quinta-feira, 15 de maio de 2014

PROFESSOR AMODA ANTIGA



PROFESSOR À MODA ANTIGA

                                                                          ARMANDO SÉRGIO DA SILVA
                                                                                         Primavera de 2007

Nossa personagem, após um dia de trabalho,  toma um copo de leite morno, na cozinha. Anda pelo corredor de sua casa confortável, ouve o ronquinho delicioso de seus dois filhos. Vai para o quarto. Sua mulher, também, dorme... Rosto tranqüilo. Nos seus lábios, quase, um sorriso. Todos estão muito seguros e felizes na sua casa. Afinal, ele pensa, não sou rico, mas ganho o suficiente. Acende o abat-jour. Pega um livro no criado-mudo... Obras completas de Shakespeare. Abre na página marcada e, antes de pegar no sono ainda consegue ler o final de Romeu e Julieta. Os enamorados mortos por causa da intolerância das duas famílias. Emocionado dorme...  O despertador toca as sete, em ponto.  Já pode ouvir o barulho calmo da cozinha e o cheiro inconfundível do café. Barbeia-se e toma um banho morno. No cabide está seu terno, impecável. Veste-se calmamente, senta-se na copa e enquanto saboreia o desjejum, enquanto lê as principais manchetes do jornal. A base de sua profissão é a informação. Sai pela garagem, olha o seu carro... um modelo nada muito caro, mas confortável, da marca Ford. Limpa uma pequena mancha do pára-choque e sai a pé pela rua. Seu salário permitiu que alugasse uma boa casa. Trabalha tão perto que, em cinco minutos, pode chegar. Enquanto caminha ele  pensa na importância de seu trabalho. Sente-se muito bem ao refletir de que, se não fosse por sua atuação, o país jamais se desenvolveria. A casa do juiz e do promotor publico da cidade... Logo após, a casa da professorinha de piano que executa, alguma coisa, de Vila Lobos. Sente, através das janelas entreabertas, os olhares de admiração de seus vizinhos.  Passa  pela quitanda e sente o cheiro das frutas e verduras frescas... Os proprietários orientais ao vê-lo saem à porta e sorridentes  o  reverenciam. Os rostos deles mostram o reconhecimento daquilo sobre o qual há pouco ele havia refletido... Eu sou útil para a minha comunidade. Sorri, mais uma vez, e vai direto para o seu local de trabalho.
Os colegas e as colegas impecavelmente trajados aguardam a hora de ir para suas salas de trabalho. Anda pelo corredor e alguns jovens o saúdam. Na sua sala recebe os cumprimentos, respeitosos, de mais ou menos trinta pessoas. Conversa tranquilamente com elas sobre a intolerância... Cita o trecho de Romeu e Julieta... E, muitos outros selecionados, a dedo, durante suas horas e horas de leitura. A platéia da pequena sala se emociona... Todos saem motivados para lerem as indicações e, principalmente, buscando caminhos para evitar a intolerância. Fim do seu trabalho matinal separa os papéis para trabalhar, durante a tarde, em casa. Na área externa, antes de sair, ainda ouve os afinados tons de cornetas e o repicar dos tambores. Depois do almoço, junto da família, lê atentamente os papéis e anota comentários em cada um deles. São seis da tarde, passa pelo Ginásio de Esportes que está entulhado de jovens, seus amigos que torcem pelos seus ídolos do Basquete. Fim de jogo. Aplaude, com entusiasmo, vencedores e vencidos.  Oito horas... Caminha até o local onde hoje é o Teatro Municipal, para assistir a um debate sobre a História Universal... Tema: “Napoleão Revolucionário ou Contra Revolucionário?”. Algumas das pessoas com as quais havia encontrado, pela manhã, são brilhantes em suas argumentações. Sente-se orgulhoso. Terminado o debate faz seus comentários e depois vai andando para sua casa. Toma um copo de leite morno e, antes de dormir, lê alguns trechos dos Lusíadas de Camões e de Iracema, de José de Alencar. Amanhã, no seu trabalho, vai conversar sobre a formação da raça brasileira.
Fecha os olhos e dorme tranqüilo...
Vocês podem imaginar de quem eu estou falando? Pois é, caros internautas. Falo de meus professores.  Estou falando do perfil de um professor do ensino fundamental deste Brasil há cinqüenta anos atrás.
Daí me perguntam: Porque a educação anda tão ruim, neste país?
E eu respondo: Porque, aos poucos, ela foi sendo destruída.E o principal motivo foi a derrocada de uma personagem que, naqueles tempos, como vocês puderem observar, exercia com dignidade o seu ofício...Porque  o professor, sem condições mínimas, não consegue se instruir e preparar, adequadamente, as suas aulas.
Porque aos poucos uma profissão que era reverenciada passou a ser pisoteada por aqueles que nortearam os destinos deste país. A tal ponto, que ouvi, certa vez,  uma professora dizer que tinha medo de entrar em uma sala de aula. A tal ponto, que ouvi de um professor que não tinha dinheiro suficiente, para ter um imóvel decente perto de seu trabalho e teve que mudar para um, quase, barraco na periferia.A tal ponto, que hoje um professor deste país, ao andar pela rua, passa despercebido pela comunidade.A tal ponto, que  ao solicitar crédito entrega ao vendedor, tremendo de medo,  o seu contracheque porque sabe que seu salário não será garantia de quase nada. O professor perdeu seu grande valor, porque neste Brasil, onde as grandes estrelas são os corruptos, ninguém precisa estudar para aprender a roubar.
É isso!

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