quinta-feira, 15 de maio de 2014

E AGORA JOSÉ PACÍFICO?



E AGORA JOSÉ PACÍFICO?
Fim do ano 2013, José Pacífico está sentado em sua poltrona predileta. Nas mãos, um livro de poemas de Carlos Drummond de Andrade em sua frente uma enorme e novíssima TV.
  Seu nome parecia uma predestinação. Mesmo quando criança ou moço nunca se envolveu em brigas. Já tinha feito de tudo na vida, Médico, Professor, Voluntário para ajudar crianças com deficiência. Resolveu aposentar-se.
Na TV,  RETROSPECTIVA 2013. Algumas manchetes e Pacífico estremece... Muita violência. Olha para o seu livro e o aperta com força no peito. Como se fosse uma taboa de salvação.
O programa começa com as catástrofes naturais no mundo. Nossa culpa... pensou. Volta ao livro, quase sem fôlego: 
“quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?”
O livro escorrega de suas mãos e cai. Cansado volta sua atenção para a TV.

Cenas de protestos nas ruas do Brasil. Êle sorri. É a juventude querendo mudanças. Tudo vai bem mas eis, porém que, de repente, surgem alguns garotos vestidos de negro e encapuzados e começam a destruir tudo o que encontram pela frente. Ônibus são incendiados e continuarão a ser queimados em todos os cantos do país... Até assar  uma garotinha de seis anos. Pacífico afasta-se da TV e procura seu livro: “Você que faz versos,que ama, protesta? e agora, José”?
Volta, com certo receio, a olhar a TV. Cenas do Oriente Médio, matanças em nome da religião... Massacre químico e finalmente guerrilheiros fanáticos estuprando meninas. “Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil”.
Continua ouvindo a TV, mas sem olhar. São tantas as cenas de violência exibidas que acabam ficando banais, sem destaque: Um pai que mata seu filho de três anos... Uma mulher que atropela um casal de motociclistas. Os políticos que seriam a salvação do País, todos em fila presos, algemados.
Algumas lágrimas caem dos olhos de Pacífico. Promete para si mesmo, sussurrando, não vou mais ver a TV!
 Na página aberta:
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Ver a Banda passar
Noite de lua cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Quase cai da poltrona quando anunciam: RETROSPECTIVA DOS ESPORTES: BRASIL CAMPEÃO DA COPA DAS CONFEDERAÇÕES!
Pacífico aplaudiu e gritou sozinho na sua sala: VIVA!
Logo em seguida cena nas arquibancadas quebra-quebra geral. Alguns torcedores chutam e dão pauladas num outro caído no chão. Logo em seguida, lutadores de UFC com os rostos deformados são entrevistados. As lutas são muito violentas. Mesmo depois de caído um lutador é espancado. Parece que o Juiz só para quando tem perigo de morte. O povo aplaude e grita. Um lutador acaba de quebrar a perna com um chute. Que alegria para a torcida. Pacífico lembra-se dos gladiadores. Séculos de cultura e nada mudou...
Tentou apagar a TV o controle não funcionou. Levantou-se desesperado procurando a tomada para desligar aquele inferno. A TV estava embutida na parede, a tomada atrás dela. Tentou tirá-la da parede... Parecia tão pesada. Esforço total, a TV descola-se. Ouve-se um barulho, escuridão total.
No dia seguinte José Pacífico foi encontrado inerte no chão. Sobre ele cacos de uma tela de TV.
Ao seu lado o livro de Drummond aberto. Seu dedo apontando para o seguinte trecho:
“Sozinho no escuro qual bicho-do-mato,
sem teogonia, sem parede nua
para se encostar, sem cavalo preto
que fuja do galope, você marcha, José!
José, para onde?”
                                                                          ARMANDO SERGIO DA SILVA
                                                                                         VERÃO 2014





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