PROFESSOR À MODA ANTIGA
ARMANDO SÉRGIO
DA SILVA
Primavera
de 2007
Nossa
personagem, após um dia de trabalho, toma
um copo de leite morno, na cozinha. Anda pelo corredor de sua casa confortável,
ouve o ronquinho delicioso de seus dois filhos. Vai para o quarto. Sua mulher,
também, dorme... Rosto tranqüilo. Nos seus lábios, quase, um sorriso. Todos estão
muito seguros e felizes na sua casa. Afinal, ele pensa, não sou rico, mas ganho
o suficiente. Acende o abat-jour. Pega um livro no criado-mudo... Obras
completas de Shakespeare. Abre na página marcada e, antes de pegar no sono
ainda consegue ler o final de Romeu e
Julieta. Os enamorados mortos por causa da intolerância das duas famílias. Emocionado
dorme... O despertador toca as sete, em ponto.
Já pode ouvir o barulho calmo da cozinha e o cheiro
inconfundível do café. Barbeia-se e toma um banho morno. No cabide está seu
terno, impecável. Veste-se calmamente, senta-se na copa e enquanto saboreia o
desjejum, enquanto lê as principais manchetes do jornal. A base de sua
profissão é a informação. Sai pela garagem, olha o seu carro... um modelo nada
muito caro, mas confortável, da marca Ford. Limpa uma pequena mancha do
pára-choque e sai a pé pela rua. Seu salário permitiu que alugasse uma boa
casa. Trabalha tão perto que, em cinco minutos, pode chegar. Enquanto caminha
ele pensa na importância de seu
trabalho. Sente-se muito bem ao refletir de que, se não fosse por sua atuação,
o país jamais se desenvolveria. A casa do juiz e do promotor publico da cidade...
Logo após, a casa da professorinha de piano que executa, alguma coisa, de Vila
Lobos. Sente, através das janelas entreabertas, os olhares de admiração de seus
vizinhos. Passa pela quitanda e sente o cheiro das frutas e
verduras frescas... Os proprietários orientais ao vê-lo saem à porta e
sorridentes o reverenciam. Os rostos deles mostram o
reconhecimento daquilo sobre o qual há pouco ele havia refletido... Eu sou útil
para a minha comunidade. Sorri, mais uma vez, e vai direto para o seu local de
trabalho.
Os
colegas e as colegas impecavelmente trajados aguardam a hora de ir para suas
salas de trabalho. Anda pelo corredor e alguns jovens o saúdam. Na sua sala
recebe os cumprimentos, respeitosos, de mais ou menos trinta pessoas. Conversa
tranquilamente com elas sobre a intolerância... Cita o trecho de Romeu e
Julieta... E, muitos outros selecionados, a dedo, durante suas horas e horas de
leitura. A platéia da pequena sala se emociona... Todos saem motivados para
lerem as indicações e, principalmente, buscando caminhos para evitar a
intolerância. Fim do seu trabalho matinal separa os papéis para trabalhar, durante
a tarde, em casa. Na
área externa, antes de sair, ainda ouve os afinados tons de cornetas e o
repicar dos tambores. Depois do almoço, junto da família, lê atentamente os
papéis e anota comentários em cada um deles. São seis da tarde, passa pelo
Ginásio de Esportes que está entulhado de jovens, seus amigos que torcem pelos
seus ídolos do Basquete. Fim de jogo. Aplaude, com entusiasmo, vencedores e
vencidos. Oito horas... Caminha até o
local onde hoje é o Teatro Municipal, para assistir a um debate sobre a
História Universal... Tema: “Napoleão Revolucionário ou Contra
Revolucionário?”. Algumas das pessoas com as quais havia encontrado, pela manhã,
são brilhantes em suas argumentações. Sente-se orgulhoso. Terminado o debate
faz seus comentários e depois vai andando para sua casa. Toma um copo de leite
morno e, antes de dormir, lê alguns trechos dos Lusíadas de Camões e de Iracema,
de José de Alencar. Amanhã, no seu trabalho, vai conversar sobre a formação
da raça brasileira.
Fecha
os olhos e dorme tranqüilo...
Vocês
podem imaginar de quem eu estou falando? Pois é, caros internautas. Falo de
meus professores. Estou falando do
perfil de um professor do ensino fundamental deste Brasil há cinqüenta anos
atrás.
Daí
me perguntam: Porque a educação anda tão ruim, neste país?
E
eu respondo: Porque, aos poucos, ela foi sendo destruída.E o principal motivo
foi a derrocada de uma personagem que, naqueles tempos, como vocês puderem
observar, exercia com dignidade o seu ofício...Porque o professor, sem condições mínimas, não
consegue se instruir e preparar, adequadamente, as suas aulas.
Porque
aos poucos uma profissão que era reverenciada passou a ser pisoteada por
aqueles que nortearam os destinos deste país. A tal ponto, que ouvi, certa
vez, uma professora dizer que tinha medo
de entrar em uma sala de aula. A tal ponto, que ouvi de um professor que não
tinha dinheiro suficiente, para ter um imóvel decente perto de seu trabalho e
teve que mudar para um, quase, barraco na periferia.A tal ponto, que hoje um
professor deste país, ao andar pela rua, passa despercebido pela comunidade.A
tal ponto, que ao solicitar crédito
entrega ao vendedor, tremendo de medo, o
seu contracheque porque sabe que seu salário não será garantia de quase nada. O
professor perdeu seu grande valor, porque neste Brasil, onde as grandes
estrelas são os corruptos, ninguém precisa estudar para aprender a roubar.
É isso!
Nenhum comentário:
Postar um comentário