... )do plano da razão para a esfera dos sonhos artísticos. (...) usar nossa visão interior para ver todo tipo de imagens visuais, criaturas vivas, rostos humanos, suas feições, paisagens, o mundo material dos objetos, cenários, e assim por diante. (...) ouvir toda sorte de melodias, vozes, entonações, etc.” ( Constantin Stanislavski . A criação de um Papel, op. cit., p. 36 )

[49] Husserl cit. pôr Merleau Ponty Ciências do homem e fenomenologia, op. cit., p. 44)

[50] Mikel Dufrenne. op. cit., p. 5 Grotwiski assim explica o signo: “En última instancia es una reacción humana purificada de todos los fragmentos o de todos los detalles que no sean de primor-dial importancia. Las acciones de los actores son signos. Jerzy Grotowski. “El discurso de Skara” em Hacia un teatro pobre. Op. cit., p. 193.

[51] Eugênio Barba e Nicolas Savarese, op. cit., p. 257

[52] Os místicos do oriente já assinalavam para tal e a ciência já confirmou tudo isso : “Todas as coisas são agregadas de átomos que dançam e, por meio de seus movimentos, produzem sons. Quando o ritmo da dança se modifica, o som que produz também se modifica. Cada átomo canta incessantemente sua canção e o som, a cada momento, cria formas densas e sutis. A semelhança entre esta concepção e a da Física moderna podemos encontrar no som que é uma onda com uma certa freqüência que muda quando o som também muda, e que as partículas, o equivalente moderno do velho conceito de átomos, são igualmente ondas com freqüências proporcionais à sua energia. De acordo com a teoria de campo, cada partícula efetivamente “canta incessantemente sua canção”, produzindo padrões rítmicos de energia (as partículas virtuais) em “formas densas e sutis” * Capra, O tão da física, p. 182 - 183.

[53] Veja a esse respeito : “Quando, por tal meio, a estátua descobriu um certo espaço e experimentou um certo número de sensações, ela lembra pelo menos confusamente tudo o que gozou. Dê um lado lembrando que deve tal prazer a seus movimentos, de outro lado sentindo que seus movimentos estão à sua disposição, ela deseja percorrer uma vez mais esse espaço e obter as mesmas sensações que aprendeu a conhecer. Assim, ela não se move mais pelo simples prazer de se mover.

Mas como nem sempre passa pelos mesmos lugares, de tempos em tempos ela experimenta sentimentos que lhe eram totalmente desconhecidos. À medida que os experimenta, ela julga que seus movimentos são capazes de lhe proporcionar novos prazeres, e esta esperança se torna o princípio que a move.” Étienne Condillac, op. cit., p. 132)

[54] Depoimento de minha orintanda Rocio Santa Maria em sua defesa de “Dissertação de Mestrado”. O espetáculo era “O homem da flor na boca” de Pirandelo e o ator era Cacá Carvalho.

[55] Ferdinando Taviani, “Visão Do Ator e Visão do Expectador”, em Eugênio Barba e Nicolas Savarese, op. cit., p. 257

[56] O espetáculo era uma compactação de alguns momentos da peça “Macbeth” de Shakespeare, apresentados na ECA por dois dos meus alunos da graduação, Renê e Rosana, em 20 de novembro de 1998.

[57] Richard Schechener, de maneira esquemática, entretanto que possibilita interessantes reflexões, estabelece dois tipos de técnicas. A de ‘inculturação’, que consiste em um processo mental que anima e dilata a naturalidade inculturada do ator. Por meio do ‘se mágico’, por meio de uma codificação mental, os atores alteram seu comportamento cotidiano, mudam sua maneira habitual de ser, e materializam a personagem que eles vão retratar(...) e a de ‘aculturação’, que artificializa (ou estiliza), o comportamento do ator-bailarino.

A técnica de aculturação é a distorção da aparência usual (natural), a fim de recriá-la sensorialmente de uma maneira fresca e surpreendente. No caminho da ‘aculturação’ é difícil distinguir o ator do bailarino.” (Richard Schechener, em Eugênio Barba e Nicolas Savarese, op. cit., p. 188 e 190)

[58] Vesevólod Meyerhold, " Meyerhold Fala”, em O teatro de Meyerhold, op. cit. p. 208

[59] "A Arte Secreta do Ator", Eugênio Barba e N. ... pág. 100

[60] Condillac, p. 129

[61] Eis algumas citações a respeito da consciência da presença do público:

É com esta convenção que o teatro contemporâneo basicamente começou a funcionar, mesmo quando ele se livrou da dominação do mimetismo e do naturalismo. Não obstante, ele tomou consciência do caráter implícito e paradoxal do estatuto do espectador. A verdadeira função do espectador é uma coisa difícil de entender: ele está ali e, ao mesmo tempo, não esta ali; ele é ignorado, e no entanto necessário O trabalho do ator não é feito para o público, e no entanto o é sempre. Aquele que olha é um companheiro que se deve esquecer e, contudo, tê-lo sempre presente no espírito. Um gesto é afirmação, expressão, comunicação, e ao mesmo tempo é uma manifestação pessoal de solidão - é sempre o que Artaud chama de "um sinal através das chamas -, e portanto isso implica uma experiência compartilhada, a partir do momento em que o contato é estabelecido"(Peter Brook. O teatro e seu espaço p.. 92

"O ator que me interessa é o ator que, estando consciente do artificio básico - eu estou diante dos outros -, consegue superá-lo e atingir uma nudez essencial, uma integridade que, por sua vez, me perturba, me obriga a me reconsiderar diante do mundo. Nada me toca tanto quanto o espetáculo de uma teatralidade aberta, que faz do espectador o protagonista, verdadeiro, definitivo, da representação" (Jacques Lassalle , Journal du Théâtre National de Chaillot, n. 11, abril de 1983 citado por ROUBINE, Jean- Jacques. A Arte do Ator, pags.94 e 95

[62] citado em Eugênio Barba e Nicolas Savarese, op. cit., p.234

[63] Eugênio Barba, "A Arte Secreta do Ator”, op. cit., p. 147

Eis algumas citações a respeito:

“Ela começou a ensaiar usando um critério que Brecht generalizaria depois no Berliner Ensemble: ela trabalhou sua parte inteira muitas e muitas vezes, concentrando-se somente em esboços interpretativos aproximados, sem formas definidas. Weigel tinha a seu dispor cerca de uma centena de detalhes diferentes e posturas narrativas que ela podia usar para revelar o relacionamento entre a Mãe Coragem e as outras personagens; e desenvolveu outros detalhes e posturas em atuações posteriores. A postura da enorme dor, a imagem inesquecível de Weigel mantendo sua boca aberta amplamente, mas sem emitir nenhum som, apareceu após muitas representações, quando do seu subconsciente veio u ma imagem que ela viu certa vez numa fotografia de jornal: uma mulher indiana gritando durante o assassinato do seu filho.” Claudio Meldolesi, “Brecht em Ensaio”, Eugênio Barba, A Arte Secreta do Ator, op. cit., p. 235

“Vocês devem estar continuamente ampliando o seu repertório. Com este objetivo, devem valer-se sobretudo de suas próprias impressões, sentimentos e experiências. Podem, também, obter o seu material na vida real ou imaginária ao seu redor, em reminiscências, livros, arte, ciência, em todos os tipos de conhecimento, viagens, museus e, acima de tudo, em sua comunicação com outros seres humanos. A experiência interior de um ator e o círculo de suas impressões e emoções vivas devem, por certo, ser constantemente ampliados, pois é apenas sob tais condições que um ator pode ampliar o círculo de sua própria criatividade.” Constantin Stanislavski. Manual do ator , p. 128

[64]Oficina do Teatro ao Teatro”, SP. Editora Perspectiva, 1981.

[65] “ Orgânico = arraigado profundamente; que tem o caráter de um desenvolvimento natural, em oposição ao que é ideado, calculado” (Aurélio, p. 1232)

[66] Os depoimentos de Lívia, pôr exemplo, explicitam vários destes cortes.

[67] Étienne Condillac, op. cit., p. 242

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