CAFÉ NA CASA DA VOVÓ
Era um domingo na casa térrea da vovó, que tinha ficado
muito grande e, até certo ponto, perigosa. Ela teria que mudar-se para um
pequeno apartamento. Estava um pouco tonta porque tinha que se desfazer de
muitas coisas que não cabiam no apartamento novo. Para despedida programou um
café noturno e chamou todos os filhos e netos.
Cada um se acomodou em uma poltrona na sala de visitas e a
avó foi para a cozinha preparar o café. Depois de um tempo veio o chamado: Está
servido!
Chamou três vezes e nada... Foi até a sala e a cena era,
mais ou menos essa: Os filhos com “tablets”, duas netas assistindo TV e o neto
de quatro anos com um celular.
Sentou-se junto à mesa olhando livros dos quais teria que se
desfazer... “Obras completas de Monteiro Lobato”, Machado de Assis, José de
Alencar, etc. Para cada obra um olhar
entristecido, ela que havia lecionado literatura no colégio. Observou as duas netas que assistiam na
televisão uma cena violentíssima de massacre de traficantes.
Disse imediatamente: - Não quero que vocês vejam isso!
Disse imediatamente: - Não quero que vocês vejam isso!
A neta menor pegou o controle remoto e mudou de canal...
Sintonizou uma novela.
A mais velha disse: Tá bom assim, vó?
A avó: É melhor.
Na novela acontecia a seguinte cena:
Irmã 1: - (para a irmã 2): - Você é uma vagabunda! (Cospe no
rosto da irmã 2 e a esbofeteia violentamente)
A avó (perde a paciência): - Ou vocês vêm já tomar o café ou
eu juro que vou jogar tudo fora!
Todos imediatamente interromperam suas “tarefas” e
sentaram-se à mesa. Ela olhou as pilhas de livros que estavam sobre a mesa do
lado e desabafou: - Para onde eu vou vocês sabem, não cabem estes livros... Eu
pensava em distribuir para vocês, meus netos!
Um das netas disse:- Velharia vó o que é que nós vamos fazer
com isso?
A avó (ainda insistindo) – Você meu netinho ainda pouco
estava perguntando o que eram e como seriam as cerejas. Se você olhar aqui
(pegando o pesado dicionário Aurélio), você vai saber o que são.
O neto de quatro anos, tira do bolso um pequeno celular e dá
um comando de voz:- Google now! Cereja! Logo aparecem no celular várias imagens
de cerejas e todas as especificações da fruta!
Todos caem na gargalhada, inclusive a avó.
A avó: - Como amanhã não haverá aulas, vocês querem dormir
aqui?
Todos os netos juntos: Queremos... Queremos!
Os pais consentiram e se foram.
Agora era a última
tentativa da avó. Preparou vários cantinhos, no quarto grande. Acendeu uma
luminária bem fraquinha e esperou eles se acomodarem.
- Olhem bem para mim. Vou contar histórias para vocês
dormirem...
Os três netos grudaram os olhos nela.
A avó: - Vou falar das histórias que estão escritas naqueles
livros da sala.
Falou das Reinações de Narizinho; do amor entre Cecí e Peri
e dos olhos dissimulados de Capitu. Deixou para o fim as lembranças da tataravó
que narrava a vida em Mogi das Cruzes de antigamente. De como as pulgas
atacavam as pessoas durante a noite, de como a luz de vela fazia as pessoas
morrerem de medo dos fantasmas, das portas fechadas todas as noites às oito
horas quando o funcionário da prefeitura apagava os lampiões da rua.
Quando ela percebeu os três dormiam. Fechou os olhos e
também dormiu profundamente.
Quando despertou. Os netos já não estavam mais nas camas.
Levantou-se assustada e foi procurá-los.
Chegando à sala deparou-se com a seguinte cena... Eram três
pilhas de livros, cada um deles sentado em cima de uma delas.
O neto mais novo disse num grito:- Vovó já dividimos tudo.
- Um dia nós vamos ler estas histórias tão bonitas, disse a
neta de onze anos.
A avó não aguentou e começou a chorar... Abriu os braços e pediu:-
Abracem-me, por favor.
Os três netos correram a abraçaram carinhosamente. Nossa
crônica termina com uma foto dos quatro abraçados... Passado, presente e futuro
em um só enquadramento. No rosto da avó... Um sorriso esperançoso!
Caro leitor: Os exemplos que vêm da pesquisa científica são
incríveis – leituras cerebrais demonstram que quando alguém ouve uma história,
seu cérebro se alinha com o do narrador.
É por isso que eu continuo escrevendo... Minhas Histórias!
ARMANDO
SERGIO
FIM
DA PRIMAVERA DE 2013
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