A VIDA NOS LARGOS
E NOS QUINTAIS
Na metade do século passado Mogi das
Cruzes era uma cidade repleta de quintais e Largos. A vida acontecia ao redor
desses espaços.
A primeira imagem de quintal da qual me
recordo, talvez aos três ou quatro anos de idade, é a de uma negra alta, forte
e rechonchuda, estendendo roupas brancas em um varal. O seu canto é agudo,
suave... Mavioso. À noite, eu me aninhava no seu colo macio e dormia. Ela
cantava suavemente nos meus ouvidos, enquanto me embalava calmamente.
A pré-escola, que naquela época
chamava-se Jardim da Infância. Havia o Jardim Dona Placidina, do qual eu me
lembro de umas enormes freiras (eu era muito pequeno) censurando-me porque eu
não sabia desenhar bolas muito redondas no meu caderno de caligrafia. Minha
letra, até hoje, é péssima. O outro Jardim da Infância chamava-se, se não me
engano, Monteiro Lobato e localizava-se em outro Largo onde hoje é a Praça do
São Benedito. Lembro-me de uma pequena piscina e de um adorável pão com
goiabada.
Eu morava ao lado do Largo do Carmo que
naquele tempo era de terra batida e as árvores formavam o gol. Ficava o dia
inteiro ali tão perto da igreja que acabei entrando para a Cruzada Eucarística.
Depois da missa, jogávamos futebol junto com os padres, que sequer tiravam as
batinas.
Poucos possuem a sorte de
ter uma mãe bibliotecária do município. A biblioteca estava instalada, na
esquina do mesmo Largo, em um casarão colonial autêntico, com um quintal
enorme, cheio de folhagens e árvores frutíferas. Durante a maior parte da minha
infância, era ali que eu ficava durante todas as tardes.
No Casarão, um contato físico e sensorial com livros e, no Largo, o
esforço físico e intelectual para vencer meus amigos durante os jogos.
No
outro Largo, da Igreja da Matriz ficava e ainda está por lá a Escola Coronel de
Almeida. Dessa escola primária ficaram apenas os carinhos de algumas
professoras, um honroso segundo lugar no diploma e uma menina bonita que se
sentava na segunda carteira.
A passagem do curso primário para o
ginasial, entretanto, provocava, naquele tempo, uma mudança radical em nosso
comportamento. Para começar, havia o dificílimo exame de admissão. A tradição
confirmava que, dali em diante, podíamos aposentar as calças curtas e usar as
compridas. Com terno cáqui, camisa branca e gravata preta, parecíamos pequenos
adultos. Mudei de casa e fui morar em
outro Largo que também era de chão batido para que pudéssemos jogar futebol, chamava-se
Largo da Cadeia muito próximo de minha nova escola... O
Instituto de Educação Dr. Washington Luís, centro de irradiação cultural,
social e esportiva da cidade.
Das aulas, não tenho muito que dizer;
apenas que os professores eram muito rígidos e tradicionais e que a filosofia
reinante era a do ensino intelectualizado e elitista. O currículo incluía duas
línguas vivas (o francês e o inglês) e uma língua morta (o latim).
Eu permanecia na escola,
praticamente, em tempo integral. Muitos jogos, bailes, namoros (um dos quais
dura intenso até hoje) e a melhor fanfarra do Brasil, da qual muito me orgulho
de ter sido o corneteiro-mor.
"Bolávamos" e executávamos,
aos sábados, um espetáculo de variedades chamado de “Programa Estudantil”. Eu participava da criação, era um dos
alunos da “Escolinha de Grupo” e gostava de dublar o Elvis Presley, de quem
imitava, também, as exageradas expressões corporais, incluindo sua famosa
pélvis ondulante da qual, segundo não sei quem (acho que foi Paulo Francis),
nasceu uma parte da esquerda, pós-64, no Brasil.
À noite íamos fazer o “footing” e
flertar em outro Largo que chamávamos simplesmente de Jardim, visto que era o
único com a vegetação cuidada.
Se for verdade que quanto mais pessoal
mais universal nos tornamos, espero que o leitor daqueles tempos tenha sentido
alguma identificação com as minhas lembranças e que os mais jovens possam
imaginar como era simples e cheia de sensações a vida nos Largos e Quintais de
Mogi das Cruzes.
Armando
Sérgio da Silva
Carnaval de 2014
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