terça-feira, 9 de setembro de 2008

REPORTAGEM ESPECIAL - TEXTO DE TEATRO

REPORTAGEM ESPECIAL

de Armando Sérgio da Silva

PERSONAGENS:

· GUERRERO

· SARAH

· ÍNDIA JANDIRA

· THOMAS

· CHAFIA

· BOZZI

· BELA

· JULINHA

· VELHO

· OPERADOR

· LOCUTOR

· JORNALISTA

· BISPO

ATO ÚNICO

1. ESTUDIO DE APRESENTAÇÃO DE TELEJORNAL

(música introdutória para jornal falado)

Voz de locutor: Morreu o grande “Homem”! É com imensa tristeza que noticiamos o

fato mais trágico dos últimos anos. O governo Militar Provisório acaba de decretar luto nacional por três dias em todo o país. A bandeira brasileira já tremula triste em todos os edifícios públicos...de norte a sul...Temos certeza que o vazio deixado por sua ausência jamais será preenchido. Os habitantes dessa nação choram pelas ruas. Nas casas, nos bares, nas praças, em todos os lugares, nesse exato momento existem apenas um som e um rosto. Um rosto deformado pelo sofrimento e o som terrível de um grito agudo e desesperado. É uma verdade incontestável... Nesse momento o mais humilde trabalhador e o mais rico homem de negócio unem-se num mesmo pranto. As igrejas, todas as igrejas do país, ainda não pararam de badalar seus sinos. Em todas as fábricas, casas comerciais, campos de lavoura, o trabalho foi interrompido por quinze minutos... Os carros nas grandes cidades, quando foi dada a trágica notícia, repicaram suas buzinas num protesto contra o destino implacável. Todos os canais de televisão, durante toda a tarde, mostravam apenas a palavra “TRISTEZA” em seus vídeos. Antes de morrer apenas algumas palavras... Meu Deus, e que palavras... (o locutor se emociona) (sua voz fica embargada). Peço perdão a todos que causei algum mal... (voz do jornalista ainda mais embargada...). Apesar de estarmos trabalhando, somos tão humanos como vocês. Nossa voz já não mais nos obedece... Temos que formar um coro geral e, com muito orgulho, choramos junto com o povo! (som de música de jornal acompanhado de pranto).

2. Auditório de Televisão

APRESENTADOR -(off) Hoje conosco, pela primeira vez, compondo nosso corpo de jurados a atriz Sarah

Mendes, da novela “Almas em Conflito”. Para quem eu pediria uma grande salva de palmas.

SARAH - (Levanta - se e agradece solenemente)

APRESENTADOR - (off) Obrigado Sarah, você deixa mais bonito e mais sensível o nosso palco. Hoje

finalmente chega a hora de nossa grande atração! ( Música de suspense) Nós prometemos e a trouxemos, fomos buscá-la no interior de Roraima... A incrível maga, vidente, que está nas primeiras páginas de todos os jornais do país... Na verdade ela tem feito milagres inacreditáveis em sua humilde aldeia... Na porta de seu casebre formam - se, todos dos dias, filas e mais filas de pessoas que desesperadas procuram seu consolo... seus conselhos, sua cura... Com vocês.... A “Índia Jandira” (música sobe e entra em cena Jandira, é bem morena com os cabelos exageradamente tingidos de loiro e muito maquiada, principalmente a boca com um baton extremamente vermelho. Dirige-se para o lado de Sarah, até chegar bem perto da atriz)

APRESENTADOR: (Enquanto as duas se olham)

Vamos pedir para a produção buscar na platéia as pessoas que vão ser curadas pôr essa criatura excepcional... Pedimos a essas pessoas que deixem com amigos seus objetos pessoais... Índia Jandira, como vocês sabem não admite... que ninguém carregue junto de si valores ou objetos...Quero lembrar que se trouxerem qualquer objeto perto dela, o mesmos, como já aconteceu em outras vezes, serão imediatamente destruídos, por sua força cósmica.(som alto e vozes confusas )

( Como se o tempo parasse silêncio total e foco em Sarah e Índia Jandira

INDIA JANDIRA -( olhando bem no rosto de Sarah ) Não vim pela palhaçada...Com esse poder que é

podre todos gostam da palhaçada... Faço palhaçada ...para todos os palhaços... Mas não para você...Vim hoje porque o destino deve seguir... Vim pôr tua causa...Por tua causa... Porque te amo ...

SARAH - Não entendo?

INDIA JANDIRA -Entende sim ... Você me esperava...

SARAH - Você está me assustando ...

INDIA JANDIRA - Não fale nada porque tudo o que você for falar eu já ouvi ontem...

(Sarah faz menção de falar e Índia Jandira coloca a mão na sua boca) O que é que você quer Índia Jandira ? Não é isso o que você ia falar? (Sarah faz menção de falar) Eu estou com medo Índia Jandira ... é isso o que você queria falar? (Sarah entra em pânico) Quieta... Quieta... Não se mexa... Nem uma palavra... Nenhum movimento... Você agora é só... um imenso ouvido... pra escutá Índia Jandira... (Sarah fica como que hipnotizada) Tu és da minha carne e do meu sangue.. Tu és a minha parte chaca ... Tu és da parte minha que eu não gosto... Tu és o útero... que não pode gerar... Tu és a mão que agarra ... e não larga mais ... a boca que não larga... até vir o sangue... Tu és o fogo dos homens e das mulheres... Tu és a enviada por nossa mãe de Deus para esse mundo.. eu para o outro... Por isso é que tu és forte como o leão... enganosa como a serpente... e rápida como corça... sedutora como o pavão... Os homens de Deus não podem com você... Você vai fazer dos corajosos covardes e dos covardes corajosos... Assim é minha irmã ... Vida muito bonita e morte... que eu não quero nem falar... Assim tem que ser minha irmã... Vive minha carne... e deixa o teu espírito para mim...tu não tem mais espírito e eu não tenho mais a carne... Assim é... Assim e... (Índia vai dizendo Assim é ... enquanto dirige os lábios vermelhos até os de Sarah e os beija suavemente).... (Barulho ensurdecedor de música e gritos da platéia.. black - out )

3. . AUTOMÓVEL DE GUERRERO

GUERRERO - Eu sou muito feliz...

SARAH - (Apenas olha de lado para Guerrero)

GUERRERO - Nós... Somos felizes...

SARAH - (repete o gesto)

GUERRERO - O que houve?

SARAH - (muda)

GUERRERO - O gato comeu sua língua?

SARAH - ( continua olhando para frente e mostra a língua)

GUERRERO - Está difícil...

SARAH - ( Põe a língua para dentro)

GUERRERO - A conversa...

SARAH - (Põe a língua para fora)

GUERRERO - (Põe a mão na perna de Sarah)

SARAH - ( Abre exageradamente as pernas)

GUERRERO - ( Se assusta)

SARAH - (Sorri)

GUERRERO - (Sorrindo) O que houve?

SARAH - (Enquanto põe a língua para fora e para dentro, ao mesmo tempo em que abre e fecha as

pernas) Está... tudo....tão....tão...monótono... monótono...

GUERRERO - Eu te amo....

SARAH - (Abre a blusa e se mostra pela janela do automóvel, ouve -se o barulho de uma freada

violenta. Os dois caem na risada)

GUERRERO - Você é doida varrida...

SARAH - Você me ama?

GUERRERO - Se você soubesse...

SARAH - (cortanto) Eu não estaria perguntando...

GUERRERO - O quanto eu te amo...

SARAH - Mo.......... nó...............to..........no..................Monótono.... Mês.........mi.......sse..........

GUERRERO - Desembucha vai....

SARAH - Você quer viajar?

GUERRERO - Para onde?

SARAH - Para nenhum lugar... Viajar só....Voar...bem alto....Para que todo mundo veja a sola dos

seus sapatos...

GUERRERO - Você realmente está muito....

SARAH - Shiiiiiiiiiiuuuuuuuuuuu....Silêncio....

GUERRERO - (repete o som e o gesto de Sarah)

SARAH - Depois de tudo você vai me perdoar...

GUERRERO - Perdoar...o que você...

SARAH - Shhhhiiiiiiiiiiiuuuuuuuuu.....Para o carro.....

GUERRERO - (Freia)

SARAH - O Sol está se pondo....Você está vendo está planície e aquelas montanhas lá no fundo com

o sol se pondo?

GUERRERO -(Olha maravilhado) Lindo....

SARAH - Não tem limites....

GUERREO - É não tem fim...

SARAH - Quer voar até lá...viajar comigo?

GUERRERO - Lógico que eu quero....

SARAH - Então vamos....

GUERRERO - Como?

SARAH - Difícil... não é....? Nós não temos asas... e mesmo que tivéssemos...é tão maravilhosamente

longe....muito longe.....

GUERRERO - (Olha ternamente para Sarah)

SARAH - Meu amor... me abraça para me ouvir....Eu acho que sei como...Você tem coragem...As

vezes o caminho é muito feio... mas depois....Confia em mim...Eu vou ter que mudar... um pouco...Vou ter que deixar de amar você...por uns tempos...Não existe amor maior do que deixar de amar...até odiar... se for necessário...Eu sou da carne... das coisas mundanas... (Abraça Guerrero fortemente)

GUERRERO - Eu não estou entendendo...quase nada do que você está falando, mas tenho medo...

SARAH - ( afastando -se ) É por isso que eu te odeio...Porque você não entende nada...Porque você

não é capaz de viajar sonhar....Porque você não é capaz de enxergar um palmo adiante do seu nariz...porque você é medíocre...incompetente... covarde... (Sarah começa a chorar convulsivamente)

GUERRERO - Sarah (tenta abraça-la)

SARAH - (grita) Não me toque!

GUERRERO - Mas eu te amo...

SARAH - Você não ama nem a você mesmo...(canta) Mo.......nó.......to.....no......Mo.....nó...to..no...

GUERRERO - O que você quer?

SARAH - Que você não pergunte mais nada...Não pense em mais nada só faça o que deve ser feito...

GUERRERO - E o que deve ser feito?

SARAH - Aquilo que deverá ser feito...

GUERRERO - E quando começa?

SARAH - Agora... quando eu começo a te odiar.... meu amor....(Sai e bate porta do carro)

4. QUARTO DE MOTEL

( Sarah e Bozzi acabaram de tomar uma ducha juntos... Ela está com uma toalha enrolada no corpo. Ele com um roupão de banho.)

SARAH - (enquanto acende um cigarro) Você prometeu, Bozzi...

BOZZI - Eu sei, eu sempre cumpri minhas promessas... mas você sabe, as decisões não dependem só do meu voto...

SARAH - E de quem mais dependem as decisões...

BOZZI - Você gosta muito dele não?

SARAH - Pra fazer o que eu estou fazendo...

BOZZI - Na cama você não parecia assim tão “obrigada”...

SARAH - Isso é problema meu...

BOZZI - Mas você gostou ou não gostou?

SARAH - Se isso te satisfaz... eu gostei, pronto... Mas o que está interessando agora é... De que dependem as decisões...

BOZZI - Você sabe... Aliás você está cansada de saber... Tudo lá depende de nós dois...

SARAH - Você tem razão, eu estou cansada de saber, mas... Olha Bozzi, não dá... não é possível... Eu não teria coragem...

BOZZI - Em outras circunstâncias você não precisaria ... Mas o teu marido... Você entende, né? Está começando agora... E a reportagem é muito importante... Pra falar a verdade, vai ser a mais importante deste ano...

SARAH - Você o conhece bem?

BOZZI - Quem?

SARAH - O outro chefe.

BOZZI - O suficiente...

SARAH - Como ele é...quero dizer... é sensual ?

BOZZI - Até aí eu não conheço, calma lá ... Eu só sei é que ele tem uma queda especial por você...

SARAH - Mas eu detesto aquele cara...

BOZZI - Até que ele não é má pessoa.

SARAH - Como é que você sabe que ele tem uma queda por mim?

BOZZI - Eu sei ora...

SARAH - Eu sei ora, não... O que é que há de positivo?

BOZZI - Sarah, eu acho bom a gente não...

SARAH - Fala Bozzi, pode falar...

BOZZI - Por que é que você pensa que entrou para o elenco da novela?

SARAH - Eu sempre pensei que, em parte, fosse por causa do meu sucesso no teatro.

BOZZI - Você pensa que o público tem muito tempo para ler comentários e críticas teatrais? O sucesso que você obteve no teatro foi tão insignificante para os produtores e espectadores que não chegou a significar nada para a sua contratação... E tal seria uma pecinha de vanguarda, das muito chatas, assistida por quinhentas pessoas...

E depois tem mais de vinte atrizes que fizeram o mesmo sucesso que você no ano passado e não tem sequer um novo contrato para o teatro...

SARAH - Se tem uma coisa que eu admiro em você, é a sua sinceridade...

BOZZI - Não se iluda não... Eu só sou sincero quando a sinceridade não me prejudica... e é o caso no momento... Mas na verdade foi ele quem influiu muito na sua contratação...

SARAH - Gosta de mim ?

BOZZI - É evidente... É óbvio !

SARAH - Mas por que é que ele não chegou antes?

BOZZI - Como você é ingênua... É muito mais fácil pressionar alguém depois... depois de mostrar-lhe o paraíso... Sem conhecer o paraíso pode-se não precisar dele.

SARAH - Quer dizer que mais cedo mais tarde ele vai...

BOZZI - Não tenha a menor dúvida... É que ele é um pouco tímido...

SARAH - Tímido?... Eu já estou ficando penalizada... Você acha que adiantaria?

BOZZI - Certeza absoluta... Afinal a reportagem sobre o “GRANDE HOMEM” é a mais importante, mas também é a mais fácil... Todo mundo já o conhece... Colocar o seu marido como repórter principal não vai comprometer o programa... No caso é como uma nomeação de funcionário público. Qualquer um pode fazer o trabalho...

SARAH - E como é que eu chego nele?

BOZZI - Como se chega em qualquer homem de negócios... “Se eu for boazinha, você deixa o meu marido fazer a reportagem?”

SARAH - Meu Deus! Como eu tenho que aprender!

BOZZI - Você ainda não viu nada.

SARAH - Me responde uma coisa?

BOZZI - Hoje eu estou respondendo tudo... Eu estou alegre, você entende?

SARAH - Entendo perfeitamente... Escuta, como é que vocês conseguem ser cínicos...

BOZZI - O cinismo, grande atriz, não é uma questão de talento, mas de situação... O cinismo é um poder... E isso eu e o outro chefe temos de sobra... (nessa altura já estão vestidos)

BOZZI - Você vai comigo ou vai sozinha?

SARAH - (olha bem o rosto de Bozzi, sorri) Eu vou sozinha

BOZZI - (saindo) Todo o sucesso do mundo pro teu marido...

Afinal... (olha para o corpo de Sarah e sorri) Ele merece...

SARAH - (fica só, pensativa - a luz cai em resistência)

5. BARZINHO

(Guerrero e Thomas - bebem um chopp)

THOMAS - E o informativo do meio dia?

GUERRERO - 20

THOMAS - Cuidado, hein?

GUERRERO - O programa concorrente não chega nem a 15%...

THOMAS - É o sistema da casa, menos de 20, rua...

GUERRERO - Isso nunca vai acontecer...

THOMAS - Como é que você sabe?

GUERRERO - Esses 20% são os chamados passivos... Fiéis ao nosso canal, qualquer que seja o programa... Você entende?

Eles tem preguiça de levantar da poltrona e mudar de canal... São uns anjos, você não acha?

THOMAS - Eu tô por fora...

GUERRERO - É porque você nunca teve um programa seu no ar.

THOMAS - Quer dizer que vocês nunca vão ter menos de 20%

GUERRERO - Só em casos raríssimos... Se começar a elevar muito o nível do programa, por exemplo...

THOMAS - Por isso é que... aquela reportagem...

GUERRERO - É, por isso mesmo... Eu tive que reformular...

THOMAS - Quer dizer que ela estava boa?

GUERRERO - Foi a melhor que você fez... As outras foram apenas boas e deu pra gente segurar os passivos...

THOMAS - Cá entre nós, Guerrero, você às vezes não sente vergonha?

GUERRERO - Sinto, e muita...

THOMAS - Então porque você não...

GUERRERO - “Por que você não”, o que, Thomas?

THOMAS - O que adianta ter um emprego assim?

GUERRERO - Quinze mil setecentos e vinte cruzeiros e trinta centavos...

THOMAS - Eu sempre achei você inteligente...

GUERRERO - E agora você tem mais um motivo...

THOMAS - Não sei não.

GUERRERO - E você?

THOMAS - Não sei não.

GUERRERO - E você?

THOMAS - Eu nunca vou deixar de ser “free-lancer”...

GUERRERO - Sabe, outro dia mesmo sua jovem esposa estava pedindo pra eu arrumar algo fixo aqui na T.V. Sabe que ela se sente muito insegura...

THOMAS - Eu quero que minha jovem esposa se azare...

GUERRERO - Ela já falou com você?

THOMAS - Ela não tem coragem pra isso...

GUERRERO - Sabe que até certo ponto você tem razão... eu acho que a minha mulher está louca pra que eu tome conta do noticiário das oito... E se eu dirigir o das oito ela vai querer que eu faça reportagens especiais... O que será que as mulheres querem... O que é que você quer, THOMAS?

THOMAS - Fazer jornalismo...

GUERRERO - Eu faço isso há cinco anos e estou com o saco cheio...

THOMAS - Eu quero a verdade...

GUERRERO - Agora você está falando igual a um santo... Por favor, Thomas, vamos conversar como gente grande...

THOMAS - O jornalismo só tem sentido quando está cheio de verdade, será que você não entende? Senão não é jornalismo. O jornalismo é o baluarte da democracia...

GUERRERO - Que democracia? Você ficou louco?

THOMAS - Isto não dura para sempre.... O jornalismo é a única força não institucionalizada dos tempos modernos. Eu ainda não consegui fazer o jornalismo que eu queria porque esses editores são uns merdas, são uns vendidos... A verdade, Guerreiro, é a única motivação da vida de um jornalista...

GUERRERO - (bate palmas vagarosa e compassadamente...)

THOMAS - (para de falar)

GUERRERO - (encara Thomas por uns instantes e depois quebra a tensão) Não enche o saco, Thomas... Vamos tomar mais um chopp...

THOMAS - (faz menção de falar)

GUERRERO - Se você hoje falar mais uma bobagem, vai tomar chopp sozinho...

THOMAS - (olhando na direção de Guerrero. Sarah entra e fica atrás de Guerrero) Acaba de chegar a melhor atriz do nosso teatro...

GUERRERO - Oi Sarah?

SARAH - (faz sinal de “oi”, sem se mexer)

THOMAS - Só porque eu falei que é a melhor atriz do nosso teatro?

GUERRERO - Também, mas é porque antes de tudo eu conheço a minha mulher pelo cheiro...

SARAH - Eu só conheço o meu homem pelo gosto... (dá-lhe um beijo)

(Thomas sorri)

SARAH - (senta-se) Sobre o que vocês estavam falando?

GUERRERO - Sobre a verdade.

SARAH - Depois de quantos chopps?

THOMAS - Vários, pra falar a verdade foram muitos...

SARAH - Eu tenho uma notícia boa pra você... Me telefonaram.

GUERRERO - De fato, é muito boa...

SARAH - Num brinca, Guerrero... quem telefonou foi o Chafia

GUERRERO - Você quer dizer o Sr. Chafia, mais conhecido como o Grande Cacique?

SARAH - Ele mesmo.

THOMAS - Conta logo Sarah, que eu já tou curioso...

SARAH - (mostrando despreocupação e naturalidade) É alguma coisa sobre Reportagens Especiais...

GUERRERO - Eu não te falei, Thomas?

THOMAS - (sorri)

SARAH - Falou o que? O que é que vocês têm?

THOMAS - É que além de falar sobre a verdade, a gente falou sobre as mulheres...

SARAH - E daí?

GUERRERO - Daí a gente chegou a conclusão que elas são, em geral, muito gostosas...

THOMAS - Você tem alguma coisa contra?

SARAH - Já vi que o papo aqui tá furado, furado...

GUERRERO - Tem toda razão... Vamos lá ver o cacique...

SARAH - Vai você que agora chegou a minha vez de beber um chopp.

GUERRERO - Tá OK... (para Thomas). Olha, faz favor de não deixar a senhora pagar a conta ...

SARAH - Boa sorte Guerrero...

GUERRERO - Do jeito que você falou parece que vou encontrar um cacique faminto...

THOMAS - Quem sabe, Guerrero, quem sabe?

GUERRERO - (beija apressadamente Sarah e vai saindo)

THOMAS - Qualquer dia o nosso papo continua...

GUERRERO - Que papo?

THOMAS - (sorrindo) A verdade.

GUERRERO - Não enche o saco, Thomas. (sai)

THOMAS - (para um garçom imaginário) Sai um chopp.

SARAH - Você gosta dele?

THOMAS - Muito, e você?

SARAH - Não tanto quanto você... Mas gosto.

THOMAS - Você é capaz de me fazer um favor?

SARAH - Faço.

THOMAS - Eu sei que é uma coisa meio boba, sabe? Olha eu to com uns problemas com a Julinha... A gente não se entende... E eu estou meio bêbado... Eu queria ficar falando, e chorando, metendo o pau nela... mas eu preciso que alguém fique ouvindo, me ajudando...

SARAH - Não por nada, Thomas, mas eu não tenho muito tempo...

THOMAS - Você disse que ia fazer um favor ...

SARAH - (frustrada) Vai, desembucha!!! (para o garçom) Me traz um chopp grande, o maior que você tiver...

THOMAS - Sabe Sarah... (lamúria). Eu não entendo como alguém pode infernar tanto a vida de um sujeito... No outro dia mesmo...

(luz vai caindo em resistência, vai sumindo a voz de Thomas)

6. ESCRITÓRIO

(Chafia, o grande cacique, está sentado em uma poltrona confortável, atrás de uma mesa. Na parede, um cartaz com letras garrafais: “O poder de Comunicação”.)

CHAFIA - (no interfone) Me liga com o instituto de estatística.

Eu estou esperando... (pega o fone) É o Valter?

Então escuta essa... eu quero que você vá pra puta que o pariu. É isso mesmo...Vá a merda, Valter!

Eu não estou nervoso merda nenhuma... Quando eu fico nervoso, eu não consigo falar... Eu estou é um pouco aborrecido com você... vamos ver se você adivinha porque... Adivinhou... Não me enche o saco com os seus números... Todo mundo sabe que horário a população está ligada no meu canal... Científica, o que... Pesquisa de merda a sua, tá bom...

Não adianta você me mostrar números... Eu quero que os números todos do mundo se... Você quer me escutar... Você quer me escutar... (gritando) Você quer calar a boca, pô... Tá bom, tá bom. Vamos falar com calma... Que nervoso, o que! Você ainda não me viu nervoso... Está OK, Valter, vamos falar na tua linguagem então... Eu quero que essas merdas de números sejam mudados na semana que vem... É eu sei que é difícil, mas os números, Valter, precisam ser mudados, o que é que há? Até parece que é a primeira vez... Você se esqueceu que eu te conheço? E de longa data, velho... Ah! Não é impossível né... Tá melhorando.

Eu sei que você vai se arriscar... Se der bolo a gente dá cobertura... Você sabe muito bem que eu nunca quis nada de graça... O que que você quer... Puta que pariu!

Só isso! Sabe Valter eu tenho até certa admiração por você... você sabe se vender... Olha qualquer dia vai acabar comprando a minha Rede... (sorri). Quem sou é... Quanto? ... de 38 pra 60... Tá OK...

Mas não pense que está barato, não... Tá bom vale, vai... quando/ a hora que você quiser... É lógico que é sem recibo... Como das outras vezes...

Certo... certo... E a família, vai bem... A minha também, obrigado... Um abraço, Valter... Qualquer dia vamos jantar juntos? Eu compreendo... Até logo... você vai longe, rapaz... (desliga) Grande filho da puta!

(no interfone) Não, eu não estou pra ninguém... Quem? Guerrero?... Quem é esse cara? Ah! lógico do Jornal do Meio Dia... Manda ele entrar...

GUERRERO - (entra) A minha mulher me avisou...

CHAFIA - A sua mulher jovem, é uma grande atriz...

GUERRERO - Obrigado... Mas ela me disse que o sr...

CHAFIA - Eu sei o que ela disse, fui eu quem mandou dizer. Sente-se... Quanto você ganha aqui?

GUERRERO - Quinze mil e pouco...

CHAFIA - Você gostaria de ganhar 50?

GUERRERO - Bem, eu...

CHAFIA - Olha, eu não tenho muito tempo... Que tal sessenta? (Chafia sente um prazer nesse jogo) Tá bom...?

GUERRERO - (assustado faz que sim com a cabeça)

CHAFIA - Ótimo, então estamos combinados... Sessenta e mais despesas... Você vai fazer uma reportagem especial...Ela irá ao ar daqui a um mês, exatamente... no dia 9 de abril. Você terá a sua disposição todo o aparelhamento necessário, além de um cinegrafiasta e uma secretária...Se tudo correr bem, você continuará fazendo reportagens especiais, ganhando, é evidente, o mesmo ordenado... Mais alguma coisa?

GUERRERO - Eu gostaria de ter um ajudante...

CHAFIA - Contando que fique em quinze mil...

GUERRERO - Está bem...

CHAFIA - Quem é?

GUERRERO - Thomas.

CHAFIA - Não conheço.

GUERRERO - É um bom articulista “Free-lancer”.

CHAFIA - “Free - lancer”? Sei.... Chame o homem... Mais alguma coisa?

GUERRERO - O tema da reportagem...

CHAFIA - (sorrindo) Eu não disse? Que cabeça a minha... Pois bem, segure-se rapaz. O tema é “O Grande Homem”...

GUERRERO - Você não está se referindo...

CHAFIA - É ele mesmo...

GUERRERO - Me desculpe, mas eu...

CHAFIA - Você está assustado, não é? ... Eu já previa... Olha, eu estou com um problema grave pra resolver hoje, se você não se incomoda...

GUERRERO - Só mais uma coisa... Por que eu?

CHAFIA - E por que não você?

GUERRERO - Bem é que...

CHAFIA - Você não se acha capaz?

GUERRERO - Não é isso é que...

CHAFIA - É que o que?

GUERRERO - No momento eu estou um pouco... (toca o telefone)

CHAFIA - (atendendo) Quem? Manda ele à merda... Eu sei que ele está cumprindo ordens... Faz o seguinte, manda o chefe dele também à merda... Manda também o chefe do chefe, manda todo mundo... quem? Espera aí. Deixa que esse eu mesmo mando à merda... Onde é que ele está... Eu vou já pra aí...

(Chafia sai depressa da sala e deixa Guerrero atônito sentado sozinho na sala. Num repente Chafia volta)

Escuta rapaz, se você vai ficar pensando na vida em vez de trabalhar, essa reportagem não vai ficar pronta nem daqui a um ano. Você já devia ter começado ontem... Boa sorte, jornalista... (vai sair) E dê minhas lembranças à sua mulher... (sai)

GUERRERO - (levanta-se vai sair, mas senta-se novamente, agora virando-se de frente para o público... Está confuso e muito assustado)

SECRETÁRIA - (entra, dá ordem na mesa de Chafia, olha para Guerrero) Meus parabéns...

GUERRERO - (não ouve)

SECRETÁRIA - (mais alto) Meus parabéns!

GUERRERO - Ham... Ah! Muito obrigado...

SECRETÁRIA - Eu gostava muito dele...

GUERRERO - De quem?

SECRETÁRIA - Do “Grande Homem”, ora.

GUERRERO - (fica olhando para a secretária)

SECRETÁRIA - O sr. está sentindo-se bem?

GUERRERO - Quantas vezes minha mulher esteve aqui neste escritório...

SECRETÁRIA - Nenhuma... Houve apenas um telefonema ontem à noite. Por que? Algum problema?

GUERRERO - Você tem marido?

SECRETÁRIA - Não.

GUERRERO - Por que?

SECRETÁRIA - Não sei (pausa). Você vai ficar aqui?

GUERRERO - Fazendo o que?

SECRETÁRIA - (o gesto de quem não entende nada. Sai)

GUERRERO - Olhe, se você um dia... (nota a ausência da secretária, calmamente se levanta e sai de cena. Black-out)

7. SALA DO APARTAMENTO DE GUERRERO.

( Sarah e Guerrero estão visivelmente alegres, pelas novas e pela bebida)

GUERRERO - Você ainda me odeia?

SARAH - Muito.

GUERERO - Menos ou mais...

SARAH - Um pouco menos.. mas ainda assim.... Muito.

GUERRERO - E a minha mãe queria que eu fosse engenheiro.

Você sabe quanto ganha um engenheiro em nível de diretoria? Quer dizer, fim de carreira?

SARAH - Quinze mil... Quinze míseros mil cruzeiros...

GUERRERO - Como é que você sabe?

SARAH - Você já me disse mais de quinze mil vezes...

GUERRERO - Sarah...Sabe ... Eu queria dizer só pra você... que eu te amo... muito entendeu?

SARAH - Sei...

GUERRERO - Não, não sabe não... Eu te amo a tal ponto de.. Fazer tudo...qualquer coisa por você... Eu nunca te disse isso de maneira tão clara.. porque as vezes você me assusta...

SARAH - Assusto?...Você?

GERRERO - Foi depois que você voltou daquele programa de televisão que tinha a vidente... Daí em diante as vezes o seu comportamento... às vezes me assusta...

SARAH - Se você me permite ... eu não gostaria de falar desse assunto... é um assunto muito sério...

GUERRERO - O que houve lá? Eu já peguei a fita do programa... Eu nem vi ela conversar com você?...

SARAH - Por aí você vê... não apareceu no tape... E ... nenhuma palavra mais...

GUERRERO - Daí em diante você parece que... Você ainda me ama?

SARAH - Isso não depende de mim... Mas de você... Você é corajoso?

GUERRERO - O que é que você quer dizer com isso ?

SARAH - Você disse que faria tudo por mim...Você por exemplo seria capaz de cometer um crime... pelo nosso amor ?

GUERRERO - Você está louca Sarah ?

SARAH - Está vendo?... (pega o rosto de Gerrero e aproxima do seu...seus lábios quase se tocam) Seria? Seria capaz? Meu homem.... Meu amor...

GUERRERO - (a beija) Tudo o que você quiser meu amor... Isso aqui está parecendo cinema...

SARAH - Você ainda não viu nada... O meu filme é mais interessante...( tira a blusa e fica nua da cintura para cima )

GUERRERO - (Sorrindo) Eu te amo Sarah... Desesperadamente... Nunca me judie...Nunca me magoe por favor...

SARAH - Não se preocupe...Você não está no meu caminho... Você caminha ao meu lado... Há quanto tempo a gente não faz uma festa libidinosa... Só nós dois...

GUERRERO - Você... é demais...

SARAH - Faz uns quinze mil anos...

GUERRERO - Pois hoje eu tenho a sensação que vamos quebrar uma tradição de milênios...

SARAH - Falar nisso, Guerrero, eu sempre tive uma curiosidade a seu respeito... Você é bola murcha?

GUERRERO - O que?

SARAH - Bola murcha... Brocha... sei lá...

GUERRERO - Sei lá... Vou lá eu saber agora...

SARAH - O grande repórter Guerrero... Meu amor... Meu ídolo... Meu grande machão... O marido rico que agora eu tenho... Terrível garanhão dos estúdios... O homem que vai fazer a reportagem mais importante dos últimos dez anos... Guerrero... decididamente você não pode ser bicha...

GUERRERO - Você tem razão... Eu não sou bicha...

SARAH - (abraça Guerrero e começa a beijá-lo)

GUERRERO - Sarah... Por que eu?

SARAH - Ora, porque é você quem está aqui... em meu poder...

GUERRERO - Por que eu... a reportagem?

SARAH - E por que não você?

GUERRERO - Isso eu já ouvi, Sarah!

SARAH - Porque você é inteligente e machão... Até provas contrárias...

GUERRERO - Ele disse que com você eu ia longe...

SARAH - O que é que ele disse?

GUERRERO - Que com você eu iria longe...

SARAH - (sorri, depois ri, e finalmente estoura uma gargalhada).

GUERRERO - (fica sério e cada vez mais sério)

SARAH - (notando) O que é que você tem? (abraça-o)

GUERRERO - (se afasta)

SARAH - As grandes tradições milenares nunca serão quebradas... (extremamente séria e incisiva) Não é Guerrero?

GUERRERO - (fica imóvel e desvia o olhar)

SARAH - (provocando) Bola murcha... (pausa, Guerrero está perturbado) Brocha... (irritação progressiva de Guerrero) (pausa) Bicha... Bicha...

GUERRERO - (a agarra violentamente)

SARAH - Viva o grande jornalista... O maior machão de toda a história (Guerrero a derruba no chão) (Sarah rindo) Abaixo todas as tradições... Guerrero! Calma! (a luz vai caindo em resistência).

Você ficou... Espera aí... Não me machuca Guerrero... Guerrero... Ei... Guerrero (apagam-se as luzes).

8. BARZINHO

GUERRERO - Faz tempo que eu não dou uma de repórter.

THOMAS - Eu tenho umas dicas.

GUERRERO - Eu estava pensando em entrevistar aquele deputado, e depois o Senador e quem sabe o banqueiro, como é que é o nome dele mesmo? Aquele do banco europeu?

THOMAS - Eu tenho umas dicas...

GUERRERO - O que é que você tem contra as minhas entrevistas?

THOMAS - São relações formais... Não levam a nada...

GUERRERO - O Senador era amigo íntimo do “Grande Homem”.

THOMAS - Você sabe muito bem que esse negócio de posar juntos para jornal, não significa amizade...

GUERRERO - Nós temos que começar por alguma coisa... Eu tenho um prazo...

THOMAS - Pra ouvir mentira?

GUERRERO - E o público lá está interessado em mentira ou verdade?

THOMAS - Eu estou interessado em verdades...

GUERRERO - Lá vem você com esse papo de verdade.

THOMAS - Mas o único sentido da imprensa...

GUERRERO - Não enche o saco, Thomas... Assim não dá...

THOMAS - Então até logo... (levanta-se) Nesse momento solene eu me demito de meu emprego... Já estava durando muito mesmo (olha para o relógio). Duas horas e meia... (sai)

GUERRERO - Volta aqui Thomas...

THOMAS - (para de costas)

GUERRERO - (sorrindo) Afinal são quinze mil ...

THOMAS - (contando) Pega os quinze mil e enfia...

GUERRERO - Já sei (Thomas dá mais alguns passos) Espera aí, cara!

THOMAS - (para)

GUERRERO - Vamos conversar... (Thomas não se move) Eu pedi você, porque eu confio no seu trabalho... (Thomas não se move) Está bem, você quer que eu fale a verdade, não é?

Sem você eu faria uma bosta de reportagem... (Thomas não se move) o que há, cara? (mesma coisa). Tá bom, vai. Quais são as dicas?

THOMAS - (volta-se repentinamente e senta-se) O negócio é o seguinte, Guerrero... Nós temos que procurar gente que viveu intimamente com ele... Gente que possa dizer realmente, quem foi o homem... Me interessa o lado humano dele, você entende... o currículo eu já estou de saco cheio de saber... De fato... Foi a ascensão mais rápida que eu já vi na vida... E é exatamente isso que me intriga... Como é que pode alguém que até os trinta não era ninguém... Você entende... é tudo tão, tão...

GUERRERO - Foi um cara excepcional, ora!

THOMAS - Tá...ele foi excepcional... Então vamos descobrir tudo... Vamos descobrir como é que se faz para ser excepcional... (Guerrero faz um gesto como se quisesse interromper) Que é que foi?

GUERRERO - Nada, continua...

THOMAS - Precisamos entrevistar pessoas que conviveram com ele...

GUERRERO - Tinha a menina e aquele jornalista... mas os dois...

THOMAS - Não é porque eles morreram que a gente não pode chegar lá... Ela não tinha, ou não tem pai ou mãe vivos. Não tem ninguém que conhecia esse jornalista? Ele não morava numa cobertura do edifício na avenida... tinha zelador? Os vizinhos, sei lá...

GUERRERO - O pai dela ainda está vivo... 85 anos vai ser duro... Tem um cara aqui mesmo na emissora, se não me engano trabalha na mesma mesa de V. T., que foi muito amigo do tal jornalista... desses, eu posso me encarregar...

THOMAS - Então eu vou lá no edifício...

GUERRERO - (fica olhando para Thomas... Thomas nota e olha firme. Ficam por uns instantes assim... Silêncio) Vai ser uma grande reportagem, não vai?

THOMAS - (sorri) Não enche o saco, Guerrero...

GUERRERO - É sério... Eu to falando sério... Eu acho que está chegando a minha chance... Você sabe quanto eu esperei... É sério... É sério

THOMAS - (ri-se o tempo todo que Guerrero fala suas ultimas frases)

GUERRERO - (também ri - os dois ficam assim por uns tempos)

(Nesse meio tempo entra Bela. Ela fica olhando a cena, sem entender nada. Os dois, à medida que notam Bela, vão parando de sorrir. Olham bela por uns instantes . Bela tem olhar fixo em Guerrero. Thomas puxa uma das cadeiras da mesa para que Bela se sente. Guerrero desvia o olhar, mas Bela continua olhando para ele)

THOMAS - Toma alguma coisa?

BELA - Tomo.

THOMAS - Gelada?

BELA - Gelada.

THOMAS - Chopp?

BELA - Chopp?

THOMAS - Grande?

BELA - Grande.

THOMAS - Claro?

BELA - Claro.

THOMAS - Thomas.

BELA - Bela.

THOMAS - Jornalista.

BELA - Dançarina.

THOMAS - Oi!

BELA - Oi!

THOMAS - Esse é Guerrero.

BELA - Eu sei. (até agora não tirou os olhos de Guerrero)

THOMAS - Jornalista

BELA - (Idem) Eu sei.

THOMAS - É casado

BELA - Eu sei.

THOMAS - Por sinal... muito bem casado.

BELA - Eu sei... (continua olhando para Guerrero)

THOMAS - Você é bela.

BELA - E corajosa.

THOMAS - (notando a fixação de Bela por Guerrero) Estou demais aqui ...

BELA - (SILÊNCIO)

THOMAS - Eu vou embora.

BELA - Até logo. (sem tirar os olhos de Guerrero)

THOMAS - (faz um gesto de quem não está entendendo nada no mundo e retira-se)

(Guerrero e Bela ficam sós. Esta ainda não parou de olhar para ele. Guerrero continua com olhar pedido. Como se estivesse DÍSTRAÍDO. Bela olha, cada vez, com mais intensidade. Guerrero, num determinado momento, sente o olhar de Bela)

GUERRERO - O que foi?

BELA - Nada.

GUERRERO - Como?

BELA - Eu te amo.

GUERRERO - Não entendi.

BELA - Eu te amo... Eu quero você... eu estou desesperadamente apaixonada por você... Mas eu estou tão desesperadamente apaixonada por você... A tal ponto de... (pausa) fazer o que eu estou fazendo agora.

GUERRERO - Você me conhece?

BELA - Antônio Guerrero, 35 anos, casado com Sarah Mendes. Guerrero, profissão jornalista. Trabalha atualmente na Rede de Televisão, onde é responsável por uma reportagem especial. Até ontem era responsável pelo Jornal do Meio Dia. Mora na Rua Lins, nº 456 apartamento 38, 3o. andar. Não tem filhos. Possui um carro de marca Chevrolet de cor branca, chapa XY 3869... Que não tem buzina... Não tem casos amorosos, em outras palavras, nunca cometeu adultério... Não por falta de oportunidade. Mas quase por uma questão de princípio... Há dois meses atrás, uma locutora de jornal do Meio Dia deu em cima dele e ele a mandou para aquele lugar... Quer mais... Fuma cigarros de marca Holywood ... Adora tutu à mineira.

GUERRERO - Onde é que eu vou às segundas à noite...

BELA - Vai... Geralmente ao cinema... dando preferência aos filmes de aventura... Quando não tem nenhum de aventura em cartaz, uma comédia... Nunca dramas.

GUERRERO - Quinta à tarde.

BELA - Faz todo o serviço de Bancos... paga uma prestação no Banco Europeu... Tira dinheiro para o fim de semana... (Guerrero fica olhando atônito. Quase apavorado)

BELA - Você ainda duvida que eu estou apaixonada?

GUERRERO - Nem pense nisso. Vocês não existem... são de mentira... Agora pouco eu estava conversando com um cara que também é de mentira... São personagens de ficção...

BELA - Nesse exato momento aposto que você está pensando que eu sou louca... Quando eu me decidi eu já contava com esse risco... Mas eu posso jurar que não sou louca... Não sei quem foi - acho que Shakespeare - disse que as pessoas apaixonadas aparentemente são loucas... Quer dizer que eu estou amparada por pessoas importantes... Shakespeare e coisa e tal... Posso pegar a sua mão? Dá licença... Eu prometi a mim mesma que ia dar um beijo ma sua mão... (beija). Espero que isso não comprometa você... Eu vou embora... Não preciso dizer nada agora... Mesmo porque, eu sei... seria difícil... Eu sei que eu sou bonita... Pelo menos, eu sigo o padrão atual... Deixa para outro dia... Pense no assunto... Sexta-feira, nesse mesmo horário... eu virei aqui... Hoje eu quis apenas desabafar e deixar você informado... Até... (sai)

GUERRERO - Você não existe e o Thomas também... Espera! As sextas à noite onde é que eu vou...

BELA - Geralmente você vem aqui beber chopp... Ou você já se esqueceu que é sexta-feira... olhe pro céu e veja... É noite, Guerrero. (sai)

GUERRERO - (fica pensando, meio perdido) Imaginação.... Prega cada peça na gente...

GARÇON - Deseja mais alguma coisa, senhor Guerrero?

GUERRERO - Que dia é hoje?

GARÇON - Sexta-feira... dia 20.

GUERRERO - O céu está azul, cinza ou escuro?

GARÇON - (sem entender muito bem e olhando para o céu)

Está escuro... Mas com muitas estrelas... Pra falar a verdade, senhor... O céu está muito bonito...

9. APARTAMENTO DE GUERRERO

JULINHA - Eu fiz jornalismo. Faculdade de Comunicação social... Foi lá que eu conheci o Thomas... Foi meu professor...

SARAH - Ele ainda dá aula?

JULINHA - Não, isso foi a muito tempo... Os alunos colocaram ele pra fora.

SARAH - E por que?

JULINHA - Sei lá. Até que ele era bom professor... Parece que ele não quis ter um caso com a presidente do Diretório Acadêmico...Ela era um bucho, você entende? E muito burra. E também tinha um rapaz... Líder também que tinha umas diferenças ideológicas com ele...

SARAH - E o respeito dos alunos...

JULINHA - Aluno de faculdade é massa... Segue a liderança... Eu fui uma das únicas que fui contra na época... Eu achava ele o melhor professor ....

SARAH - Sózinha ?

JULINHA - Quase.... Agora o Thomas é meio louco... Depois que botaram ele pra fora... Ele se entendeu com a presidente... E ela fez um movimento para ele voltar...Lá foram todos os alunos de novo falar com o coordenador...

SARAH -E daí?

JULINHA - E daí que o Thomas na frente de todo mundo ... dos alunos... do diretor... Contou toda a história... Disse que tinha tido um caso com ela e que eles eram todos burros... e mandou o diretor para aquele lugar... A presidente chorava que nem criança... Teve que pedir demissão... Foi daí em diante que o Thomas começou a beber... Ele acreditava na molecada ... Se decepcionou... Eu achei aquilo, na época tão bonito... que chorei de emoção... na frente dele... peguei na mão do Thomas e disse sou tua... e até hoje ele acha que eu sou dele ...

SARAH - (ri) E o rapaz...

JULINHA - Sei lá... Saiu do jornalismo... Estava fazendo publicidade... Mas parece que virou funcionário público...

SARAH - Quer dizer que você está a fim de exercer a profissão?

JULINHA - Pois é... O Thomas é um doido varrido... As vezes tem dinheiro, às vezes não tem... Ou melhor, quase sempre ele não tem... Agora ele trabalha na Rede, mas mico me lamba se ele não perder o emprego logo...

SARAH - E o que te impede de começar...

JULINHA - É muito difícil... Você veja... Muita gente que se formou comigo está trabalhando na revisão... imagine... Ficar fazendo revisão de notícias... Esse cargo, antigamente, era exercido por senhoras que tinham o ginasial. Você entende... Com um dicionário do lado... Agora é emprego para quem sai da Faculdade de Comunicação... Eu acho que estão dando preferência para jornalistas formados para não haver desemprego na área...

SARAH - E o ordenado?

JULINHA - Ridículo.

SARAH - Por que é que você não trabalha na Rede?

JULINHA - Fácil, não é?

SARAH - Isso depende.

JULINHA - Depende do que?

SARAH - A nossa amizade está ainda no começo e ainda não dá pra explicar certas coisas... Mas com o tempo eu te explico. Eu sou das coisas da terra... Sou mulher da carne... Nada pode me vencer... Teu marido atrapalha... Você faria qualquer coisa para trabalhar na rede?

JULINHA - Eu faria qualquer coisa.

SARAH - Qualquer coisa?

JULINHA - Bem... É um modo de dizer...

SARAH - Me diga algo muito grave a que você não se submeteria?

JULINHA - (pensa por uns instantes) Assim... no momento... não consigo pensar em nada...

SARAH - Estou começando a gostar de você...

JULINHA - Eu quero que você saiba que eu não sou nenhuma santa.

SARAH - Eu já percebi, garota... Você é um pouco parecida com as coisas da terra...

JULINHA - E o Guerrero? É santo?

SARAH - O Guerrero é o cavalo... O instrumento... Charmoso....

JULINHA - Você não gosta dele?

SARAH - A gente sempre tem esperança... E o Thomas?

JULINHA - Profundamente competente... Trabalhador... Sincero... Um homem de verdade que jamais se dobrou... Um idealista como nunca vi... perfeito... Em resumo... um chato de galocha. Um homem que me dá no saco... um cara que não tem a mínima graça.

SARAH - Você se dá bem com ele?

JULINHA - Pra falar a verdade, eu detesto o Thomas.

SARAH - Ele gosta de você... Mas atrapalha... É homem da verdade...no lugar errado...

JULINHA - Eu sei... Acho que esse é o único defeito dele, além de beber um pouco demais...

SARAH - (olhando bem nos olhos de Julinha) Gostar de você é perigoso?

JULINHA - (encarando Sarah) Eu acho que é.

SARAH - (ainda fixando Julinha) Eu gosto de você... Você vai me ajudar...Na hora H você vai ser muito importante...você é competente... você é capaz de fazer qualquer reportagem rapidamente....é talentosa...todo mundo sabe... eu vi todos os seus trabalhos da faculdade... você era a melhor aluna...

JULINHA - Como você conseguiu?

SARAH - (sorri) Segredo....Você vai me ajudar? Em primeiro lugar você vai voltar e ficar bem junto do seu marido... Você vai amá-lo novamente...

JULINHA - Não estou entendendo...

SARAH - Não precisa... Eu também ainda não estou entendendo também, mas é preciso ser feito...

Faça isso por nós... Por nós duas...

(até o final dessa cena as duas devem se olhar)

JULINHA - (sorrindo) Cuidado!

SARAH - Você vai ?

JULINHA - E o que eu ganho com isso?

SARAH - Mulher da carne... Você quer tudo...

JULINHA - (abaixa o olhar)

SARAH - (levanta o queixo de Julinha) Então? (pausa) Posso gostar de você...

Você é daqui... Do mundo...bom ? É capaz de trair... de mentir... de jogar no lixo ? (pausa) Você não precisa dizer nada... Basta me dar um sinal com a cabeça...

(Pausa. Intenso olhar das duas)

JULINHA - (balança ligeiramente a cabeça num sinal afirmativo)

SARAH - (a abraça ternamente... a luz cai em resistência)

10. CASA DO VELHO

VELHO - (sofre de cataratas. O tempo todo passa o lenço nos olhos como se estivesse chorando. O velho dá o depoimento num microfone de gravador, ele está sozinho. Ao fundo, sua imagem numa tela, já filmada.

Pegando detalhes dos seus olhos, boca, etc...)

Vocês garantem que vão publicar?

THOMAS - Pode ficar sossegado, eu vim aqui pra isso.

VELHO - Por que eles sempre mentem.

THOMAS - Eles quem?

VELHO - Eles. Até hoje ninguém falou a verdade.

THOMAS - O sr. não confia em mim?

VELHO - O sr. me parece um homem de bem. Mas é muito jovem... O jovem tem muito a perder... A vida é uma tentação maravilhosa.

THOMAS - A vida... Pra mim tem um sentido muito claro...

VELHO - Eu não falei?

THOMAS - Eu disse alguma coisa errada?

VELHO - Você falou na vida com tal força, que me deixou com medo...Você falou a palavra vida como a coisa mais bonita que pode existir... Você tem mulher?

THOMAS - Tenho.

VELHO - Bonita?

THOMAS - Muito.

VELHO - Você é querido pelas pessoas... quer dizer, elas te acham importante?

THOMAS - Algumas.

VELHO - E apesar de tudo isso, você acha que pode resistir?

THOMAS - O sr. sabe o que eu acho?

Eu acho que nós estamos perdendo um tempão com palavras... E para falar a verdade, eu não estou entendendo muito o que o sr. está falando... E se a conversa é sobre a vida... é justamente por isso que eu quero ouvir o seu depoimento... É uma questão de vida para mim, se o sr. entende?

VELHO - Você tem razão, as palavras não tem mais sentido...Você agora há pouco estava falando de um jeito e agora não está mais falando daquele jeito. Talvez você seja um louco. Deus te ajude por isso. A gente, depois de viver muito tem uma espécie de sentido... uma espécie de faro apurado... Sabe, rapaz... Não se assuste. Você me cheira a morte. Mas um tipo de morte maravilhosa... eu confio em você. Ligue o gravador, meu caro jornalista!

THOMAS - Tá na mão.

VELHO - Bem... Talvez a única verdade sobre a mitologia de... (pausa) o “Grande Homem” é que de fato ele sempre se vestiu de branco. Quer dizer, nem sempre... Mas depois do momento em que resolveu ser um “Grande Homem”... Até então ele, pra falar a verdade, não tinha a menor importância para ninguém... Foi nessa época que ele conheceu minha filha...Acho que eles mataram a minha filhinha ... Ela era linda...

THOMAS - Repete isso.

VELHO - Não é o que você está pensando... Talvez eu não tenha falado direito... Ele deixou que a minha filha morresse... Um assassino ele se tornou bem depois... Eu explico... (pausa) Foi num dia chuvoso... Ou de sol, não me lembro mais...

THOMAS - Isso não tem importância.

VELHO - (olha) Pra quem não tem importância?

THOMAS - (olha para velho) O sr. tem razão... eu peço desculpas.

VELHO - Foi um dia chuvoso, muito chuvoso... tinha raios e uma tempestade horrível... e mal podia ouvir alguma coisa (o velho cada vez se excitava mais) Foi o dia mais horrível de toda a minha vida... Eles chegaram num carro, num carro preto... Pela vidraça... a chuva não me deixou ver os rostos... só vultos. Eles andavam muito depressa... Eles não bateram, não disseram nada, foram entrando... Perguntaram por minha filha... Eles queriam saber... queriam saber... saber de tudo... Eles perguntavam, perguntavam, perguntavam... Eu não sabia responder nada... Eu não sabia responder nenhuma pergunta... Daí minha filha chegou Eu notei que a minha filha sabia responder as perguntas... ela era parecida com você... Ela cheirava morte... As pessoas que sabem as respostas... cheiram à morte... Ela gritou muito... disse os palavrões mais horríveis que possam existir... E eles davam risadas...Gargalhadas... Ela... Ela sabia todas as respostas e não respondeu nada... Você ainda quer que eu continue? Não sei até hoje se ela caiu... ou se eles a empurraram... eles estavam bêbados... Gritavam... Louca... Ela pulou...pulou... Você quer que eu continue...

THOMAS - (diz que sim com a cabeça)

Se eu continuar você também vai saber as respostas todas... Essa casa ainda tem cheiro de morte... É por isso que eu jamais abri as janelas... Bem, vamos aos nomes... Várias pessoas importantes estavam envolvidas, eles disseram todos os nomes aquele dia... Em primeiro lugar... (o volume da voz vai abaixando... a luz cai em resistência... fica só a imagem cinematográfica do velho falando... sem som)

(quando a luz se acende Guerrero e Thomas estão vendo o fim do filme do velho)

GUERRERO - (olha fixamente para Thomas, está visivelmente preocupado)

THOMAS - (faz um gesto de ausência de culpa)

GUERRERO - E agora?

THOMAS - Eu sei lá. A reportagem é tua. Eu sou um mero ajudante.

GUERRERO - Você é ingênuo, Thomas... Você acha que isso tem a mínima chance de ir para o ar?

THOMAS - Ingênuo, uma pinóia... Eu sei que isso jamais irá pro vídeo. E daí?

GUERRERO - Você tem alguma sugestão?

THOMAS - E se a gente mudasse tudo, dissesse que de fato ele foi um “Grande Homem”... E fizesse o público chorar mais uma vez com os atos heróicos do nosso “homem”?

GUERRERO - Você sabe que não é isso que eu quero.

THOMAS - O que é que você quer, Guerrero? (pausa) Vamos Guerrero? Eu estou esperando.

GUERRERO - Você me dá licença... eu estou pensando...

THOMAS - Eu tenho muita pena de você, sabe? Na sua idade...

Um homem precisa pensar o que deseja na vida.

GUERRERO - E se você quer saber... Você me irrita com esse tom ridículo de dono da verdade... Enfia a sua verdade... Eu tenho dúvidas, e daí...

THOMAS - Vocês sabem muito bem que esse negócio de dúvida é frescura... você é um puta de um fresco...

GUERRERO - Escuta aqui, como é que nós vamos colocar essa porra de reportagem naquele puto daquele vídeo, pras oitenta milhões de merdas verem, esse filho da puta de “Grande Homem” que você me arrumou. Isso não é dúvida, seu fresco, é esnuque de bico.

THOMAS - Que puta novidade, não, Guerrero... Puta merda... Um cara é jornalista há dois mil anos e só agora que ele descobre que é difícil ser jornalista... Isso, Guerrero, eu dizia desde os tempos que eu dava aula para aqueles débeis mentais... Professor, a semiologia, a língua pátria... O que é útil para a nossa futura profissão... Retardados mentais... A única porra que precisa é “culeão”, coragem.

Eles olhavam para mim e davam risadas... Eles pensavam que eu estava bancando o palhaço para que eles não enjoassem da aula. Eu tinha de peidar na cara deles... Ainda bem que ninguém conseguiu ser jornalista... O mais inteligente deles, escreve folhetos para a Companhia Telefônica.

GUERRERO - Todo dono da verdade só escuta a sua voz... Como você é ridículo...

THOMAS - Escuta...

GUERRERO - Escuta você... uma vez na vida... Como é que nós vamos colocar a reportagem no ar... Será que você não entende que nós estamos mexendo com todo mundo importante desse país.

THOMAS - A gente dá um jeito.

GUERRERO - Que jeito?

THOMAS - Sei lá, nós publicamos tudo.

GUERRERO - Ninguém publica isso.

THOMAS - Nós publicamos.

GUERRERO - Assim não é possível... Publicar aonde? Merda!

THOMAS - Jornalismo marginal.... Xerox

GUERRERO - Xerox?

THOMAS - É, por que?

GUERRERO - Você tá louco, e precisa ser internado... Você acha. Escuta... Em sã consciência...

THOMAS - A gente tenta.

GUERRERO - Maldita hora que eu coloquei você nesse negócio...

THOMAS - (olhando bem nos olhos de Guerrero) É só me despedir.

GUERRERO - Posso te fazer uma pergunta?

THOMAS - Solta.

GUERRERO - Você não tem medo?

THOMAS - (sorri) Muito. Pra falar a verdade, Guerrero... Nesse momento eu estou, você entende? Nas calças... Eu adoro essa merda de vida, de liberdade de andar nas ruas... Você sabe, Guerrero. Pra falar a verdade, eu acho que tenho mais razões do que você pra ter medo. Mas justamente eu amo a vida assim... senão... Prefiro pular fora... É pôr isso que as vezes eu bebo um pouco... Para ficar meio fora... Você entende?

GUERRERO - Cuidado... Cuidado com esse negócio de pular fora... Outro dia você... se eu não te puxasse aquele ônibus...

THOMAS - É verdade... Você me salvou a vida...

GUERRERO - O que me preocupa é que você parecia... que queria enfrentar o ônibus...

THOMAS - (rindo ) Não exagera, vai Guerrero... Vamos falar de jornalismo...

GUERRERO - E se a gente...

THOMAS - Fizesse uma média...

GUERRERO - E desmistificasse apenas uma coisa... É melhor do que nada.

THOMAS - Agora você está falando.

GUERRERO - Você não acha.

THOMAS - Acho pra xuxu... Se oitenta milhões de pessoas conseguissem ver alguma coisa, já é o bastante... Você acha que a gente conseguiria?

GUERRERO - Não custa tentar... Eu vou falar com eles...

THOMAS - Se eles não toparem, você começa a ameaçar...Lembre-se do mimeógrafo.

GUERRERO - Eu estou começando a me achar o próprio Dom Quixote

THOMAS - (apontando para si) Com Sancho Pança e tudo.

GUERRERO - Você gosta de mim, não gosta Thomas?

THOMAS - Eu te amo Guerrero.

GUERRERO - Fora de brincadeira... Você gosta de mim, não gosta?

THOMAS - (assente com a cabeça)

GUERRERO - Por que?

THOMAS - Porque você não se despediu... E porque eu sinto, nem eu mesmo sei porque... Que você vai ser uma das pessoas mais importantes que eu jamais conheci... e você tem tudo pra ser... No fundo, você é mais corajoso que eu.

GUERRERO - Você é um cara legal, Thomas... Pena que não enxerga um palmo diante do nariz... Nessa altura, os caras já estão sabendo... O cinegrafiasta, você entende (pausa) (olha bem nos olhos de Thomas) Vamos lá... Vê se justifica o teu ordenado... Ainda tem muita gente pra entrevistar... Quem sabe alguém fala bem desse porra de “Grande Homem”... e ninguém aqui vai precisar bancar o herói...

THOMAS - Não sei porque, Guerrero, mas eu tenho a impressão que as coisas vão piorar sensivelmente...

GUERRERO - Às vezes eu acho que você é masoquista...

THOMAS - Tchau, Guerrero... Se eu não puder continuar sozinho?

GUERRERO - O que é que você quer insinuar?

THOMAS - Você é meu único amigo... Não me traia Guerrero... Eu estou falando sério... Eu preciso acreditar em alguma coisa... Eu estou correndo um sério... Eu estou sozinho... Eu não estou mais aguentando a barra... Outro dia eu experimentei.... Eu quis pular ... fora...

GUERRERO - Não Thomas... Não ... Por favor...

THOMAS - Eu não estou agüentando.... (sai )

GUERRERO - Thomas! (ninguém responde - Guerrero fica sozinho)

11 . ESCRITÓRIO DA REDE

JULINHA - Eu queria agradecer essa oportunidade...

CHAFIA - Você é jornalista, não é?

JULINHA - Eu fiz um curso de...

CHAFIA - Não me interessam os cursos... Eu quero saber se você é jornalista...

BOZZI - Parece que a assistente de seção de modas pediu demissão...

CHAFIA - Você entende de moda?

JULINHA - Um pouco.

BOZZI - Você gostaria de fazer o que aqui?

JULINHA - Eu gosto muito de reportagens... Reportagens especiais.

CHAFIA - (sorri para Bozzi) Você tem algum lugar para ela?

BOZZI - (sorri para Chafia)

CHAFIA - Escuta Bozzi... Faz tempo que você não vai em casa...

BOZZI - É, a gente não conversa mais como antigamente...

CHAFIA - O que é que houve, Bozzi?

BOZZI - Sei lá... Acho que é a correria...

CHAFIA - Sabe o que eu penso? Que você acha minha casa, minha mulher, meus filhos... uma chatice...

BOZZI - Você acha?

CHAFIA - Não só acho como tenho certeza... E sabe o que eu penso? Que você tem razão.

BOZZI - Chafia... Você alguma vez foi em casa?

CHAFIA - Lógico que fui... No aniversário do seu garoto... Se não me engano, foi o aniversário de um ano...

BOZZI - Meu garoto, como você diz, está com 23 anos...

CHAFIA - O tempo passa...

BOZZI - É... passa mesmo...

CHAFIA - Sabe o que eu estou sentindo Bozzi?

BOZZI - Que a gente não tem mais assunto?

CHAFIA - Eu acho você um chato... Você não tem o mínimo de graça...

BOZZI - Você tem razão... Nós não temos mais graça.

CHAFIA - Parece um espelho... Nós dois...

BOZZI - É verdade... Um espelho... Me vejo em você...

CHAFIA - E eu em você... Você seria capaz de ...

BOZZI - Não, e você?

CHAFIA - (sorri) Você sabe que não... Nós não temos mais jeito.

BOZZI - E nem coragem...

CHAFIA - Vamos fazer uma coisa... Vamos sair um dia juntos, encher a cara... Pegar umas mulheres bem vagabundas... Vamos fazer uma farra dos diabos... Topa morrer de fazer farra?... Vamos ficar a noite, a madrugada inteira na rua... Vamos vagabundear no dia seguinte?

BOZZI - (sorri para Chafia) Não.

CHAFIA - (sorri) Eu já esperava essa resposta... Você é um cara inteligente. Fora daqui, gente tem que ver o mínimo necessário, não é?

BOZZI - (concorda com um gesto) O mínimo.

CHAFIA - Nesse momento eu estou me enchendo de tristeza, só em ficar olhando para você...

BOZZI - E como é que você pensa que eu estou me sentindo?

(silêncio - grande pausa onde os dois se olham)

JULINHA - Se os senhores quiserem eu posso voltar...

CHAFIA - Quem é mesmo?

BOZZI - Sarah!

CHAFIA - Essa Sarah!!!

BOZZI - Eu estava precisando mesmo.

CHAFIA - Dois meses de experiência... Acertos monetários você faz com ele... O preço de sempre... Você tem dois meses para se transformar em uma especialista em modas.

JULINHA - Muito obrigada... Eu não sei como...

CHAFIA - Agradeça à sua amiga Sarah... Até logo...

JULINHA - Quando é que eu começo?

CHAFIA - Já começou, garota... E vista-se melhor...

JULINHA - (olha para sua roupa e ri, sem jeito - black-out)

13. ILHA DE EDIÇÃO

GUERRERO - (Guerrero e o operador não se olham durante toda a cena, ou melhor, Guerrero olha para o operador, mas este fica olhando para seus painéis... A cena deve demonstrar que está se cometendo um sacrifício... Os dois estão com muito medo... Eles quase que sussurram. O operador está pondo no ar um programa de entrevistas... Na tela, ao fundo, o entrevistado está de costas) (Corta luz no palco)

GUERRERO - Eu jamais ouvi, desde o dia em que eu nasci, alguma coisa mais grave do que isto que você acaba de me dizer.

OPERADOR - O que é que você esperava... Que ele de fato fosse um “Grande Homem”... Ninguém é nada...

GUERRERO - Qual a fonte dessas histórias...

OPERADOR - Um caderno... duzentas páginas...

GUERRERO - Onde está?

OPERADOR - (sorri) Você acha que eu tenho cara... Você acha que eu sou louco... (gesto de quem queimou o caderno)

GUERRERO - Foi por isso que mataram o teu amigo?

OPERADOR - Foi a gota d’água. Não sei se mataram... Ninguém conseguia provar nada ... Eles davam aumento todos os dias para os juizes...você entende? Até hoje eles ganham essa fortuna.. Naqueles tempos era mais perigoso do que hoje.

GUERRERO - Você sustenta tudo...

OPERADOR - Lembre-se... Você me prometeu anonimato.

GUERRERO - Você está com medo?

OPERADOR - O que é que você acha?

GUERRERO - Seu nome não vai aparecer... Olha, pra falar a verdade , acho que nem o meu vai aparecer...

OPERADOR - Você quer que eu dê a minha opinião? Não vai aparecer nome de ninguém, não vaia aparecer história nenhuma... A nossa conversa vai morrer aqui...

GUERRERO - Se você conversasse com o meu amigo... Olha, eu tenho um amigo que é completamente biruta... Ele está comigo nesse negócio... Ele tem uma tremenda fé nas coisas...

Eu não sei porque, mas acho que o negócio vais sair...

OPERADOR - O meu amigo... O do caderno, também era assim... Que adiantou?

GUERRERO - E não adiantou? E a nossa conversa... Por que nós estamos conversando?

OPERADOR - (sorri) Ele era um cara legal! Escuta, o teu amigo é louco mesmo?

GUERRERO - Completamente.

OPERADOR - Daqueles que vão até o fim?

GUERRERO - E ainda escarafuncha mais.

OPERADOR - Se é assim... quem sabe? Bem...

GUERRERO - Você sabe mais coisas, não sabe?

OPERADOR - Eu sou casado a três anos...

GUERRERO - Aposto que você sabe nomes.

OPERADOR - Eu tenho um filho de dois anos.

GUERRERO - Cada história tem que ter no mínimo um nome.

OPERADOR - Ele é uma das crianças mais bonitas que eu já vi... É gordinho... e tem covinha... ele gosta muito de passear comigo. Ele, às vezes que eu estou deitado, passa os bracinhos no meu pescoço e fica me beijando... (Guerrero para de escrever e fica olhando o operador, pela primeira vez olha o rosto de Guerrero) Você entende?

GUERRERO - Eu dou a minha palavra... seu nome não sai.

OPERADOR - Você não tem nenhum nome?

GUERRERO - Alguns... Gente miúda... Gente de início.

OPERADOR - Se eu disser o que eu sei...

GUERRERO - (pega o caderno de notas)

OPERADOR - Se eu disser o que eu sei... você não vai escrever... Você vai guardar na memória... é muito comprometedor.

GUERRERO - Tanto assim?

OPERADOR - Mais do que você pensa... Pra você ter uma idéia... Eles não pararam de procurar o caderno ainda...

GUERRERO - Como é que o teu amigo conseguiu...

OPERADOR - Ele era amigo do “Grande Homem”... Suicidou -se de tanto beber...

GUERRERO - Eu tenho a impressão de que é um problema de começar... Se você disser o primeiro... o menos importante... o resto é fácil...

OPERADOR - Eu vou te prevenir de uma coisa... Se alguém me perguntar, eu nego tudo, entende... nego no ar... no programa de maior audiência... Eu digo tudo o que o público está querendo ouvir e eles vão acreditar, entendeu?

GUERRERO - Combinado... começa pelos menos importantes...

OPERADOR - (volta-se para suas telas de tape...). A primeira história. Bozzi... Chafia...

GUERRERO - (meio abismado enquanto anota) Esses são os menos importantes?

OPERADOR - Eu falei que os outros são tão importantes que você não ia nem ter coragem de escrever... Então escreve se for capaz... 2o. história Borato... 3o. história Agileu Barros... 4o. Fagundes Kuple... 5o. Alencar... 6o. Senador Gomes... Fontoura... Ministro (os nomes vão ficando inaudíveis... Guerrero fecha lentamente o seu caderno de anotações, e vai colocando a mão na cabeça...

A luz cai em resistência. Continua só a maior tela do monitor. O entrevistado de costas, aparece agora de frente... é o próprio operador... Close do seu rosto... Sua boca pronuncia nomes... Flashes do rosto desesperado de Guerrero)

(Do rosto de Guerrero a Tela mostra em balé de apresentação de um show de Televisão... todas as bailarinas estão muito coloridas... Destaca-se uma bailarina... Close de seu rosto sorrindo... É Bela).

14. APARTAMENTO DE GUERRERO

(Guerrero e Bela conversam sentados no tapete)

BELA - (abraçando Guerrero) Você se lembra... Era uma escola... Você foi convidado para fazer a apresentação de nossa formatura.... Aquela voz bonita...

GUERRERO - Eu fui convidado mais de ... não sei quantas vezes para ser o apresentador de formaturas...Eu era conhecido...pela minha cara bonitinha...

BELA - Eu tinha quatorze anos... Acho que esse foi o dia mais feliz... Até hoje eu... Olhava para você... Você estava com um terno tão bonito...Você dizia as frases... mais lindas... Eu tinha quatorze anos...Você lembra?

GUERRERO - Mas foram muitas...

BELA - Essa foi diferente... A minha foi diferente... No baile... aquela menina magrinha... que foi... que conseguiu chegar até você...

GUERRERO - Você....

BELA - (coloca a mão nos lábios de Guerrero) Tocava “Sentimental Journey” Você parecia um Deus... Muita gente por perto... Naquele dia eu fiz uma figa... e pensei com muita força... ele vai ter que me olhar... Olhar só prá mim... Eu estava atras de você, uns quatro metros, olhei bem para sua nuca...Alguém tinha me ensinado isso... Fixar o olhar na nuca que a pessoa olhava...Demorou bastante... Meu coração batia... muito apressado... Até que... como se fosse em câmara lenta... Você se virou e nossos olhares se cruzaram...

GUERRERO - Era...

BELA - (coloca a mão, novamente, nos lábios de Guerrero) Eu caminhei lentamente até você... no ritmo daquela música... e simplesmente abri os braços...eu estava quase fora de mim...E você me enlaçou suavemente... Me lembro que um calor estranho...passou por todo o meu corpo... Dançamos maravilhosamente... deslizamos pelo salão...o tempo tinha parado para nós...

GUERRERO - (acaricia o rosto de Bela)

BELA - Eu te levei até o terraço... Dançamos lá sozinhos... eu e você...Você me apertou um pouco mais... eu me lembro que solucei... e chorei um pouco... de amor... e olhei diretamente nos seus olhos... e eu disse ... obrigada pôr esta dança... hoje está sendo o dia mais feliz da minha vida... e...

GUERRERO - E eu te beijei... Meu Deus... Eu nunca podia imaginar... Foi um beijo fraternal... Você era uma criança...

BELA - Não foi não... Foi um beijo de amor... Que eu nunca mais vou esquecer... Eu disse a mim mesmo... esse beijo tem que continuar... e evoluir... um dia...e foi o que aconteceu hoje... aqui neste tapete...

GUERRERO - Eu na época... não tinha dado quase importância...

BELA - É ... Meu amor... Para uma menina de quatorze anos... Tudo...tudo... é muito importante... Eu esperei...dez anos por esse dia...

GUERRERO - E valeu a pena... hoje?

BELA - ( ri) Se valeu? E eu nunca vi ninguém tão... tão... como você... Puxa... Que coisa impressionante...

GUERRERO - Eu também estou impressionado... Eu já estava ficando preocupado... a Sarah vivia reclamando... Pra falar a verdade, eu estava até pensando em procurar um médico...

BELA - Você precisa é procurar um padre pra te confessar... Você já pensou se eu não fosse bailarina? (sorri)

GUERRERO - (ri à valer) Você não sabe como você faz bem a um homem.

BELA - Guerrero... escuta aqui, Guerrero, que eu vou falar é importante... Eu te amo tanto, tanto, eu te amo desesperadamente. Mas tão desesperadamente que eu morro de medo...

GUERRERO - Você me assusta um pouco... Porque se eu entendesse... seria mais fácil...

BELA - Essas coisas não se explicam, Guerrero... Olha é como se... Eu tenho medo de falar e não conseguir expressar... Eu... Se eu... Olha, eu vou ficar ridícula falando... E demais a mais eu te acho um... sei lá... um grande homem...

GUERRERO - Não me fale em grande homem que me dá nervoso (tendo um pressentimento) Ei, garota! Sabe que você não está totalmente errada...

BELA - Guerrero, eu sou capaz de ...

GUERRERO - Vira essa boca pra lá e vê se me escuta eu posso ser muito importante... Eu não sou nada, nada mesmo... Mas eu posso me tornar muito importante... Eu posso ganhar todos os prêmios de jornalismo do país.

BELA - (pigarreia, brincando)

GUERRERO - Não acredita, não é? (Guerrero levanta-se depressa, vai até o bolso do paletó e traz suas anotações) Não acredita, não é? Pois então eu vou te acomodar confortavelmente para que você saiba do maior furo do século (arruma almofada, ajeita o corpo de Bela para leitura, enquanto a beija) Enquanto eu tomo banho, você lê bem devagar, tá?

(Guerrero saindo) Segura o queixo, hein!

BELA - (Inicia a leitura disciplinadamente... De repente, ela dá um pulo, senta-se e lê ativamente... Cada vez vai ficando mais indignada... por vezes para... olha pra cima aterrorizada e volta a leitura... vai logo até a última página... depois vai baixando os braços vagarosamente e fica boquiaberta olhando no vazio...seu rosto vais se transformando, vai chegando perto do choro... Um choro nervoso... Guarda os papéis dentro da blusa)

GUERRERO - O que é que houve... (nota o rosto de Bela ) Bobinha... Não tem perigo... Cadê os papéis?

BELA - (faz gesto de quem não sabe)

GUERRERO - Querida... Rasgue... é um conselho que eu te dou... Eu tenho uma cópia...

BELA - (corre até Guerrero e o abraça forte... e passa convulsivamente a mão nos seus cabelos e rosto... Guerrero fica imóvel e um pouco assustado)

15. ESCRITÓRIO DA REDE

(luz somente em Chafia, que, aparentemente fala para o público)

CHAFIA - Essa porra que nós fazemos não é brincadeira. É uma merda de muita responsabilidade. Isso entra na casa das pessoas. É só você andar de noite nas ruas e você vai ver as janelas todas azuis. E você via ver somente as janelas... nenhuma pessoa nela... Todos estão olhando para uma janelinha pequena... cerca de vinte e poucas polegadas, que reproduz imagens ininterruptamente... São trinta milhões de pessoas recebendo a mesma informação... Você pode imaginar o que significam trinta milhões de pessoas? Duvido... E se a janela não está ligada... Ela fica ali na sala, onde a família se reúne... provocativa... bonita... Mesmo desligada, ela dialoga com a família... Ela diz: Você não está fazendo nada, e eu também... Pode me ligar. Eu não vou te aborrecer. Você vai gostar de ir passear. Vou te mostrar somente coisas bonitas... É uma janela privilegiada... O que? O mundo que você deixou no trabalho?

Não tem perigo. Esse eu garanto que você não vai ver. Eu vou te mostrar um mundo colorido... Ei! Escuta! Você não gosta de ir ao supermercado mais bonito do país... wiskys, cigarros, dinheiro que rende juros... os automóveis mais bonitos... e depois, tenho a novela que vai continuar falando de tudo isso... e os filmes policiais... uns tirinhos que você gostaria de dar nos bandidos, afinal eles são a única coisa que perturba o seu sossego... Você vai dar socos em marginais... ponta-pés nos estômagos de assaltantes... vai cuspir na cara de assassinos... e depois... Que felicidade! Vai prender todos numa cela muito escura... É o suficiente para que você durma em paz... e não é pra sempre... Você acabou de prender todos os bandidos... Os wiskys, as jóias, os automóveis, as poupanças... estão tranqüilamente seguras nos melhores cofres do país... Ei, espere, não duram ainda... nós temos ainda o jornal que também é uma gracinha. Tudo muito colorido, uns moços e moças muito bonitos... Mostrando um mundo sob medida para você não perder o sono, o qual aliás, você tem todo direito... a gente põe ai umas coisinhas desagradáveis, mas que acontece longe, muito longe de onde você está... afinal, você amanhã vai ter algum assunto excitante para comentar no trabalho... Você viu que horrível? E todo mundo vai sorrir pra você... Que rapaz preocupado... Se você estiver com sono... pode me desligar, senão eu tenho ainda mais pra mostrar... Eu compreendo... Até logo... Antes passe no quarto das crianças, veja se o gás está desligado... se o cachorro está acordado... as portas, não se esqueça das portas... uma... duas voltas na chave... o trinco de segurança... o porteiro do prédio com um revolver trinta e oito... Está calor, eu sei... mas é bom fechar as janelas... O mundo está no lugar... Você pode dormir o sono dos justos... As luzes azuis maravilhosas das janelas se apagam... o mundo está feio todo cinza e negro... mas você já está dormindo... Ainda bem... Por isso é que eu digo que essa porra que nós fazemos não é brincadeira.

É uma merda de muita responsabilidade. (As luzes vão se acendendo, Bozzi está deitado em um sofá bêbado. Guerrero está sentado numa poltrona, um pouco assustado. Chafia agora anda de um lado para outro enquanto fala...)

CHAFIA - Você já imaginou, Guerrero, se, numa noite dessas, você diz pra essas pessoas, que tudo aquilo que elas acredita, não passa de uma mentira. Que o homem... o “Grande Homem”... O santo desse povo, não passa de um criminoso, de um bandido?

GUERRERO - Mas se é a verdade.

BOZZI - (cai na gargalhada)

CHAFIA - Verdade? Qual das janelas é a mais verdadeira? Por aquela que eles olham, ou pelas outras que não são usadas...

Você não entende nada, Guerrero... Você pensa as coisas num sentido muito pequeno... nós estamos criando... Ou melhor... Já criamos um outro mundo ao lado desse, você entendeu? Uma espécie de outra dimensão... A dimensão da nova janela...

BOZZI - Desista, Chafia, ele nunca vai entender...

GUERRERO - Eu não entendo mesmo...

CHAFIA - Eu explico, rapaz... Eu hoje tenho muito tempo... Me escuta com atenção... quantas horas, em média, dorme um cidadão típico?

GUERRERO - Umas oito horas...

CHAFIA - Almoçando, jantando, tomando café, tomando banho, etc

GUERRERO - Umas três horas...

CHAFIA - Trabalhando?

GUERRERO - Oito horas...

CHAFIA - Perfazem 19 horas... dezenove horas onde ele praticamente não vê o mundo... Faz tudo isso mecanicamente... É uma questão de sobrevivência... Sobram então pra ele olhar o mundo, umas cinco horas... É mais ou menos o tempo que ele abre a nossa janela, entendeu...

Ele olha o mundo através dos nossos olhos...

GUERRERO - Onde é que ele quer chegar?

CHAFIA - Quer dizer que o mundo dele... Ou seja, no mundo real, segundo sua opinião... Ele sobrevive... Não escolhe...

Ele olha o nosso mundo... Aqui é que ele realmente vive... Ora, o mundo mais importante para qualquer pessoa, é o mundo que a gente observa... Então qual dos dois é o real? E que me desculpe o Deus Todo-poderoso, mas o meu... quer dizer (olha para Bozzi) o nosso é muito mais importante...

GUERRERO - E o que tem isso a ver com a minha reportagem?

BOZZI - Eu não falei, Chafia... Ele não vai entender...

CHAFIA - Vai sim, ele é um rapaz muito inteligente... Acontece é que você não precisa falar do outro, entendeu?

Porque os dois não tem a mínima relação... Aliás, o outro não tem a mínima importância... Em outras palavras... Em vez de falar do mundo... Crie o mundo... Não é mais interessante?

GUERRERO - Quer dizer... Eu minto a respeito?

BOZZI - Eu não falei, Chafia?

CHAFIA - Não rapaz, você não mente... Quando você cria, você só diz a verdade... Quem mente é o outro mundo, entendeu?

BOZZI - Chafia, você vai acabar fundindo a cuca do rapaz...

CHAFIA - Fica quieto... ele está pensando...

(Guerrero fica olhando pela janela pensativo)

BOZZI - (bêbado cantarola) Aproveite o momento com a coca-cola. É a vida presente... Tudo que a gente sente... Coca-cola que é! (depois, sem a letra, cantarola a harmonia)

GUERRERO - (interrompe) Eu entendo, mas não concordo!

BOZZI - (cai na gargalhada novamente)

CHAFIA - Eu quero que você vá pra puta que pariu, Guerrero...

GUERRERO - Escuta.

BOZZI - (continua gargalhando)

GUERRERO - O que é que há?

CHAFIA - Não há merda nenhuma... nós vamos agora conversar numa outra linguagem... Uma linguagem mais clara... Essa porra de reportagem não vai ao ar.

GUERRERO - Eu já esperava.

BOZZI - Mas ele não é uma gracinha, Chafia... Já esperava...

CHAFIA - E você está despedido.

GUERRERO - Isso é problema de vocês...

CHAFIA - Do Jornal do Meio Dia também...

GUERRERO - (faz um gesto que significa “o que vamos fazer”)

CHAFIA - Bom, eu paguei por seu trabalho... Então me passa as anotações.

GUERRERO - (joga um maço de papéis em cima da mesa de Chafia)

CHAFIA - (apanhando depressa) Olha aí, Bozzi, nós dois logo na primeira página.

BOZZI - Chafia, eu não estou gostando nada disso.

CHAFIA - Eu também não.

BOZZI - Ele não é muito inteligente, mas deve ter memória...

CHAFIA - O que vai fazer?

GUERRERO - Pra falar a verdade, eu não sei...

CHAFIA - A gente sabe que você não é corajoso... Abre logo o jogo...Isso pode ser muito perigoso para você...

GUERRERO - Ninguém mais segura essa reportagem... Tem mais gente que está sabendo... Gente muito querida... Todos estão avisados que...

BOZZI - Pronto, viramos personagens de um filme de espionagem... Se alguma coisa acontecer a mim...

CHAFIA - Não seja ridículo Guerrero...Você anda assistindo muita T.V.

GUERRERO - É um mundo tão real como outro... segundo você mesmo...

CHAFIA - Não faz onda Guerrero... O que você quer...

GUERRERO - Nada...

BOZZI - Explica melhor...

GUERRERO - Se isso importa a vocês... Eu estou me sentindo muito bem... Aceitam tomar um chopp? Hoje é sexta-feira? (os dois ficam olhando para Guerrero sem dizer nada. Este sai)

CHAFIA - Você anda bebendo muito, Bozzi.

BOZZI - Não enche o saco... Nós não temos tempo a perder...

Pega logo o telefone...

CHAFIA - (pegando o telefone) Direito a ele?

BOZZI - Você não leu a última página da reportagem?

CHAFIA - (pegando o maço de papéis e lendo) É... não tem outro jeito (começa a discar)

BOZZI - Judiação um rapaz assim ter uma mulher tão boa...

CHAFIA - Cada vez que eu telefono pra ele, eu fico com tremedeira o dia inteiro... Alô... Eu gostaria de falar com Ele... (pausa...Chafia levanta-se num repente)

16. PALCO DE TEATRO

(Sarah de branco, representando em um palco... Ela faz Antigone conversando com Creonte... Sarah mostra-se altiva e destemida...luz...no palco vazio, apenas Sarah no meio)

SARAH - O que será a felicidade? Que mulher feliz eu serei? Que coisa horrível que terei que fazer todos os dias para arrancar com meus próprios dentes a felicidade? Diga-me a quem eu deverei mentir, sorrir, ou vender-me... quem eu devo deixar morrer, desviando o olhar... Não! Eu não me calo... Você me diz que a vida era bela... Agora me diz como eu devo viver essa vida... eu tenho pena de você, Creonte, com esse ventre, essas rugas... e tenho pena, porque te vejo aos quinze anos... Mesmo ar de impotência e de crença no teu poder absoluto...

A vida apenas se acrescentou todas as rugas no rosto, e essa gordura...

Não! Eu não me calo!

Vocês parecem cães, lambendo o que encontram... Eu? Eu quero tudo imediatamente e por inteiro, então não aceito nada... Hoje eu quero ter a certeza de tudo... e tudo seja tão belo como quando eu era pequena... Se não for assim, prefiro morrer...

(Sarah termina o trecho, como se um final de ato, como se esperasse aplauso)

(Guerrero bate palmas da platéia, Sarah nota Guerrero mas continua estática como se ainda fosse Antígone) (Guerrero sobe no palco e fica observando Sarah)

(Sarah continua teatral)

GUERRERO - Você já soube, não é?

SARAH - (apenas balança a cabeça)

GUERRERO - Até que enfim, Sarah, eu vou conseguir.

SARAH - Eu não acredito mais em você, Guerrero... ontem eu ainda...

GUERRERO - É tudo o que nós sonhamos...

SARAH - Você me dá nojo!

GUERRERO - Sarah!

SARAH - Eu não era assim... e você sabe disso... daí você começou a sonhar... e eu entrei no jogo... e fiz tudo Guerrero... eu acreditei nos teus sonhos e lutei por eles... mas você não teve pena... você é um covarde, Guerrero... e vai continuar a vida inteira... você nem desconfia como arrumou esse emprego, não é?

GUERRERO - Você sabe que os sonhos ainda são os mesmos...

SARAH - Você está se tornando ridículo...com essa história... Você não vê que você não pode com eles...

GUERRERO - Calma Sarah... olha pra mim...Eu tenho alguma coisa... Eles estão com medo... Sarah! Eu estou quase conseguindo...

SARAH - Mas não vai conseguir... Na hora H... Você vai, como sempre se acovardar... Você vai imaginar que tem uma dignidade e vai viver o seu mundo ridículo de ficção...

GUERRERO - Eu te prometo, Sarah...Dessa vez eu vou até o fim...

SARAH - Cala essa boca, Guerrero, que a muito tempo eu já não te ouço!

GUERRERO - (se aproximando) Você sabe que eu gosto de...

SARAH - Se você se aproximar, eu vou sentir o seu cheiro e o seu cheiro é um veneno que mata e se você ainda gosta de mim não me mate... Leva esse teu som, esse teu cheiro pra longe.

GUERRERO - Mas eu não te entendo... Justamente agora que...

SARAH - Se você conhecesse melhor... aqueles dois...

GUERRERO - Está bom, Sarah! Eu não prometo mais nada... Mais cedo do que você pensa, minha querida... Antígone eu vou te dar tudo... tudo, você entende?

SARAH - (olha pela primeira vez para Guerrero... ) Está bem... Então escuta... Não vai ser fácil... Apesar de tudo eu ainda... O que você tem afinal...

GUERRERO - Tenho tudo minha cara Sarah... Ninguém presta... Está tudo podre... Fedendo...

SARAH - Eu sou das coisas da terra...

GUERRERO - O que?

SARAH - Você me ama ?

GUERRERO - É lógico...

SARAH - Guerrero... Não diga é lógico, simplesmente... Eu quero saber se você ama... o paraíso... as coisas... da terra... o pecado... o poder.... a maçã...

GUERRERO - Quem não ama...

SARAH - Você quer.. gosta do pecado?

GUERRERO - Não entendo...

SARAH - Entende sim... É uma viagem sem volta...Você quer viajar comigo?

GUERRERO - Meu nome é Gerrero...

SARAH - Eu sei... e o meu nome é Sarah... Nenhum passo mais atrás ?

GUERRERO - Só pra frente... Segura a minha mão, querida Sarah!

SARAH - Ainda não... Tem hora para tudo... Na hora H...você vai saber... porque eu vou segurar a sua mão e beijar os teus lábios...De agora em diante eu negocio...

GUERRERO- - Você?

SARAH - E estou bem acompanhada... Se o que você tiver for realmente grande...Acho que chegou a nossa hora... Você anda... estranho... Tem outra no pedaço?

GUERRERO - Por que você diz isso?

SARAH - Intuição feminina... Guerrero você não é mais criança...

GUERRERO - Não sei do que....

SARAH - Sabe sim... Não podia mais haver ninguém...só nos dois... senão o sangue pode correr...

GUERRERO - Não estou entendendo...

SARAH - Nós não temos muito tempo... A vida é curta... Nosso fim vai ser muito triste...

GUERRERO - O que?

SARAH - Nada.... Meu amor... nada.... nada....

17. ESTÚDIO DE TELEJORNALISMO

BISPO - O senhor está se tornando inconveniente com essas perguntas...

THOMAS - Não sou eu quem afirma, são as estatísticas...

BISPO - eu não vim aqui para ser insultado... Eu peço a produção do programa que...

THOMAS - Ninguém está insultando... O senhor está enganando a metade cristã desse país. Isso é um crime que nós da imprensa temos que denunciar... Para falar a verdade o senhor, o senhor bispo não passa de um crápula... o senhor não honra a batina que veste...

BISPO - (olhando para os lados para a produção... Guerrero... faz sinais para que corte o programa... entra o logotipo da Rede)

18. PRAÇA

( Sarah e Índia Jandira sentadas em um banco)

SARAH - Está difícil, minha irmã...

JANDIRA - Ninguém é o maior perto do maior... O maior está mais perto do pequeno do que do grande...

SARAH - Minha irmã eu não tenho forças...

JANDIRA - Tem bonita muito bela que atrapalha... Tem verdade muito louca que atrapalha... tem grande que também atrapalha... Tem amor demais e safadeza de mentira....

SARAH - Acho que sou muito pequena...

JANDIRA - Você é a irmã de Jandira... Você é a irmã da que sabe...

SARAH - Então me ajuda... minha irmã do amor...

JANDIRA - Nossa mãe do céu chegou. Está aqui do nosso lado... Está linda de vestido da cor do vinho...

SARAH - Eu não posso vê -la irmã Jandira...

JANDIRA - Não pode... Você é só da terra... Só depois que a terra comer...Ela agora está acariciando o seu cabelo... Você não vai ter problemas mais... Ela está falando ...

SARAH - Falando o que ?

JANDIRA - Não é linguagem daqui... São só sinais...

SARAH - Que significam o que?

JANDIRA - A beleza ... verdade e a autoridade... Todas estão pesando... na cabeça do

lutador...

SARAH - Lutador ... guerreiro...?

JANDIRA - Vai em paz minha irmã... O caminho está dado...Está desenhado...

Vai fogo da minha alma... Vai minha irmã da terra... Vai que eu tenho que ainda fazer minhas palhaçadas... Procura o grande do grande aquele que pôr enquanto é o maior...Ouviu bem... O maior...(Índia Jandira fica imóvel... não fala mais nem se mexe, transforma-se em uma estátua)

SARAH - (beija ternamente a mão de Índia Jandira)

19. ESCRITÓRIO DA REDE

BOZZI - O que ?

CHAFIA - Exatamente.

BOZZI - Com ele ?

CHAFIA - De carro , preto.

BOZZI - Ela quer voar alto...

CHAFIA - Você que me arrumou...

BOZZI - Mas como ela chegou nele?

CHAFIA - Vou lá saber ...

BOZZI - Você viu ?

CHAFIA - Com esses olhos...

BOZZI - Que a terra há de comer...

CHAFIA - Os vermes ...

BOZZI - Mas ele nunca...

CHAFIA - Está velho...

BOZZI - É por isso que eu...

CHAFIA - Últimos extertores...

BOZZI - Ela é perigosa...

CHAFIA - Perigosos somo nós ...

BOZZI - Ela é pior...

CHAFIA - Bem pior...

BOZZI - O que fazer...

CHAFIA - Rezar...

BOZZI - Ele é muito importante...

CHAFIA - Mais do que...

BOZZI - A gente....

CHAFIA - Possa imaginar...

BOZZI - E se ele...

CHAFIA - Enjoar...

BOZZI - Da Sarah...

CHAFIA - Impossível...

BOZZI - É...

CHAFIA - Nós conhecemos...

BOZZI - Muito bem...

CHAFIA - O que ela ...

BOZZI - Faz... do que ela...

CHAFIA - É capaz...

BOZZI - Estamos ....

CHAFIA - Perdidos ?

BOZZI - É.

CHAFIA - Ainda....

BOZZI - Não ?

CHAFIA - Não.

SARAH - (Entrando) Vocês estão meio esquisitos...

CHAFIA - Nós somos assim mesmo...

SARAH - Falavam de mim, não é?

CHAFIA - Nem pensar...

BOZZI - Porque você acha que...

SARAH - Eu não acho... Eu tenho certeza... Mas vamos ao assunto... Não temos muito tempo...

CHAFIA - O seu marido é cabeça dura...

SARAH - Do meu marido cuido eu...

BOZZI - Assim é que se fala...

SARAH - Vocês cuidam dos menores...

CHAFIA - Você ficou louca? Quem é você para... (Toca o telefone)

BOZZI - (atendendo) Fala... (subtamente fica de pé) Pois não... (ouve por um

tempo... desliga) Meu amigo Chafia... Ela não é... nem está... nenhum

pouco louca...

CHAFIA - (cai na risada) Meu Deus... Quando a gente pensa que já aprendeu tudo...

SARAH - Vamos ser bem claros... Sem problemas... Sangue...Nada... Não sejam

desastrados...

BOZZI - Palavras...

CHAFIA - Dinheiro....

SARAH - Vocês entendem disso melhor do que eu...

20. HALL DO TEATRO

(sala de espera de um teatro. Guerrero está sentado. Bela deve, quando entrar, usar roupa do Balet de apresentação do Show)

GUERRERO - (está sentado pensativo, parece aborrecido e um pouco preocupado)

BELA - (entra contente, enxugando-se com a toalha. Chega por trás de Guerrero, sem ser vista, e beija-lhe apaixonadamente os lábios. Guerrero não se mexe, não esboça sequer um gesto. Bela afasta-se, olha nos olhos de Guerrero, e de novo o beija, ainda mais apaixonadamente e Guerrero continua imóvel. Bela afasta-se lentamente e, em silêncio, senta-se ao seu lado. Os dois olham para a frente... Ficam assim por algum tempo.

(Durante quase todo o tempo do diálogo, eles devem não se olhar)

BELA - O vento... você está ouvindo?

GUERRERO - (balança a cabeça afirmativamente)

BELA - É capaz de chover.

GUERRERO - É, é capaz de chover.

(longa pausa)

BELA - Problemas?

GUERRERO - Não.

BELA - Eu estou sentindo dificuldades para falar.

GUERRERO - Eu também.

BELA - Eu estou fazendo um novo curso de balet... (pausa) Nesses países por aí, eles são muito exigentes... Muita concorrência.

GUERRERO - Eu queria dizer?

BELA - Que você não quer mais me ver...

GUERRERO - Olha Bela...

BELA - Que não quer mais me abraçar...

GUERRERO - Eu...

BELA - Me beijar...

GUERRERO - Você é louca.

BELA - Eu sei.

GUERRERO - Você tem razão. É capaz de chover.

BELA - O que é que há, Guerrero?

GUERRERO - Nada.

BELA - Você está com medo, não é?

(silêncio)

GUERREO - Eu amo desesperadamente a Sarah.

BELA - Eu não sou ciumenta...

GUERRERO - Ela ... Não sei como... Soube do nosso caso...

BELA - Ou eu ou ela? É clássico...

(silêncio)

GUERRERO - Disse que você atrapalha...

BELA - Fica comigo Guerrero.

GUERRERO - Não posso.

BELA - Se você soubesse como agora meu coração está doendo...

GUERRERO - (sorri)

BELA - O que é que é engraçado?

GUERRERO - O meu já não bate mais... Faz dias que eu não durmo...

BELA - Eu poso te libertar Guerrero desta... Loucura...Pela última vez...

GUERRERO - Parece que o meu dia está chegando, Bela ...

BELA - Fica comigo Guerrero... Não precisa me amar... só me deixa te amar...

GUERRERO - Bela, você na minha vida... foi uma das coisas mais...

BELA - Fui?

GUERRERO - (Assente com a cabeça)

BELA - Meu amor...Minha vida...

GUERRERO - Por favor Bela...

BELA - Por favor Guerrero ... Quando eu falei que estava desesperadamente apaixonada por você... Você na hora pensou: Isso não pode existir... isso não existe aqui... O Thomas também. Você nunca acreditou totalmente nele, não é, Guerrero. Olha, Guerrero... Eu existo (abraça-o)

GUERRERO - Eu não vou mais te ver...

BELA - Sente o calor do meu corpo (abraça-o mais forte)

Sente o meu coração estourando, Guerrero! Eu não agüento mais de amor!

GUERRERO - ( delicadamente , vai afastando bela de si... ela ainda resiste... um pouco... mas Guerrero é incisivo... Bela chora...)

BELA - Nós poderíamos ser... tão.... felizes... (soluça e beija-o apaixonadamente. Guerrero está parado como uma estátua Bela sente que não vai conseguir nada... se afasta lentamente...quase como se ainda tentasse... segurar alguma coisa de Guerrero... Encara Guerrero bem nos olhos)

GUERRERO - Meu coração já não bate mais Bela... querida...

BELA - (num grito como se fosse um animal ferido) Ai!!! (sai correndo desperadamente)

GUERRERO - O mundo está fora do eixo... Eu não encontro uma só pessoa de bom senso. Eu queria que o chão não se mexesse tanto...Sarah... minha grande atriz... Eu te amo...

21. APARTAMENTO DE GUERRERO

( Guerrero, que está sentado, tomando um wisky)

THOMAS - (entra eufórico, arranca o copo da mão de Guerrero e bebe) Guerrero, Guerrero, me grande amigo Guerrero...Eu estou amando novamente... Meu grande amor voltou...eu sou o homem mais feliz do mundo...Julinha Guerrero...Julinha voltou...voltou gostosinha...Ai Guerrero como é bonito...Guerrero...(Abraça Guerrero) Eu te amo... Eu amo todo mundo...O mundo voltou a brilhar de sol de amor de fantasia.... Eu estou ficando louco, lembra daquele bispo? Aquele crápula? Pois é. Ele também está na nossa história... Eu nunca ia imaginar... Olha, Guerrero. Pra falar a verdade... está todo mundo na história... Está tudo podre, Guerrero... Eu estava pensando ontem... Não falta ninguém. Lembre-se, Guerrero, do que eu disse de ser jornalista... Isto sim é que é trabalho importante... Você já pensou no que a gente está descobrindo... Isso não é brincadeira.

Dá pra gente virar a mesa... a mesa só, não, as paredes, todo o edifício... O país... O mundo, Guerrero... Dá pra gente destruir o esgoto podre do mundo inteiro...

(bebe mais) Ei! Por que você está tão quieto... O que é que houve, Guerrero? Eles te chamaram, não é?

Eu também fui lá... Mas eu xinguei tanto eles... Eu mandei aquele fresco e o outro bêbado pra puta que pariu!...

Eles ficaram me olhando feito palhaços e eu ria... mas eu ri tanto que aquele merda, que manda mais, queria me bater... Daí, ele disse que eu estava despedido... Daí é que eu rolei de rir... Então ela não agüentou e começou a gritar...

Eu sai e comecei a mijar na sala de espera... Apareceu então aquela secretária e quase desmaiou... Começou a chamar a polícia, e eu que não sou trouxa dei no pé, né?

E você, como é que foi... Conta, rapaz... Falou do xerox? Do jornalismo marginal? Conta, Guerrero...

GUERRERO - Não, eu não falei nada de xerox .

THOMAS - Por que?

GUERRERO - Porque eu não acho uma boa idéia...

THOMAS - Sinto muito, Guerrero... Mas o negócio vai sair... Mais cedo do que você pensa...

JULINHA - (entrando) A Sarah está ai? (notando Thomas, corre até ele e o abraça)

THOMAS -(beija ternamente Julinha)

GUERRERO - Que bom que vocês voltaram...

THOMAS - Quem um dia foi amado será amado para sempre...

JULINHA - Quem um dia amou amará para sempre...

THOMAS - Bem, eu preciso ir... vou ver uns caras que vão me distribuir o negócio... Até... a gente conversa depois. E olha... Não se preocupe não, de qualquer jeito, um dia, você vai ser muito importante... Eu tô torcendo por você... (sai)

JULINHA - Todos nós estamos...A Sarah virá aqui?

GUERRERO - Não. Acho que esta hora ela está no juri daquele programa...

JULINHA - Bem... Parece que eu vou ter que te ajudar...

GUERRERO - Que bom que vocês... Você e o Thomas...

JULINHA - É por pouco tempo...

GUERRERO - Não entendi...

JULINHA - Você não precisa entender...Esse cara é um maníaco... E eu não tenho saúde...

GUERRERO - Então...

JULINHA - Ele vai ser despedido...

GUERRERO - Ele não vai agüentar... Eu gosto muito dele...

JULINHA - Então vai fazer jornalismo de Xerox... Junto com ele...

GUERRERO - Eu sei que não dá certo... Mas ele é tão ...bom.... é o meu melhor amigo...

GUERREO - Quem vai dar a notícia...

JULINHA - Eu...

GUERRERO - Você teria coragem?

JULINHA - Não se trata de coragem...É preciso...

GUERRERO - Mas ele não vai agüentar... Ele vai...

JULINHA - Mais cedo ou mais tarde ele iria..

GUERRERO - Meu Deus... (abaixa a cabeça)

JULINHA - (olhando bem para o rosto de Guerrero) Tem pessoas que não são desse mundo... Você entende?... Aqui elas não são felizes...Falar nisso, como é que vai a reportagem?

GUERRERO - Não sei... Estou meio perdido...Sem o Thomas eu não teria condições.... Está tudo muito confuso... Eu não consigo mais ...

JULINHA - Está quase pronta...

GUERRERO - O que? Como é que você sabe?

JULINHA - Sou eu quem estou editando? Eu sou agora sua nova empregada Guerrero...

(Silêncio... Guerrero olha para o vazio... Julinha dá um beijo em Guerrero e sai apressada)

GUERRERO - (olhando na janela) Thomas... Thomas... Você e seus Xerox... (faz um sinal de insatisfação)

22. ESCRITÓRIO DA REDE

BOZZI - Eu acho Bela ...uma das pessoas mais bonitas... Por fora e por dentro...

CHAFIA - Temos que falar com ela...

BOZZI - Vai você... Por favor...

CHAFIA - O que é que houve?

BOZZI - Se eu tivesse uma filha eu queria que fosse como ela...

CHAFIA - Você está se tornando ridículo...

BOZZI - Ela é especial...

CHAFIA - O que tem que ser feito...tem que ser feito...

BOZZI - O que tem de ser feito...

CHAFIA - O que nós fazemos sempre...

BOZZI - Comprar... Vender...

CHAFIA - E o que mais? Você pensa que eu sou o que?

BOZZI - Eu não vejo a hora...de.... Não vai adiantar com ela...

CHAFIA - Você que colocou a moça no Balet da rede?

BOZZI - Fui eu...

CHAFIA - (sorri)

BOZZI - Nem pensar... Não teve nada... Eu nem teria coragem...Ela é diferente...

CHAFIA - Vamos ver essa moça diferente...

BOZZI - Eu não vejo a hora....

CHAFIA - Eu também não vejo a hora...Mas enquanto essa hora não chega temos que trabalhar...e

nós somos muito ... mas muito bem pagos para isso...

BOZZI - Ok! Você venceu...

23 . CASA DO VELHO

THOMAS - Eles a mataram?

(pausa)

VELHO - Não... Ela se trancou num quarto e botou fogo no papel...

Quando eles entraram, ela se encostou na janela...

Eles ficaram olhando da porta. Daí ela disse:

Diz pra ele que nós existimos, que é preciso acreditar... (pausa)

Ela pulou daqui de cima... disseram que na sua mão encontraram apenas carvão de papel...

Foi então, rapaz que eu nunca abri as janelas...

(pega o lenço e esfrega os olhos)

24. PRAÇA

(SARAH e INDIA JANDIRA Abraçadas)

SARAH - Minha irmã da alma...

JANDIRA - Minha irmã da carne...

SARAH - Muita gente sofreu...O suicídio.. é horrível... Um ônibus e muito sangue...

JANDIRA - É assim... E assim sempre será... Agora eles estão comigo... Vão me

ajudar a fazer palhaçada...

SARAH - E eu e... Guerrero?

JANDIRA - Aproveitem a carne... o paraíso... (sorri)

SARAH - Pela primeira vez desde que conheci você... notei uma certa ironia...

JANDIRA - Eu te amo minha irmã... Mas assim está escrito...e assim será... Tem

que ser assim... O cavalo e a águia... Tem que caminhar juntos...Você

o ama?

SARAH - Agora mais do que nunca...

JANDIRA - O tempo é curto... Vai minha irmã... Que eu tenho que fazer ainda

muita palhaçada...

SARAH - (faz menção de falar)

JANDIRA - (coloca a mão na sua boca e depois a beija suavemente na boca)

Eu já sei...lembra- se de tudo o que você vai falar... enquanto você

viver... O final... (Jandira abaixa a cabeça)

SARAH - O final?...

JANDIRA - A da vestido longo da cor do vinho... a nossa santa mãe vai te dizer... Eu não tenho coragem...

(as duas se olham pôr uns instantes e se abraçam fortemente- Black- out)

25. ESCRITÓRIO DA REDE

(Chafia e Bozzi estão meio bêbados )

CHAFIA -(Rindo) Você é um desastrado...

BOZZI -( Também rindo) E você ?

CHAFIA - Bem pior do que você...

BOZZI - Na rua... nós dois...

CHAFIA - Quem diria despedidos....

(os dois caem na gargalhada)

BOZZI - Desempregados e ricos...

(Chafia quase não agüenta de gargalhar... Bozzi o acompanha)

BOZZI - Já viu o novo chefe? (risada)

CHAFIA - Se vi? Eu desfrutei... a entrada dele...

BOZZI - Profundamente incompetente...Usou a sua idéia...

CHAFIA - Qual?

BOZZI - Aquela da Janela ... Está todo mundo falando que ele é um gênio... da

comunicação...

CHAFIA - Mas se ele usou a minha idéia...

BOZZI e CHAFIA - (em coro) Então é um filho da puta de um gênio!!! (caem na

gargalhada)

BOZZI - (olhando bem para Chafia) Sabe Chafia... que eu já posso olhar você... assim com mais...

tranqüilidade....

CHAFIA - ( olhando bem para Bozzi) Você acha que agora nós podemos fazer

aquela farra? Lembra-se ?

BOZZI - Agora.... Sim...

(Os dois se abraçam e caem na Gargalhada... black - out)

26. ESTUDIO DE TV

(enquanto acontece o próximo diálogo, o palco, aos poucos, vai se transformando num ambiente de festas.

Vão sendo decoradas as paredes, manequins são colocados com trajes elegantes, etc...

De maneira que, em determinado momento todas as personagens devem estar lá , para o lançamento de uma programação da Rede de Televisão. Guerrero agora está vestido de branco)

(Luz geral no palco. O ambiente é de festa. É o lançamento de um programa novo e um novo espírito na Rede de Televisão.

Os manequins, atores, autoridades, relações públicas, garçons, etc. devem ser fortemente iluminados em seus trajes deslumbrantes. Guerrero, de branco, Chafia, Bozzi e Julinha são os únicos personagens vivos em cena).

(Guerrero está cercado por fotógrafos e um jornalista)

JORNALISTA - Você podia explicar exatamente do que se trata?

GUERRERO - É simples... Jornal novela...

JORNALISTA - Jornal - novela?

GUERRERO - É, Jornal - novela... A gente monta a notícia, entendeu? Quer dizer, a gente imagina uma notícia... Uma notícia mesmo... muito mais interessante do que andar por aí.

\Então a gente pega os autores... eles ensaiam as personagens envolvidas nos acontecimentos. Daí é que tudo vai ser mais interessante, mais gozado, mais dramático. Nós pretendemos bater o “record” de audiência... em menos de uma semana de trabalho. Esses fatos podem acontecer...

Nós não vamos partir do nada... Por exemplo... Um time de futebol... A seleção do país... Está disputando a Copa do Mundo. Perdendo ou ganhando a gente faz a reportagem da sua vitória. Nós vamos ter que pagar muitos extras, isso é o de menos...

JORNALISTA - E o público vai acreditar?

GUERRERO - No começo não, mas com o tempo... Veja, é a única informação que ele vai ter... Nós pretendemos dar a notícia em Rede.

JORNALISTA - E os jornais?

GUERRERO - Ninguém mais vai ler jornais. Todos vão ter jornal na T.V. o tempo todo.

O plano vai ainda mais longe... As novelas vão ficar cada vez mais parecidas com a realidade...

Cada vez mais o próprio público estará nas novelas... O cenário será sempre a cidade, melhorada é claro.

Vai chegar o dia em que o público, depois de ligar a T.V., não vai conseguir saber se está assistindo um noticiário ou uma novela. O que na verdade, você há de convir comigo, tanto faz...

JORNALISTA - Quer dizer que com o tempo... Essas vãos ser as únicas informações a respeito do mundo?

GUERRERO - Exatamente.

JORNALISTA - E o sr. acha que vai conseguir?

GUERRERO - (sorrindo) Desliga isso aí. (apontando para o gravador) Nós já fazemos isso... Faz muito tempo... Cá entre nós... Apenas é que a verdade, às vezes, atrapalhava...

JORNALISTA - Antes de ir ao ar, o Jornal-Novela já está sendo chamado da coisa mais genial dos últimos cem anos... Em primeira mão pra gente... Quando e como surgiu essa idéia que vai lhe dar o prêmio de Comunicador do Ano...

GUERRERO - Foi numa noite... Quando eu olhei para o céu... e vi janelas azuis...

JORNALISTA - Isso é charada?

GUERRERO - Não, é a coisa mais clara que eu já falei na minha vida...

JORNALISTA - Quando vai ser lançado o primeiro Jornal-novela?

GUERRERO - Tenho... você que nesse momento está me ouvindo...

O nosso trabalho é fruto de um ideal de cada um de vocês... muito grande - o nome de vocês - O nosso intuito é ver cada um de vocês fechar os olhos em paz...

JORNALISTA - Mas isso tem um sentido ambíguo...

GUERRERO - Nada mais a declarar...

JORNALISTA - Ei, espere...

GUERRERO - Nada mais a declarar...

JORNALISTA - Por favor, senhor Guerrero, uma foto com o 1o. roteirista do Jornal-Novela...(Guerrero, posa ao lado de uma manequim)

E esse ator, o que é que ele vai representar mesmo?

GUERRERO - O Presidente do Senado num comunicado à nação...

(uma foto ao lado dele. Todos se postam)

JORNALISTA - (para Juliana) E essa moça?

GUERRERO - Eu lhe apresento... A primeira repórter ficcionista do jornal-novela!

(muitas fotos de Julinha que sorri emocionada e abraça Guerrero)

(Num canto da sala, aparece Sarah, também toda de branco. Inicia a música de apresentação do jornal (do início da peça) Só que agora em ritmo muito lento. Os flashes vão estourando no rosto de Sarah, que não se importa, e olha fixamente para Guerrero... Os dois, vagarosamente, caminham um para o outro... Eles se encontram e se beijam...)

JORNALISTA - Por favor... Uma foto dos dois... (eles olham para as câmeras) Guerrero... Hoje você é um dos homens mais conhecidos nos quatro cantos desse país...

Tem a mulher mais linda da T.V. e do Teatro...

É um homem rico... Você... Ou melhor... O sr. já se sente um homem realizado?

GUERRERO - (olha para Sarah e esta para Guerrero) (os dois estão emocionados) Nós começamos ontem...

SARAH - Pode escrever isso, rapaz... Nós estamos apenas começando! (os flashes estouram no rosto dos dois...

Chafia, Bozzi e Julinha se juntam ao grupo.

A luz cai em resistência. Apenas um foco numa cena de locução de jornal, na frente da grande tela)

(Volta imagem, isto é, trecho da imagem do início do filme. Julinha senta-se na mesa de locução do jornal)

JULINHA - Sua brilhante carreira iniciou-se aos trinta e cinco anos de idade. Até então era um simples, mas sincero, jornalista. Daí então, através, única e exclusivamente, de seu emprego individual, galgou as mais altas posições já sonhadas pelo ser humano... E nessa trajetória gloriosa o nosso povo aprendeu a amá-lo e respeitá-lo... e até hoje, um mês após sua morte ocorrida a nove de março, ainda lamentamos e pranteamos sua ausência.

O mundo, e principalmente o nosso país, sem ele, já não pode ser o mesmo... Adeus “GRANDE HOMEM”... que Deus o tenha consigo e o guarde.

Em 1961 Diretor da Rede de Televisão.

Dois meses depois inventor do Jornal-novela que iria revolucionar a informação em todo país...

Na tela seqüência de fotos de Guerrero velho até os 35 anos, enquanto...

1962 - Deputado... ruído

1963 - (ruído) das empresas reunidas

1974 - (ruído) das indústrias de comunicação

1975 - Senador por seu Estado (ruído)

1976 - (ruído) das mães sem família

1977 - (ruído) das mães juntas à família

1978 - (ruído) do menor desamparado

1979 - (ruído) da juventude

1980 - (ruído) da imprensa em todo o continente

1981 - (ruído) dos viciados em geral junto as autoridades

1982 - (ruído) especial das Nações Unidas

1983 - (ruído) dos problemas humanos

1984 - (ruído) de tudo quanto diz respeito ao ser humano

1985 -

1986 - Passa a ser chamado apenas de “Ele”...

Talvez a única pessoa no país que o simples pronome pessoal “Ele” bastava para identificá-lo.

(agora a foto da imagem é Guerrero aos trinta e cinco anos de idade, ou seja, atual)

1997 - Morre o “GRANDE HOMEM” com 77 anos de idade...no mesmo momento em que morre sua esposa a ex atriz Sarah Mendes... Estão afastadas as especulações maldosas que alguns orgãos de imprensa estão fazendo sobre este trágico acontecimento... O que interessa neste momento é que este currículo é um exemplo para todos os anônimos que nos ouvem... Ele era como vocês... tudo é uma questão de força de vontade individual...

Essa reportagem especial é uma homenagem dos homens de imprensa a ANTONIO GUERRERO, o jornalista...

Ele também sabia que:

Essa porra que nós fazemos não é brincadeira...

É uma merda de muita responsabilidade...

JULINHA - (toma consciência do que falou e fica perdida na frente do público... Ela olha para os lados... tenta consertar)

Bom, é preciso explicar o sentido do que eu acabei de falar...

Tudo não passou de uma mera expressão... Ela era muito usada entre nós... (olha para os lados) (Black-out. Na tela o logotipo da Rede...

Este pode ser um final.

O encenador, se assim o desejar, pode também continuar projetando o seguinte texto na tela:

SAIMOS DO AR POR ALGUNS INSTANTES, DEVIDO A PROBLEMAS DE FORÇA MAIOR;

NÃO SE PREOCUPEM, NÓS VOLTAREMOS DAQUI A POUCO...

APENAS O TEMPO NECESSÁRIO PARA QUE VOCÊS CHEGUEM EM CASA.

NÓS ESTAREMOS LÁ ESPERANDO... NO MEIO DA SALA... A TÉ JÁ.

FIM

PÁSCOA DE 1977

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